A invenção do nada mudou tudo: origem do zero e a revolução matemática
O zero não é um conceito intuitivo: ele precisou ser inventado. E isso mudou a história da humanidade.
O zero não é um conceito intuitivo: ele precisou ser inventado.
O próprio conceito de "nada", um "vazio" marcado justamente pela ausência ou a inexistência, é algo difícil de ser sistematizado.
Apesar disso, é uma noção que perpassa culturas não-ocidentais há séculos, como os maias e babilônios, os árabes e os hindus, aqueles considerados os inventores do "zero".
Antes de ser o símbolo bem delimitado que é hoje, o zero já foi, em algumas culturas — como entre os maias —, uma "ausência de quantidade" marcada de forma diversa.
É contraintuitiva a ideia de "marcar o nada", porque, se algo recebe marcação, já é alguma coisa. Quer dizer, reconhecer que o nada importa o suficiente para ser delimitado é uma parte do raciocínio lógico (e filosófico) necessário à "invenção do zero".
Alguns teóricos dizem que foi o surgimento desse conceito o responsável pela "criação da matemática moderna".
"Um pequeno ponto em um antigo pedaço de casca de bétula marca um dos maiores eventos da história da matemática", diz um artigo de Ittay Weiss, pesquisador da Universidade de Portsmouth. "A casca, na verdade, faz parte de um velho documento matemático indiano conhecido como manuscrito Bakhshali, e é o primeiro uso registrado do número zero."

Créditos: Sci-news/ divulgação
Pesquisas em Oxford identificaram o documento que contém a possível origem do zero como 500 anos mais antigo do que se pensou um dia, datado, provavelmente, do século 3 ou 4 a.C.
Entre os sumérios, uma das civilizações mais antigas do mundo, há cerca de 5 mil anos a.C., um sistema posicional que agia como o zero até existia: "de uma forma rudimentar, um símbolo ou um espaço era usado para distinguir entre, por exemplo, 204 e 2000004. Mas esse símbolo nunca era usado no final de um número, então a diferença entre 5 e 500 tinha de ser determinada pelo contexto", explica Weiss.
O passo decisivo para o zero e sua "invenção" como o conhecemos hoje, no entanto, foi dado na Índia, quando o matemático Aryabhata (476–550 d.C.) popularizou seu sistema de posições decimais, no qual o mesmo símbolo podia ser usado para representar diferentes valores a depender de sua posição no número. A lógica era assim: "De lugar para lugar, cada um vale dez vezes o precedente".
Com um sistema de numeração baseado em fonemas em sânscrito, Aryabhata permitiu enxergar um conceito implícito de vazio.
Depois, o matemático Brahmagupta (598 - 668 d.C.) introduziu a notação do zero como um pequeno ponto ou círculo e, mais tarde, estabeleceu regras matemáticas para a sua operação (como aquela que determina que um número vezes zero é zero).
A invenção do zero pelos hindus está profundamente relacionada ao conceito do vazio e o infinito, fruto de tradições filosóficas como o budismo e o jainismo. Foi uma disposição metafísica para aceitar o "nada" aquilo que influenciou a criação de um conceito abstrato para o zero, sua personificação. E mesmo o nada pode ser infinito. Aliás, ele é a representação do infinito.
Foi no século 8 d.C. que os árabes, em trocas culturais com a Índia, adotaram seu sistema decimal, inclusive o zero (o sifr, como passaria a ser chamado), um conhecimento posteriormente transmitido à Europa por obras como o Liber Abaci, do matemático Fibonacci (1202).
"O método dos indianos supera qualquer método conhecido de cálculo", diria Fibonacci em escritos. "É um método maravilhoso. Eles fazem seus cálculos usando nove algarismos e o símbolo zero."
Da invenção de um símbolo para o nada aos complexos sistemas de informação modernos, que usam a lógica computacional e dependem das definições binárias do valor de 0 e 1 para determinar comandos aos circuitos eletrônicos — entre a presença e a não-presença —, o zero foi, de fato, uma revolução histórica.