A maior cidade árabe-americana dos Estados Unidos, Dearborn, no Michigan, infligiu uma derrota dolorosa para a candidata do Partido Democrata à presidência Kamala Harris.
Em 2020, Joe Biden venceu com 69% dos votos contra 30% de Trump. Agora, a situação se inverteu, com o republicano alcançando 43% contra 36% de Kamala Harris. Candidata do Partido Verde, Jill Stein chegou a 15%, crescimento significativo em relação à eleição passada, quando a legenda alcançou somente 1%. E um sinal de descontentamento em relação aos democratas.
A cidade se tornou a primeira de maioria árabe nos EUA em 2023, com cerca de 55% dos 110 mil moradores afirmando ascendência do Oriente Médio ou do Norte da África no censo promovido naquele ano. O prefeito de Dearborn é Abdullah Hammoud, um democrata que se recusou a se encontrar com Trump, mas tampouco apoiou Harris, e se manifestou sobre as eleições na rede social X.
"Votos nunca são prometidos a nenhum partido ou candidato, especialmente de uma comunidade diretamente impactada por um genocídio", disse Hammoud sobre o massacre de Israel em Gaza. "Mais importante, o engajamento cívico não começa e termina na cabine de votação — o trabalho real é todo dia antes e depois de uma eleição. Minha comunidade e eu continuaremos a responsabilizar a Casa Branca por políticas que salvarão e melhorarão vidas — agora e no futuro."
Comunidade árabe ignorada por Harris
Pode ser difícil, à primeira vista, compreender por que um candidato com um histórico de declarações e políticas anti-muçulmanas e anti-imigrantes como Trump possa ter sido bem votado por descendentes de árabes nos EUA. Mas ele buscou suavizar seu tom belicoso em relação a eles em Michigan, levando autoridades e imãs árabes e muçulmanos nos seus comícios e os chamando de “grandes pessoas”.
Além disso, prometeu "paz" no Oriente Médio, ainda que sem definir e como alcançá-la. Já Harris, diferentemente do republicano, não visitou Dearborn e, em Michigan, fez campanha com Liz Cheney e recebeu apoio de seu pai, o ex-presidente Dick Cheney, responsável por arquitetar a chamada “Guerra ao Terror” que devastou parte do Oriente Médio.
Enquanto Biden fez promessas, no plano interno e externo, voltadas para a comunidade árabe em 2020, várias delas não cumpridas, candidata democrata não fez prometeu nada concretamente, em especial diante do genocídio ocorrido em Gaza. Como resume esta matéria da All Jazeera, muitos árabes-americanos dizem que já sobreviveram a quatro anos de Trump, enquanto muitos de seus parentes na Palestina e no Líbano morreram durante a presidência de Biden-Harris.
"Se Harris tivesse explicitamente pedido e pressionado por um cessar-fogo, ela teria vencido esta eleição. Confortavelmente", diz em seu perfil no X o professor de direito na Universidade de Detroit Mercy, Khaled Beydoun. "Genocídio é uma péssima política."
Parlamentar palestino-americana reeleita
Para se ter uma ideia de quantos eleitores Harris perdeu em Dearborn, a deputada democrata Rashida Tlaib, uma progressista palestino-americana, obteve 62% dos votos na cidade, contra 30% do candidato republicano James Hooper, se reelegendo para um quarto mandato.
“Os eleitores da classe trabalhadora em todo o país não veem mais o Partido Democrata como um partido que luta por seus interesses”, disse ao The Intercept Usamah Andrabi, diretora de comunicações do Justice Democrats, “e eles viam Rashida Tlaib como alguém que o faz exatamente pelo motivo de ela ter resistido à liderança de seu partido e se recusou a ignorar as necessidades de seus eleitores — o que neste caso significava se opor a um genocídio”.
“É assim que se parece colocar a democracia de volta ao centro do Partido Democrata”, disse ainda Andrabi. “Qualquer outra coisa é uma traição às pessoas comuns e elas sentem isso.”
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