A Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, da sigla em inglês), o principal órgão regulador de Wall Street, anunciou nesta quarta-feira (4) a abertura de uma consulta pública para avaliar o endurecimento das regras aplicadas a empresas estrangeiras listadas em bolsas estadunidenses.
A medida, aprovada por unanimidade, mira especialmente companhias chinesas, que hoje se beneficiam de exigências regulatórias mais brandas em comparação com empresas domésticas.
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Durante coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China nesta quinta-feira (5), o porta-voz Lin Jian reagiu com duras críticas.
“Os Estados Unidos precisam seguir o princípio da concorrência leal, parar de politizar questões econômicas e comerciais, e oferecer um ambiente justo, imparcial e não discriminatório para as empresas chinesas e demais companhias estrangeiras”, afirmou.
Lin acrescentou que o governo chinês tomará todas as medidas necessárias para proteger os direitos e interesses legítimos de suas empresas.
Consulta pública mira “emissores estrangeiros privados”
A proposta da SEC gira em torno da redefinição da categoria de emissor estrangeiro privado (foreign private issuer), que permite a empresas estrangeiras cumprir exigências reduzidas de divulgação, como relatórios anuais no lugar de trimestrais e isenção de regras rígidas sobre governança e divulgações de eventos relevantes.
Segundo o presidente da SEC, o republicano Paul Atkins, o objetivo de manter os mercados dos EUA atrativos para empresas estrangeiras continua, mas precisa ser equilibrado com a proteção dos investidores e a isonomia regulatória.
“Queremos garantir que as empresas estrangeiras forneçam informações relevantes e que as companhias americanas não sejam prejudicadas por exigências desiguais. O primeiro passo é definir com clareza quem de fato deve se qualificar para esse status privilegiado”, afirmou Atkins.
O comunicado conceitual divulgado pela SEC convida o público a comentar a definição atual da categoria e os potenciais impactos econômicos, regulatórios e jurídicos de uma revisão. O prazo para envio de contribuições é de 90 dias a partir da publicação no Federal Register.
Leia aqui o comunicado em inglês
Empresas chinesas são o principal alvo
A preocupação com o papel das companhias chinesas no mercado estadunidense foi explicitada durante a reunião da SEC. Atkins destacou que 55% dos emissores estrangeiros privados negociam exclusivamente nos EUA, sendo a maioria empresas chinesas registradas nas Ilhas Cayman.
Já o comissário Mark Uyeda citou um relatório do Congresso dos EUA que mostra que 90% das 265 empresas chinesas listadas nos EUA não possuem ações negociadas em outras bolsas internacionais.
A nova proposta exigiria que essas empresas estivessem também listadas em mercados estrangeiros com supervisão regulatória robusta para manter o status de emissor estrangeiro privado.
Impacto direto nas empresas chinesas
Caso as mudanças sejam implementadas, as companhias chinesas passariam a cumprir os mesmos padrões das estadunidenses, incluindo a entrega de relatórios trimestrais, divulgação imediata de eventos relevantes e adesão a regras de governança corporativa. Isso aumentaria significativamente os custos de conformidade, exigindo estrutura interna mais robusta.
A medida também ampliaria o nível de escrutínio sobre essas empresas por parte de reguladores, investidores, mídia e políticos. Informações como riscos geopolíticos, laços com o governo chinês e práticas contábeis sensíveis teriam que ser divulgadas com maior regularidade.
Diante desse novo cenário, é provável que muitas companhias optem por retirar suas ações das bolsas estadunidenses, o chamado delisting. Isso significaria perda de acesso ao capital dos EUA, menor liquidez e queda de valor de mercado. A tendência de repatriação de listagens para Hong Kong ou Xangai, iniciada por empresas como Alibaba, JD.com e NIO, pode se intensificar.
Geopolítica no centro do embate
Embora a mudança afete empresas estrangeiras em geral, a China seria a mais impactada, por concentrar a maior parte das companhias que operam exclusivamente nas bolsas dos EUA sob o regime de emissor estrangeiro privado.
Pequim vê a iniciativa como mais um movimento da estratégia de contenção econômica dos EUA, sobretudo em setores estratégicos como tecnologia, biotecnologia e energia limpa.
O governo chinês pode responder com retaliações econômicas, como restrições a empresas e auditores estadunidenses que atuam na China, estímulo à migração de capital para bolsas asiáticas e desincentivo à listagem de novas startups chinesas nos EUA.