América em risco, por Wilson Ramos Filho (Xixo)

A judicialização da política terá consequências desastrosas. Muitos daqueles 70 milhões acreditarão que houve fraude eleitoral e apostarão na venalidade dos juízes. Trump tem maioria na Suprema Corte. Esperarão que esses magistrados façam o jogo dos trumpistas, mesmo sem provas das alegadas fraudes.

Foto: CBS (reprodução).
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Por Wilson Ramos Filho (Xixo)*

Alertamos em 2016 para os perigos da ruptura institucional. O golpe esgarçou as relações sociais. O judiciário está definitivamente desmoralizado pela utilização do lawfare, a guerra jurídica contra inimigos ideológicos da direita concursada. O Ministério Público se transformou em instrumento da direita, dos privilégios, da visão punitivista e do conservadorismo nos costumes. O parlamento tem cada vez menos defensores, minando a crença na democracia, nas leis e na Constituição Federal. O golpe destruiu a pequena institucionalidade que tínhamos.

A reação de Trump ante sua derrota eleitoral trará para os EUA consequências semelhantes. Parte dos mais de 70 milhões de estúpidos que votaram nele está sendo convencida de que as instituições não funcionam mais por lá. Um dos mitos fundantes da gringolândia é a da funcionalidade do sistema e de suas certezas. Isso está sendo destruído.

A judicialização da política terá consequências desastrosas. Muitos daqueles 70 milhões acreditarão que houve fraude eleitoral e apostarão na venalidade dos juízes. Trump tem maioria na Suprema Corte. Esperarão que esses magistrados façam o jogo dos trumpistas, mesmo sem provas das alegadas fraudes, violando os mitos da neutralidade e da imparcialidade do Judiciário. No Brasil, sabemos, embora nos custe admitir, que o golpe de 2016 aplicou um “boa noite, Cinderela” no poder Judiciário, usando a Lava Jato como entorpecente. Nos EUA, o derrotado tentará fazer o mesmo, instrumentalizando a Justiça para seus interesses ideológicos. Seus militantes irão para as ruas para pressionar. Não aceitarão o resultado.

Caso as instituições funcionem e os mitos prevaleçam, esses estúpidos nunca mais acreditarão no sistema e na bizarra democracia que serviu tantas vezes para violar soberanias em várias partes do mundo. A manutenção das regras do jogo deixará sequelas na parcela da população que achava que seria fácil utilizar o lawfare, como no Equador, na Bolívia, na Argentina e no Brasil.

De outra parte, se a cretinice prevalecer, com o Judiciário estadunidense se deixando instrumentalizar, os quase 80 milhões de cidadãos que votaram em Biden ficarão definitivamente frustrados com o sistema, com as instituições e com a democracia. Um desastre institucional.

A não ocorrência do tradicional telefonema do derrotado ao vencedor terá consequências por muitos anos naquele país e em todos os demais. A democracia, doravante, jamais será a mesma. É gravíssimo o que está acontecendo.

Estou exagerando? Pensem no que aconteceu no Brasil quando o STF deixou de impedir o golpe de 2016 e resolveu ter protagonismo político. As instituições são frágeis. Não se pode brincar com elas. Estilhaçam.

*Wilson Ramos Filho, o Xixo, é doutor em Direito e presidente do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora. Escreveu o texto “Direita concursada e ‘lawfare’”.