CHINA EM FOCO

'Tela Azul da Morte': China sai praticamente ilesa de apagão cibernético global; entenda

Infraestrutura chave do país não foi afetada pela falha nos sistemas da Microsoft Windows que atingiu desde companhias aéreas até bancos mundo afora

Créditos: Reprodução Vermelho
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A China saiu praticamente ilesa do apagão cibernético global que interferiu no funcionamento da internet mundo afora, principalmente nos setores de transportes, saúde, finanças, telecomunicações e mídia.

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Essa blindagem chinesa à 'Tela Azul da Morte' pode ser explicada pela redução da dependência do país de provedores de serviços estrangeiros, como a Microsoft e a empresa de antivírus CrowdStrike.

Nos últimos anos, a China tem implementado uma campanha em seus departamentos governamentais e operadores de infraestrutura chave para substituir hardware e sistemas estrangeiros por nacionais.

O impacto mínimo da falha da Microsoft na China provou que a potência asiática fez progressos em alcançar seu objetivo de sistemas de computação “seguros e controláveis”.

No Weibo, o equivalente ao X (antigo Twitter), internautas chineses brincaram que a Microsoft “deu a eles meio dia de folga”. Um comentarista disse que “nossa empresa acabou de trocar para novos computadores com o sistema HarmonyOS, então não podemos participar da sua celebração”.

A falha no Microsoft Windows afetou empresas estrangeiras e hotéis de luxo na China que usam o sistema estrangeiro. Mas não houve impactos na infraestrutura chave do país, desde companhias aéreas até bancos.

O apagão que resultou em uma tela azul nos computadores tornou-se um tópico quente nas plataformas de mídia social chinesas, já que muitos escritórios de negócios estrangeiros em todo o país foram afetados pela falha.

Até as 18h, horário de Pequim, não houve relatos de interrupções na infraestrutura na China continental, enquanto muitos aeroportos na região Ásia-Pacífico, de Hong Kong à Austrália, foram atingidos por interrupções. Os aeroportos internacionais de Pequim e Xangai operavam normalmente.

Soberania digital

Há vários fatores para a China ter saído praticamente ilesa do apagão cibernético global causado por falhas no sistema da Microsoft. Todos têm no núcleo a soberania digital, um conceito que abrange a capacidade do país de controlar sua infraestrutura digital, dados, e recursos tecnológicos, além de regular e monitorar o uso da internet e das tecnologias de informação dentro de suas fronteiras.

A China tem investido pesadamente em desenvolver e adotar tecnologias domésticas para reduzir sua dependência de sistemas estrangeiros como o Windows da Microsoft. Muitas instituições e empresas chinesas utilizam sistemas operacionais locais, como o HarmonyOS, o que as protegeu dos problemas enfrentados por usuários de Windows em outros países.

A infraestrutura digital da China é fortemente controlada e monitorada, permitindo uma resposta rápida e eficiente a qualquer incidente de cibersegurança. Além disso, a política de armazenar dados localmente minimiza a exposição a problemas externos.

O sistema de filtragem e monitoramento de internet da China, conhecido como "Great Firewall", controla rigorosamente o tráfego de dados que entra e sai do país. Isso isola efetivamente a infraestrutura digital chinesa de muitas vulnerabilidades e ataques que afetam outras regiões.

A China conta com organizações como o CNCERT/CC, que coordenam a resposta a emergências de cibersegurança de maneira eficaz. Essas organizações trabalham em conjunto com empresas locais, instituições acadêmicas e outros parceiros para garantir a resiliência e a segurança da infraestrutura digital.

Esses fatores combinados permitiram que a China mantivesse sua infraestrutura digital funcionando normalmente, enquanto muitas outras regiões enfrentavam interrupções significativas devido à falha no sistema da Microsoft.

Esse conceito de soberania digital é impulsionado pelo desejo de proteger a segurança nacional, promover o desenvolvimento econômico e garantir a estabilidade política.

