CHINA EM FOCO

China-CELAC completa 10 anos com metas superadas e reforça papel estratégico do Brasil

Durante a 4ª Reunião Ministerial em Pequim, Xi Jinping lançou cinco programas estratégicos e Lula reforçou o papel do Brasil em áreas como infraestrutura, tecnologia e nova ordem multipolar

Durante a 4ª Reunião Ministerial em Pequim, Xi Jinping lançou cinco programas estratégicos e Lula reforçou o papel do Brasil em áreas como infraestrutura, tecnologia e nova ordem multipolar
China-CELAC completa 10 anos com metas superadas e reforça papel estratégico do Brasil.Durante a 4ª Reunião Ministerial em Pequim, Xi Jinping lançou cinco programas estratégicos e Lula reforçou o papel do Brasil em áreas como infraestrutura, tecnologia e nova ordem multipolarCréditos: Fotomontagem (Xinhua e Ricardo Stuckert)
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A 4ª Reunião Ministerial do Fórum China-CELAC marca uma década de cooperação entre a China e os países da América Latina e do Caribe, celebrando resultados expressivos e renovando compromissos estratégicos. Criado em janeiro de 2015, o mecanismo estipulou metas ambiciosas a serem alcançadas até 2025 — todas já superadas em 2024.

O volume de comércio bilateral ultrapassou US$ 518,4 bilhões no ano passado, superando a meta inicial de US$ 500 bilhões. Já os investimentos diretos da China na região latino-americana ultrapassaram US$ 600 bilhões, mais que o dobro dos US$ 250 bilhões estipulados originalmente. Entre os setores que se consolidaram como pilares dessa parceria estão infraestrutura, agricultura e tecnologia aeroespacial.

A reunião deste ano, realizada em Pequim, coincidiu com a visita oficial do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva à China e contou com a presença de líderes como Gustavo Petro (Colômbia), Gabriel Boric (Chile) e da ex-presidenta Dilma Rousseff, atual presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB).

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O Uruguai, que assumirá a presidência pro tempore da CELAC em 2026, foi representado pelo chanceler Mario Lubetkin. Em carta lida durante o encontro, o presidente uruguaio Yamandú Orsi expressou apoio ao multilateralismo e defendeu a construção de uma parceria estratégica integral com a China.

Atualmente, a presidência pro tempore da CELAC está sob responsabilidade da Colômbia, que assumiu o posto em 9 de abril de 2025, sucedendo Honduras. O país tem atuado como articulador político da plataforma em um momento de reafirmação da cooperação Sul-Sul e de busca por maior autonomia regional no cenário internacional.

Xinhua - Presidente Lula
Xinhua - Presidenta Dilma
Xinhua - Presidente Gustavo Petro
Xinhua - Presidente Gabriel Boric
Xinhua - Foto oficial do evento

Os cinco programas anunciados por Xi Jinping

Xinhua - Presidente Xi Jinping

Durante a cerimônia de abertura, o presidente da China, país anfitrião do encontro, Xi Jinping, anunciou cinco novos programas estratégicos com foco em solidariedade, desenvolvimento, civilização, paz e conectividade entre os povos. A proposta visa reforçar o papel da China como parceira do Sul Global, fortalecendo a multipolaridade, a autodeterminação dos povos e a resistência ao unilateralismo.

  1. Solidariedade: reforço do apoio político mútuo e intercâmbio entre partidos. A China convidará, anualmente, 300 membros de partidos da CELAC para visitas sobre práticas de governança.
     
  2. Desenvolvimento: incentivo à integração com a Iniciativa Cinturão e Rota, ampliação das importações de produtos latino-americanos e novos investimentos chineses na região.
     
  3. Civilização: realização de uma conferência sobre civilizações China-CELAC, com defesa de valores como paz, justiça e inclusão.
     
  4. Paz: cooperação em cibersegurança, antiterrorismo, controle de drogas, combate ao crime transnacional e gestão de desastres.
     
  5. Conectividade entre os Povos: nos próximos três anos, a China oferecerá 3.500 bolsas de estudo, 10 mil vagas de capacitação, 500 bolsas para professores de mandarim, 300 treinamentos para combate à pobreza e 1.000 oportunidades no programa “Ponte Chinesa”. Serão implementados 300 projetos comunitários e haverá isenção de visto para cinco países latino-americanos.

Protagonismo do Brasil

Às vésperas da abertura do encontro, no dia 12 de maio, em entrevista ao canal CGTN em Português, Zhou Zhiwei, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CEB-CASS), apontou o Brasil como peça-chave da CELAC.

Para ele, o grau de engajamento brasileiro depende da capacidade da China de responder às demandas locais — como a estabilidade comercial, o crescimento sustentável e a ampliação de infraestrutura física e digital.

A construção do Porto de Chancay, no Peru, com apoio chinês, cria novas rotas logísticas com o mercado asiático. O Brasil, anfitrião da próxima cúpula do BRICS, pode atuar como mediador em temas sensíveis, como o conflito Rússia-Ucrânia.

Ferrovia Bioceânica ganha novo impulso

Outro destaque da entrevista de Zhou foi a retomada das negociações sobre a Ferrovia Bioceânica, que interligará Brasil, Bolívia e Peru. O pesquisador defende que o alinhamento entre o PAC brasileiro e a estratégia chinesa de interconectividade cria o momento ideal para tirar o projeto do papel.

Zhou cita que bancos como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o China Development Bank (CDB) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) estão envolvidos nas tratativas de financiamento.

