Em mundos paralelos, Joe Biden e Donald Trump levam adiante seus planos. Trump continua na trincheira em que transformou a Casa Branca. Insiste na fraude e não entrega os pontos. O círculo mais íntimo em torno do presidente está dividido. A mulher, Melania, e o genro, Jerred Kushner, já disseram ao presidente que é hora de aceitar o resultado. Mas os advogados, especialmente Rudolph Giuliani, porta-voz da bravata judicial, alimentam o pior espírito brigão do presidente. A equipe de campanha continua trabalhando e já pensa até em organizar um comício para apregoar a fraude. O país ainda não sabe como vai ser possível remover o candidato derrotado da residência oficial do governo norte-americano.
Entre os republicanos, a briga é para ver quem vai herdar o trumpismo. Ted Cruz, senador do Texas, que já foi pré-candidato a presidente, foi aos programas de tevê dizer que “nós ainda não sabemos quem ganhou essa eleição”. Cruz não é exatamente um amigo de Trump. Eles se estranharam um bocado no passado, só que o senador do estado tradicionalmente republicano, que correu risco de virar democrata este ano, quer mobilizar a base que Trump galvanizou e chamar para si esses votos. Outro que está doido para vestir o manto do trumpismo é o senador Lindsey Grahan, da Carolina do Sul. Apoiador fervoroso de Trump de última hora, ele foi ainda mais longe. Fez um apelo a Trump, em uma rede de notícias 24 horas: “Não conceda. Continue lutando!”.
Na bolha republicana, a eleição ainda não terminou. E alguns analistas já comparam Trump a uma criança de 2 ou 3 anos, daquelas que os pais precisam deixar chorar e espernear até cair no sono. Parece inacreditável, mas falam assim sobre Trump abertamente. Vai ser preciso cansar a criança. Deixá-lo gastar essa energia para então aceitar o resultado. Continuo achando que ele não vai transferir o poder na Casa Branca, como acontece tradicionalmente, mas terá que deixar a residência onde Joe e Jill Biden vão morar a partir de 20 de janeiro. E Biden já está trabalhando.
Nesta segunda-feira (9) ele anunciou o time que vai liderar a força-tarefa contra o coronavírus. No grupo, por provocação, ou talvez para fazer justiça, está o epidemiologista Rick Bright, que foi diretor de Saúde Pública do governo Trump. Ele tentou chamar a atenção da Casa Branca para o risco que a pandemia representava. Ninguém deu ouvidos. Ele fez uma denúncia pública e, claro, foi removido do cargo. Trump queria demitir até Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Saúde, o infectologista mais famoso e respeitado do país. Só não levou as ameaças a cabo porque o cargo de Fauci não é uma escolha do presidente.
A pandemia está disparando por aqui. Nas últimas 24 horas, foram 160 mil novos casos. No começo da semana passada foi um susto nacional quando veio à tona que o país teria 100 mil novos casos diários. Com as aglomerações dos comícios de Trump e, agora, com as comemorações do resultado favorável a Biden, não é de se estranhar que a doença continue avançando. Vai ser a maior dor de cabeça para a dupla Joe/Kamala. Ainda que no cenário internacional eles tenham uma onda de boa vontade soprando na direção dos Estados Unidos.
A Alemanha, e os países da Europa em geral, estão se mexendo para reconstruir as relações com Washington. Até o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, já deu os parabéns a Biden pela vitória. Ele é um radical de direita, mas não é bobo e sabe que a conversa vai mudar um pouco de tom agora. O governo iraniano se manifestou no fim de semana e pediu a Biden que traga os Estados Unidos de volta ao acordo nuclear que ele e Obama fecharam, em 2015. O presidente eleito já prometeu voltar imediatamente ao Acordo de Paris, da mudança climática. Trump abandonou o grupo assim que assumiu o governo e o processo terminou na semana passada. Oficialmente, o país deixou o acordo poucos dias antes da eleição de Joe Biden.
Será que Biden vai retomar o programa de reaproximação com Cuba, iniciado no segundo mandato de Obama e interrompido no governo Trump? Ele perdeu a eleição na Flórida. Talvez valesse o risco. Já que não tem mesmo o voto dos cubanos que vivem por lá, poderia ir adiante e continuar desmontando essas políticas do passado que não ajudam em nada os americanos, os cubanos e muito menos as relações no hemisfério.