Confira os principais elementos da soberania digital da China:

Controle sobre a Internet - O Great Firewall, a chamada Grande Muralha de Fogo ou Firewall Nacional da China, é operada pelo Gabinete de Informação da Internet da China de Portal de Segurança de Dados Transfronteiriços (CNCERT/CC). Trata-se de um sistema de software e hardware conjunto usado pelo governo chinês para filtrar o conteúdo da internet internacional. A Grande Muralha de Fogo não é uma unidade específica única da China. É composta por servidores dispersos, roteadores e outros equipamentos, juntamente com aplicativos de empresas relevantes, que monitoram todas as comunicações que passam pelos gateways internacionais para filtrar conteúdos considerados incompatíveis com os requisitos oficiais chineses.

Regulamentação de Conteúdo - A China tem leis rigorosas sobre o conteúdo que pode ser publicado online, com órgãos governamentais para monitorar e remover conteúdos que violam a legislação chinesa.

Substituição de Tecnologia Estrangeira - A China está empenhada em reduzir sua dependência de tecnologia estrangeira, promovendo o desenvolvimento e a adoção de hardware e software doméstico. Isso inclui sistemas operacionais, semicondutores, e plataformas de serviços em nuvem.

Empresas Tecnológicas Locais - Gigantes tecnológicos chineses como Huawei, Alibaba, Tencent, e Baidu desempenham um papel crucial na infraestrutura digital do país e são incentivados a inovar e liderar em várias áreas da tecnologia.

Proteção de Dados e Segurança Cibernética - A Lei de Segurança Cibernética, implementada em 2017, exige que as empresas armazenem dados dentro da China e que passem por inspeções de segurança cibernética. Também estabelece normas para a proteção de informações pessoais e a segurança das redes.

Criação de Normas e Padrões Nacionais - A China tem estabelecido suas próprias normas e padrões para tecnologias emergentes como inteligência artificial e 5G, promovendo a segurança e a interoperabilidade de sistemas desenvolvidos localmente.

Campanhas de Autossuficiência Tecnológica - Implementação de iniciativas como a 'Made in China 2025', um plano estratégico que visa transformar a China em uma potência líder em setores de alta tecnologia, incluindo robótica, biotecnologia e veículos elétricos. O objetivo é aumentar a capacidade de inovação e reduzir a dependência de tecnologias estrangeiras.

Segurança e Controle - O governo chinês incentiva empresas estatais e setores estratégicos a usar software e hardware domésticos para mitigar riscos de segurança associados ao uso de tecnologias estrangeiras.

A abordagem da China à soberania digital fortalece o controle do governo sobre a informação e a infraestrutura digital, promovendo a segurança nacional e o desenvolvimento tecnológico. Representa um esforço abrangente para proteger e controlar o ambiente digital do país, refletindo tanto ambições de segurança nacional quanto de liderança tecnológica.

Governança e Big Data

Em artigo publicado nesta coluna em dezembro de 2022, os autores Isis Paris Maia - historiadora e mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Diego Pautasso - doutor e mestre em Ciência Política e graduado em Geografia pela UFRGS - tratam da abordagem chinesa na governança digital.

No texto, o casal explica que a China adentrou o século XXI como grande protagonista do cenário tecnológico, sem deixar que essa revolução digital limitada apenas ao mercado, atravessou outra fronteira, a da governança digital. "Assim, o país tem promulgado uma série de políticas para promover o desenvolvimento da indústria da informação", escrevem.

O 13º Plano Quinquenal mencionou a importância da implementação do plano Internet Plus e o programa nacional de compartilhamento de dados. O governo chinês também tem utilizado o Big Data como ferramenta para alcançar a grande meta deste plano, a erradicação da pobreza extrema.

Os pesquisadores informam que o 14º Plano Quinquenal consagra a digitalização de todos os aspectos da vida na China. Em 2022, o Conselho de Estado chinês divulgou um documento dando ênfase à construção do Sistema Nacional Integrado de Big Data para Assuntos Governamentais até o ano de 2025.

