Ninguém, no campo trumspista, está pensando na partida. É só um intervalo. A turma mais leal, dirigida pelo chefe-mor, já está trabalhando pelo presente e pelo futuro do movimento personalizado na figura do magnata do mercado imobiliário. Já vi por dentro vários apartamentos do conjunto de imóveis de Donald Trump, aqui em Nova York. Como dizia um antiquíssimo ditado brasileiro, “por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento”. São apartamentos caríssimos, de acabamento fajuto. Mas não importa. São arrematados por um preço mais caro do que a média do mercado, simplesmente porque levam a marca Trump.
E essa marca vai continuar no mercado. Na noite da eleição, assim que as urnas fecharam, o coordenador político da campanha do presidente derrotado foi para o telefone pedir dinheiro a doadores da campanha para começar, imediatamente, o esforço jurídico de contestação do resultado. E orientou que eles deveriam fazer os depósitos através da página da campanha na internet. Esse dinheiro não pode, nem vai, ser usado para pagar advogados e causas na justiça. Ele já está sendo dirigido para um super PAC, organizações “independentes”, que podem investir o quanto acharem necessário em diferentes campanhas políticas.
Donald Trump não vai sair de cena. Ele vai apenas mudar de cenário. O presidente derrotado agora sabe que tem uma força política e que comanda uma popularidade que nenhum político dos Estados Unidos tem no momento. Quem vinha acumulando força com eleitores realmente mobilizados, no campo progressista, era Bernie Sanders. Só que o partido democrata decidiu sabotar a única chance de mobilização que tinha. Ficou com Biden e seus comícios sem sal. Comparados com os de Trump, é de assustar qualquer pessoa preocupada com o avanço da direita populista no mundo.
Para facilitar o caminho de volta à Casa Branca, para ele mesmo em 2024, ou para alguém da escolha dele, Donald Trump está dando os toques finais na limpeza e na decoração. Continua demitindo os que considera traidores e transferindo para posições reservadas a funcionários de carreira a turma leal, que estava até agora ocupando cargos para os quais foram conduzidos por indicação política. Ou seja, está distribuindo apoiadores legais pela máquina do estado que Joe Biden vai herdar. Se o democrata não fizer uma mudança completa, levar para a Casa Branca mais do que as roupas e sapatos, mas sim gente leal para substituir os espiões de Trump, vai levar rasteira o tempo todo.
O objetivo do governo que está nos últimos dias é tornar o mais difícil possível esse começo de administração democrata. Biden não é bobo. Não chegou ontem. Não vai fazer a mesma bobagem que Trump fez ao se cercar de algumas pessoas despreparadas para o jogo político, como foi o caso da escolha de Jarred Kushner como braço direito e pau para toda obra. Kushner era, e continua sendo, um zé-ninguém nos corredores do Congresso. Não tem carreira política e traquejo nas negociações que precisam ser travadas ali.
Já Biden, velho lobo desse mar político, anunciou logo o chefe de gabinete, equivalente ao chefe da Casa Civil no Brasil. Será Ron Klain, um fiel escudeiro de longa data. Klain saiu da universidade, em Harvard, e foi trabalhar com o então senador Joe Biden. Ou seja, vive no mundo político desde sempre. E é leal a Biden desde o começo da carreira. Conhece os meandros de Washington e vai entrar preparado para o jogo desde o primeiro dia. Ponto para Biden. Vamos ver agora quem mais vai compor essa administração, que entrará em campo com a tarefa de enfrentar a maior crise de saúde pública da história do país, uma situação econômica igualmente problemática e as armadilhas montadas por Donald Trump, espalhadas pelos quatro cantos da máquina governamental.