A morte de uma renomada cientista de origem chinesa que atuava nos Estados Unidos esquentou o debate sobre a implacável perseguição deflagrada por Washington contra pesquisadores da China, que pode ser considerado uma reedição da caça às bruxas do macartismo em pleno século 21.
A neurocientista sino-estatunidense Jane Wu, uma pesquisadora renomada em uma universidade no estado de Illinois, aos 60 anos tirou a própria vida no dia 10 de julho deste ano na casa onde morava, em Chicago. Muitos acreditam ela foi vítima da caça às bruxas de Washington contra cientistas relacionados à China nos EUA.
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Embora os resultados da investigação oficial sobre a causa do suicídio de Wu ainda não tenham sido divulgados, ela estava vivendo sob uma pressão tremenda, que pode ter sido agravada pela investigação dos EUA sobre "pesquisadores suspeitos de ter vínculos não revelados com Pequim".
Essa trágica morte destaca uma situação cada vez mais difícil para esses profissionais de ciência e tecnologia prosperarem – ou até mesmo sobreviverem, para dizer o mínimo – em um país que nutriu inúmeras autoridades científicas.
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Conforme Washington intensifica sua repressão à ciência e tecnologia da China, os efeitos colaterais têm se tornado trágicos como ilustra esse triste episódio.
Para muitos pesquisadores chineses, o sonho de desenvolver suas carreiras nos EUA, um país que dissemina a imagem de ser uma terra promissora para a pesquisa científica livre, aberta e inclusiva, está se tornando cada vez mais inalcançável.
Perdeu o laboratório e tirou a própria vida
Wu atuava na Universidade Northwestern, localizada em Evanston, no estado de Illinois, que fica ao norte da cidade de Chicago, nas margens do Lago Michigan, e é considerada parte da área metropolitana de Chicago.
A história de Wu voltou a ganhar destaque em um artigo do South China Morning Post publicado no dia 31 de agosto e que viralizou na China. Intitulado "China-born neuroscientist Jane Wu lost her US lab. Then she lost her life" ("A neurocientista nascida na China, Jane Wu, perdeu seu laboratório nos EUA. Depois, perdeu sua vida", em tradução livre) traz relatos de colegas que a descrevem como uma "verdadeira modelo a ser seguido".
EUA deflagram caça às bruxas contra cientistas chineses
A morte de Wu é uma grande perda para a comunidade de pesquisa científica. No entanto, o que ela simboliza é uma tragédia sob a distorcida supressão tecnológica dos EUA contra a China e qualquer pessoa ou coisa relacionada à potência asiática.
Dados mostram que, nos últimos seis anos, mais de 250 pesquisadores nos EUA, em sua maioria de ascendência asiática, foram acusados de "ligações suspeitas" com Pequim" e foram colocados sob investigação.
Isso levou a apenas duas acusações e três condenações, mostrando que a maioria das alegações é, na verdade, produto de uma fabricação infundada e imprudente. No entanto, 112 cientistas perderam seus empregos.
Em geral, muitas dessas vítimas tiveram suas carreiras destruídas. Alguns pesquisadores eventualmente recuperaram suas reputações, mas perderam o auge de suas carreiras. Alguns não foram investigados, mas vivem com medo constante. Até hoje, o efeito paralisante da caça às bruxas contra cientistas relacionados à China nos EUA ainda pode ser sentido.
Iniciativa China de Trump
A "Iniciativa China" foi um programa lançado pelo governo de Donald Trump em 2018 com o objetivo de combater a espionagem econômica e o roubo de tecnologia pelos quais o governo dos Estados Unidos acusava a China.
A justificativa era proteger a propriedade intelectual e as inovações tecnológicas dos EUA, focando principalmente em acadêmicos, pesquisadores e empresários de origem chinesa ou com laços com a China, que estivessem envolvidos em áreas estratégicas de ciência e tecnologia.
No entanto, o programa foi amplamente criticado por promover discriminação racial, uma vez que muitos cientistas de origem chinesa foram investigados, independentemente de qualquer evidência concreta de espionagem.
Sob acusações de criar um ambiente de medo e perseguição dentro da comunidade científica, o que resultou em demissões, perda de financiamentos e danos às carreiras de muitos profissionais. Em 2022, o governo de Joe Biden encerrou oficialmente o programa, devido às críticas e à falta de resultados significativos.
Fantasma do macartismo
A Iniciativa China foi considerada uma ressurreição do macartismo, sujeitando muitos pesquisadores chineses a tratamentos injustos por causa de sua origem. O programa fomentou a discriminação racial na sociedade dos EUA e espalhou medo entre minorias, especialmente a comunidade sino-estadunidense.
Embora tenha sido encerrada pela administração Biden, há sinais e fatos - como a trágica morte de Wu - de que Washington ainda a endossa tacitamente ou, pelo menos, usam uma abordagem similar.
A morte de Wu deve servir como um alerta para os EUA, que buscam constantemente políticas científicas e tecnológicas mais extremas contra a China. Washington agora não vê mais ciência e tecnologia como uma questão puramente técnica, mas como algo que pode ser politizado e usado como arma para suprimir a China.
O macartismo foi um período nos Estados Unidos, durante as décadas de 1940 e 1950, caracterizado pela intensa perseguição política contra pessoas suspeitas de serem comunistas ou de terem simpatias comunistas. O nome deriva do senador republicano pelo Wisconsin Joseph McCarthy, que foi um dos principais líderes dessa campanha de perseguição e serviu no Senado de 1947 até 1957.
Esse movimento ficou marcado por investigações agressivas e acusações sem provas concretas, que resultaram na criação de listas negras, prisões, demissões e destruição de reputações de milhares de pessoas, principalmente em áreas como o governo, o entretenimento, as universidades e a mídia. O Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara (HUAC, da sigla em inglês) foi um dos órgãos que conduziu investigações amplamente criticadas por violar direitos civis e promover um clima de medo e paranoia.
O macartismo é amplamente lembrado como um período de excessos e injustiças, onde o medo do comunismo levou a uma caça às bruxas que minou liberdades civis e criou um ambiente de repressão política nos Estados Unidos. O movimento começou a perder força no final dos anos 1950, quando McCarthy foi desacreditado publicamente, mas seus efeitos perduraram por muitos anos.
Em pleno século 21, ressurge com nova roupagem e mira nas relações científicas e tecnológicas entre China e EUA.
Caminho equivocado de Washington
Na China, jornais como o Global Times comentam em editoriais e artigos que os EUA não deveriam seguir esse caminho. Mas, ponderam, a crescente hostilidade em relação à China entre certos formuladores de políticas em Washington torna difícil reverter a visão equivocada sobre a cooperação científica e tecnológica com Pequim.
Em artigo intitulado "Death of Chinese-American scientist a wake-up call for US’ extreme science policies" ("Morte de cientista sino-americana é um alerta para as políticas científicas extremas dos EUA", em tradução livre), desta quinta-feira (6), o jornal chinês observa que essa postura beligerante dos EUA tem gerado inúmeros obstáculos para o progresso conjunto entre as duas potências, um tema que tem ganhado destaque recentemente.
O texto observa que fica claro que os EUA abandonaram a busca por uma colaboração mais próxima com a China, preferindo "cavar buracos e colocar armadilhas" para enfraquecer essa parceria. Avalia que o uso da ciência e tecnologia como ferramenta de supressão contra a China representa não apenas uma tragédia na política externa de Washington, mas também para o avanço da própria comunidade científica nos Estados Unidos.
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