O sistema inclui três tipos de plataformas: a plataforma nacional com papel de gerenciamento de dados de assuntos governamentais; a de nível provincial construída como um todo por 31 províncias (regiões autônomas, municípios); e a de dados dos departamentos relevantes do Conselho de Estado.

"O objetivo é construir uma plataforma governamental integrada capaz de romper o insulamento das fontes de dados. Trata-se de ampliar a sinergia interna do governo e aprimorar a eficácia da gestão. O gerenciamento unificado da informação tende a melhorar a utilização dos recursos e evitar a duplicação de ações. E o fato de ter seu próprio ecossistema de Big Tech (Baidu, TikTok, China Mobile etc.) facilita a soberania sobre tais políticas. Detalhe: A introdução da moeda digital (eRMB) vai conferir ao Banco do Povo da China ainda mais relevante na coleto de dados - de hábitos de consumo a fluxos financeiros", explicam.

O  texto esclarece ainda que o governo chinês tem enfatizado ainda a necessidade de ampliar a participação social no processo governamental. Além de consultas e sondagens de opinião, as redes sociais podem ajudar o governo a entender demandas e críticas.

"Em outras palavras, é possível inovar o modelo de tomada de decisão da governança com base no Big Data, pois serve para enfrentar assuntos públicos com mais acurácia; projetar cenários políticos específicos para auxiliar na tomada de decisões por meio da análise abrangente de dados multifonte; e avaliar desempenho de médio e longo prazo como efeito da tomada de decisão. Sem dúvida, é possível avaliar políticas de maneira mais realista e representativa, assim como construir projeções e cenários", escrevem.

Planos quinquenais

Os planos quinquenais da China são planos econômicos e sociais de cinco anos elaborados pelo governo chinês para orientar o desenvolvimento do país. Esses planos são ferramentas fundamentais de planejamento macroeconômico e foram implementados desde a fundação da República Popular da China em 1949. Cada plano define metas e prioridades para diferentes setores da economia e da sociedade, abrangendo aspectos como industrialização, infraestrutura, tecnologia, saúde, educação e meio ambiente.

Cada plano quinquenal estabelece objetivos específicos para o crescimento econômico, desenvolvimento social, inovação tecnológica e sustentabilidade ambiental. As metas incluem indicadores de crescimento do PIB, taxas de urbanização, redução da pobreza, melhorias na saúde e educação, e metas ambientais.

Os planos são elaborados pelo governo central, principalmente pelo Comitê Central do Partido Comunista Chinês e pelo Conselho de Estado. O planejamento centralizado permite uma coordenação eficiente entre diferentes regiões e setores da economia.

Durante o período de cinco anos, o governo monitora e avalia a implementação dos planos, ajustando as políticas conforme necessário para atingir as metas estabelecidas. Relatórios periódicos e avaliações de progresso são realizados para garantir que os objetivos estejam sendo cumpridos.

Exemplos de Planos Quinquenais

Primeiro Plano Quinquenal (1953-1957):

  • Foco na industrialização pesada e no desenvolvimento de infraestrutura básica.
  • Grandes investimentos em siderurgia, energia e transporte.

Décimo Terceiro Plano Quinquenal (2016-2020)

  •    Ênfase na inovação tecnológica, desenvolvimento sustentável e melhoria da qualidade de vida.
  •    Objetivos para a redução da pobreza, proteção ambiental e avanço da economia digital.

Décimo Quarto Plano Quinquenal (2021-2025)

  •  Continuidade na promoção de alta tecnologia e inovação.
  •   Foco na autossuficiência tecnológica, desenvolvimento verde e fortalecimento do mercado interno.

Os planos quinquenais são cruciais para a trajetória de desenvolvimento da China, permitindo ao governo alinhar recursos e políticas de forma estratégica para alcançar objetivos de longo prazo. Eles ajudam a orientar investimentos, promover reformas estruturais e responder a desafios econômicos e sociais emergentes.