Qualquer discussão sobre um eventual Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a China não deveria se restringir
apenas a questões comerciais, mas também abarcar temas como investimentos, tecnologia e criação de cadeias produtivas regionais, em especial as ligadas à transição energética e descarbonização.
Essa é a conclusão do estudo "Investimento, Cadeias de Valor e Competitividade: Reflexões sobre um eventual Acordo de Livre Comércio Mercosul-China" conduzido pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), que destaca que um eventual acordo deve também considerar a experiência da formação de cadeias de valor na ASEAN (leia abaixo) no contexto do acordo de livre comércio entre a região e a China.
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Embora a negociação de um acordo com a China ainda não esteja formalmente na pauta do Brasil ou do Mercosul, o estudo observa que o tema ganhou relevância regional com a decisão do Uruguai de avançar em negociações com o gigante asiático.
O cenário é agravado pela dificuldade em implementar o acordo entre Mercosul e União Europeia, além do avanço de mega-acordos regionais, em detrimento das negociações multilaterais sob a Organização Mundial do Comércio (OMC).
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Benefícios para o Brasil
A publicação do CEBC explora os impactos e potenciais benefícios de um eventual Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a China, com uma ênfase especial para o Brasil.
Destaca que a relação comercial entre o Mercosul e a China já é substancial, mas há espaço para ampliação, especialmente em setores estratégicos como energia renovável e transição energética. O Brasil, maior economia do Mercosul, pode se beneficiar significativamente em termos de aumento de PIB, investimento e exportações.
Simulações indicam que o Brasil teria um aumento de 1,43% no PIB, 7,3% em investimentos e um crescimento de 7,1% nas exportações, especialmente no agronegócio, com destaque para setores como carnes e sementes oleaginosas.
O estudo ressalta que o país pode expandir suas cadeias produtivas, aumentar a competitividade global, especialmente no campo de bens industriais sustentáveis, impulsionados por investimentos chineses.
Ainda assim, há desafios, especialmente para setores industriais que enfrentariam forte concorrência com produtos chineses, como têxteis e calçados. Um acordo de livre comércio deve equilibrar questões tarifárias com investimentos em tecnologia e infraestrutura, visando a integração regional e a formação de cadeias de valor.
Desafios para o acordo Mercosul-China
Embora o Mercosul tenha sido uma das iniciativas mais ambiciosas de integração econômica na América do Sul, desde sua criação em 1991, o bloco enfrenta obstáculos significativos, como a manutenção de economias relativamente fechadas e a falta de competitividade global.
A indústria dos países membros do Mercosul, historicamente focada na substituição de importações e no protecionismo, enfrenta desafios com a crescente relevância da produção chinesa.
O estudo aponta, no entanto, que simulações do Ipea indicam possíveis ganhos econômicos, como aumento do PIB, empregos, exportações e importações, caso o acordo se concretize.
Destaca também a importância de ir além de questões tarifárias e incluir temas como cooperação tecnológica e harmonização regulatória com foco em integrar cadeias regionais de produção. Isso poderia proporcionar um caráter mais estratégico às relações econômicas entre o Mercosul e a China.
O documento oferece uma visão estratégica ao sublinhar a necessidade de transformar os desafios em oportunidades que beneficiem todas as partes envolvidas.
Raio-x da publicação
Dividido em seis capítulos, o estudo aponta que o principal desafio para um possível acordo entre Mercosul e China seria a resistência entre os setores industriais do bloco, devido ao baixo dinamismo desses setores no mercado global e à percepção de uma disparidade competitiva em relação à China.
O estudo analisa os impactos, riscos e oportunidades de um possível acordo de livre comércio entre o Mercosul e a China. Baseado em simulações de modelos econômicos, o documento avalia as relações comerciais e de investimentos entre o bloco sul-americano e a China e destaca potenciais efeitos sobre a economia regional.
Também examina o processo de integração entre a China e a ASEAN para buscar identificar lições que possam orientar o Mercosul. Além disso, há uma análise das redes de acordos comerciais firmados pelo Mercosul e a China, com sugestões para guiar negociações futuras.
O trabalho contou com contribuições de vários especialistas, como Fernando Ribeiro e Renato Baumann, e foi editado por Cláudia Trevisan, diretora executiva do CEBC.
O Capítulo 1 aborda as mudanças no cenário internacional e aponta que o Mercosul está fora de grandes acordos globais, o que limita o acesso do bloco a mercados importantes. A resistência entre produtores industriais do Mercosul é mencionada como uma barreira significativa para o avanço das negociações.
No Capítulo 2, é analisada a evolução das relações comerciais entre Mercosul e China. O Brasil é o único país do bloco que apresenta superávits consistentes com a China, sendo que as exportações são dominadas por commodities, enquanto as importações consistem majoritariamente em produtos manufaturados. A crescente presença de investimentos chineses na região também é destacada, especialmente nos setores de infraestrutura e eletromobilidade.
O Capítulo 3 apresenta simulações de impacto de um acordo entre Mercosul e China até 2035. As simulações indicam ganhos expressivos para o Brasil, incluindo aumento do PIB e exportações, especialmente no agronegócio. No entanto, alguns setores industriais brasileiros, como têxteis e eletrônicos, poderiam sofrer perdas devido à maior competitividade chinesa.
O Capítulo 4 examina a experiência da ASEAN com a China e destaca como essa parceria aumentou a competitividade regional, apesar de ter gerado déficits comerciais. O estudo sugere que o Mercosul pode aprender com essa experiência para mitigar os impactos de um acordo com a China, promovendo cadeias regionais de valor.
No Capítulo 5, o foco está nas redes de acordos comerciais da China e do Mercosul. O estudo aponta que um eventual acordo entre as partes deve abordar temas além da liberalização tarifária, incluindo questões regulatórias e de investimentos, com um enfoque em promoção de cooperação, em vez de medidas punitivas.
Por fim, o Capítulo 6 conclui que, embora haja resistência dentro do Mercosul a um acordo com a China, os potenciais benefícios, especialmente em setores como agronegócio e infraestrutura, justificam uma maior integração econômica.
O que é ASEAN
A ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) é uma organização regional fundada em 1967 com o objetivo de promover a cooperação econômica, política, social e cultural entre seus países membros. Tem como foco principal o fortalecimento da paz, estabilidade e desenvolvimento econômico na região do Sudeste Asiático.
Os países membros da ASEAN incluem: Brunei, Camboja, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Singapura, Tailândia e Vietnã. Além disso, atua como um bloco econômico e político influente e facilita acordos de livre comércio e parcerias com grandes potências como a China, Estados Unidos e a União Europeia.
Ao longo dos anos, a ASEAN tem promovido uma maior integração entre os seus países membros, incentivando a formação de cadeias de valor regionais, cooperação em infraestrutura, segurança e desenvolvimento sustentável. Essa organização é considerada um modelo de integração regional, especialmente pela sua flexibilidade e capacidade de acomodar as diferenças de desenvolvimento entre seus membros.
Baixe aqui o estudo completo
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