Independência tecnológica como objetivo comum

Zhou observa que a produção de semicondutores é uma prioridade compartilhada. A independência da China nessa área inspira o Brasil, que busca romper sua dependência dos países desenvolvidos.

O governo Lula já sinalizou interesse em desenvolver tecnologia nacional. Setores como agricultura tropical, petróleo em águas profundas e vacinas foram elencados como áreas estratégicas para parcerias com a China. 

“Se soubermos combinar nossas vantagens, podemos quebrar o monopólio tecnológico do Norte global”, afirmou Zhou.

EUA reagem com preocupação

Zhou também comentou as reações dos Estados Unidos, que observam com apreensão o fortalecimento da parceria China-CELAC. Segundo ele, Washington teme uma convergência entre as visões políticas e comerciais dos países latino-americanos com as da China.

Enquanto Pequim oferece investimentos concretos sem exigências geopolíticas, os EUA têm se limitado a retóricas estigmatizantes, sem apresentar alternativas.

Autodeterminação e novo papel internacional da CELAC

O fórum destaca o desejo crescente dos países latino-americanos por autonomia estratégica. Zhou enfatiza que a experiência histórica mostra que a autodeterminação não se conquista por concessões. Nesse contexto, a CELAC busca diversificar parceiros e fortalecer sua presença no cenário global.

O Brasil, por sua vez, tem se mostrado ativo ao propor alternativas à hegemonia do dólar, como os swaps cambiais entre os países do BRICS. Para Zhou, a diplomacia brasileira é hoje mais confiante e disposta a liderar reformas na governança internacional.

Cooperação acadêmica e cultural em crescimento

O fórum também tem sido palco para destacar os avanços nos intercâmbios educacionais e científicos. Desde 2009, centros de pesquisa conjuntos foram criados em universidades de Brasil, México, Chile e Argentina. Zhou observou que o interesse dos jovens brasileiros pela China tem crescido, impulsionando uma aliança de longo prazo baseada no conhecimento e na cultura.

O Fórum China-CELAC de 2025 confirma a consolidação de uma aliança estratégica voltada à soberania, ao desenvolvimento sustentável e à construção de uma nova ordem internacional mais justa e multipolar. Para o Brasil, a parceria com a China representa não apenas oportunidades econômicas, mas também uma plataforma de projeção geopolítica.

Confira a íntegra a entrevista

PT propõe plano estratégico

Às margens da participação do presidente Lula na 4ª Reunião Ministerial do Fórum China-CELAC, o Núcleo do Partido dos Trabalhadores (PT) na China divulgou uma carta em que expressa apoio à presença brasileira no evento e propõe uma agenda estratégica de integração regional com base na cooperação Sul-Sul.

Núcleo PT na China

O coordenador do Núcleo PT na China, José Renato Peneluppi Jr., em conversa exclusiva com a coluna China Em Foco comentou que o presidente Lula foi muito receptivo às sugestões dos integrantes do grupo.

"O presidente Lula nos recebeu de braços abertos e, sorrindo, fez questão de abraçar cada um de nós. Ele recebeu e leu nossa carta e encaminhou nossa mensagem para a equipe dele", contou.

Datado de 12 de maio de 2025, o documento destaca a importância do fórum como plataforma para a construção de um novo plano trienal (2025–2027), defendendo o protagonismo do Brasil no processo de transição para uma nova ordem multipolar. O texto reafirma o compromisso do partido com a soberania, a integração latino-americana e o diálogo multilateral como pilares para enfrentar os riscos de recessão e retrocessos globais.

Entre as sugestões encaminhadas ao presidente Lula, o núcleo petista propõe que a CELAC discuta sua adesão conjunta à Iniciativa Cinturão e Rota, iniciativa liderada pela China para conectar mercados por meio de infraestrutura. O grupo também defende a ampliação da presença brasileira no Fórum Macau e na Área da Grande Baía, além da criação de mecanismos para facilitar intercâmbios acadêmicos e profissionais, especialmente por meio da flexibilização de vistos.

Fórum Macau e Área da Grande Baía são duas iniciativas estratégicas da China voltadas à cooperação econômica e integração regional. O Fórum Macau, Fórum para a Cooperação Econômica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa foi lançado em 2003 em Macau. O objetivo é fortalecer os laços comerciais, culturais e diplomáticos entre a China e países lusófonos, como Brasil, Angola, Portugal e Moçambique. Atua como plataforma para facilitar investimentos, comércio bilateral, educação e projetos conjuntos, com Macau como ponte cultural e linguística entre os países.

A Área da Grande Baía, Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, é uma estratégia nacional da China formalizada em 2017. Integra 9 cidades da província de Guangdong (incluindo Shenzhen e Guangzhou) com as regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau. O objetivo é criar uma megarregião econômica e tecnológica global, similar ao Vale do Silício. Além de fomentar inovação, finanças, infraestrutura e integração urbana, sendo uma das regiões mais ricas e dinâmicas da China.

Ambas as iniciativas são vistas como oportunidades para países da América Latina, especialmente o Brasil, estreitarem sua relação com a China por meio de cooperação direta em comércio, tecnologia, educação e investimentos.

Outro ponto abordado na carta é o impacto da guerra comercial entre China e Estados Unidos sobre os países latino-americanos. Segundo o documento, a região pode se tornar uma alternativa estratégica para a realocação de cadeias globais de valor, o que, na visão do PT, deve ser encarado como uma oportunidade histórica para impulsionar a reindustrialização e fortalecer a infraestrutura sul-americana.

A carta posiciona o Brasil como um elo fundamental entre a China e a América Latina, destacando a necessidade de uma política externa ativa e orientada para a construção de alianças estratégicas no Sul Global.

 

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