Acho que já chega de discutir os capítulos da novela que Donald Trump escreve, dirige e encena. Um novo governo se prepara para assumir as rédeas do país e é de olho nele que devemos ficar daqui por diante. A democracia americana terá que se entender com o trumpismo, não resta dúvida. Mas tem a oportunidade de fazer muito nos próximos quatro anos. Uma análise cuidadosa de Max Moran, pesquisador do Projeto Revolving Door (porta giratória, em inglês, que permite as idas e vindas de funcionários públicos para empresas privadas) mostra que Biden pode mudar muita coisa nos primeiros dias de governo, sem precisar dos votos do Congresso.
Moran se baseou nos resultados das seis equipes de trabalho da força-tarefa Biden/Sanders. Sim, quando saiu da disputa para representar o Partido Democrata nas eleições presidenciais, Sanders montou com Biden seis grupos de trabalho para afinar as agendas. Os temas eram imigração, mudança climática, economia, educação, justiça social e saúde. E todos eles apresentaram projetos de lei. Mas também apontaram o que pode ser feito logo de cara. Para começar, desfazer, por decreto, o que Trump fez com uma canetada. Dos 48 decretos que o grupo sugeriu que sejam revertidos, 28 dizem respeito à imigração. Claro, um governo xenófobo como o de Trump se revela facilmente nos números.
Se a existência dos grupos de trabalho conjunto diz muito a respeito do pragmatismo de Bernie Sanders e do compromisso que ele tem com a necessidade real de mudança, ela também revela um bocado sobre os objetivos de Biden na Presidência. Ao contrário da impressão geral, ele aparentemente está comprometido em trabalhar com os progressistas. Essa ala do partido deve ter muito mais trabalho no Congresso com os conservadores, do que com a Casa Branca. O primeiro nome que o futuro presidente anunciou, para formar a equipe de governo, caiu muito bem no campo progressista. Ron Klain será o chefe de gabinete de Biden. Uma espécie de ministro-chefe da Casa Civil. Um cargo vital para o bom funcionamento da administração.
Competente. Essa foi a palavra que mais ouvi, tanto dos conservadores, como dos progressistas, ao descreverem o advogado de 57 anos que trabalha com Biden há mais de 30. Klain fez direito na universidade Harvard e assim que se formou foi para Washington, onde começou a trabalhar com o então senador Joe Biden. A parceria funcionou tão bem que Klain seguiu com Biden para a Casa Branca. Foi chefe de gabinete do vice-presidente de Obama e nos oito anos de governo cuidou de muitas coisas e duas delas merecem destaque: a força-tarefa de combate ao surto de Ebola na África e a recuperação da economia depois da crise de 2008. Trump surfou na onda dos resultados desse projeto, com geração de emprego constante, durante os três primeiros anos de governo dele.
Ron Klain bateu duro em Trump durante a pandemia, nas redes sociais. O governo Obama deixou pronto para Trump um plano de ação em caso de pandemia. O plano, e a equipe encarregada de ficar em alerta, foram dispensados. Trump pagou muito caro pela decisão. Foi aí que perdeu mais quatro anos de estadia na casa da Avenida Pensilvânia, em Washington, de onde teima em não sair. Voltando ao chefe de gabinete do futuro governo, Klain tem outra característica essencial, segundo as diferentes facções do partido democrata: é capaz de conversar e negociar com todos os matizes políticos. Com um Congresso ainda mais dividido do que antes, uma margem menor de vantagem para os democratas na Câmara e uma situação ainda indefinida no Senado, essa habilidade será essencial. Biden pode começar o governo desfazendo, imediatamente, as medidas mais radicais e nocivas do governo Trump. A lista está pronta. Segundo Mak Moran, são ao todo 277 decretos (48 apenas para reverter as mudanças instauradas por Trump) que ele pode assinar e adotar no primeiro dia de mandato.