Após suspender sua agenda por ter contraído covid-19, o presidente dos Estados Unidos e candidato à reeleição pelo Partido Democrata Joe Biden continua sob pressão em relação a uma possível desistência da corrida presidencial. E uma reportagem da The New Yorker trouxe a análise de profissionais da saúde que demonstraram preocupação sobre se os sintomas apresentados por ele.
O autor da matéria, Dhruv Khullar, também médico e professor assistente na Weill Cornell Medicine, entrevistou nove médicos que falaram anonimamente sobre as condições aparentes de Biden após a realização do debate da CNN contra Donald Trump. "Eles tiveram o cuidado de estipular que não poderiam diagnosticar o presidente de longe, e nenhum quis ser citado pelo nome. Mas quase todos eles estavam preocupados com a possibilidade de que os sintomas de Biden pudessem ir além de um declínio gradual relacionado ao envelhecimento, e poderiam ser potencialmente atribuídos a algo mais sério, como um comprometimento cognitivo significativo ou condição neurodegenerativa. A maioria sentiu que uma avaliação para distúrbios neurológicos seria razoável", diz Khullar.
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Ele relata que uma neurologista que se identifica como democrata lhe disse que o desempenho de Biden no debate incomodou um grande número de seus colegas. "Todos nós tivemos uma reação instintiva de que isso não é normal", pontuou a médica.
Embora alerte que um diagnóstico não pode ser feito somente com base em aparições em vídeo, o autor ressalta que uma análise geral não pode deixar de ser feita em função da importância do cargo. "Muitos profissionais médicos, compreensivelmente, preferem não comentar sobre figuras públicas. Dissecar abertamente a saúde de uma pessoa parece intrusivo e indecoroso e, mesmo que uma pessoa seja diagnosticada com uma condição neurológica, isso não é motivo para negar a ela a participação no trabalho e na vida. Mas também parece razoável, até mesmo inevitável, que um padrão diferente seja aplicado quando as ações dessa pessoa podem afetar a vida de milhões de pessoas nos próximos anos."
O médico da Casa Branca Kevin O'Connor escreveu, após o exame físico de Joe Biden em fevereiro, realizado no Centro Médico Militar Nacional Walter Reed, que ele estava "apto para o serviço". No entanto, os exames não incluíram testes cognitivos.
"Questão de função"
A matéria destaca que a maioria dos médicos pontuou que testes neuropsicológicos e motores abrangentes, juntamente com exames de imagem, seriam necessários para garantir ou descartar um diagnóstico específico. São testes administrados ao longo de horas, possivelmente dias, muito mais complexos que o citado por Trump, o Montreal Cognitive Assessment, de triagem, que o republicano se gaba de ter "acertado".
Perguntada se a pressão para fazer o teste poderia alimentar o etarismo, uma médica disse a Khullar que muito de seu trabalho visa combater preconceitos relacionados à idade. Mas, "nos últimos meses, isso claramente se tornou uma questão de função, não apenas de idade cronológica".
Uma outra neurologista, da Costa Oeste do país, conta que ao ouvir Biden no debate imediatamente pensou nos padrões de fala de alguns de seus pacientes. "Isso ativou meu sentido clínico de aranha", disse ela, segundo a matéria. Nos dias seguintes, chegou a redigir uma carta aberta com outros especialistas expressando preocupação de que o presidente pudesse ter um comprometimento cognitivo. No final, decidiram recuar, já que nenhum deles havia examinado pessoalmente Biden e, quaisquer que fossem suas preocupações sobre o democrata, julgaram o comportamento de Trump como uma ameaça maior.
E Trump?
Ainda que Donald Trump busque ridicularizar seu rival, ele também comete uma série de gafes verbais e costuma confundir nomes. E já foi alvo de escrutínio por parte de profissionais médicos, como lembra a The New Yorker.
Em 2017, a professora clínica assistente de psiquiatria em Yale Bandy X. Lee convocou dezenas de especialistas em saúde mental em uma conferência chamada "Dever de Alertar", para discutir a ética de falar sobre as condições psicológicas de Trump. Depois, foi publicada uma coleção de ensaios intitulada O Caso Perigoso de Donald Trump: 27 Psiquiatras e Especialistas em Saúde Mental Avaliam um Presidente, transformada em livro em que eram discutidas condições como sociopatia, narcisismo maligno e transtorno de personalidade antissocial.
O contrato da professora em Yale, onde frequentou a faculdade de medicina e lecionou por quase duas décadas, não foi renovado, mas Lee disse à reportagem que a Declaração de Genebra, adotada pela Associação Médica Mundial após a Segunda Guerra Mundial, obriga os médicos a se manifestarem diante de uma ameaça iminente.
"Não se trata de diagnosticar uma pessoa", afirmou. "Trata-se de proteger a saúde pública. Um presidente tem o poder de destruir o mundo várias vezes. Um líder instável apresenta um perigo claro e presente. Como podemos ficar em silêncio?", pergunta. Para Lee, o comportamento de Trump era mais preocupante do que a saúde atual de Biden, ainda que o dever de alertar se aplique igualmente ao atual presidente.