CHINA EM FOCO

A alta das bolsas da China: um momento histórico que reflete mudanças estruturais

Rali é explicado por uma série de estímulos coordenados pelas autoridades chinesas, incluindo cortes nas taxas de juros e a redução dos requisitos de reserva para os bancos

Créditos: iStock - Alta histórica das bolsas de valores chinesas cria ambiente de otimismo
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A recente alta das bolsas de valores na China, com índices como o CSI 300 entrando em mercado de alta, marca um dos momentos mais notáveis do mercado financeiro global em 2024.

Essa alta não é apenas um fenômeno isolado, mas faz parte de um movimento histórico impulsionado por mudanças profundas na política econômica chinesa e por uma série de intervenções do governo para revitalizar setores estratégicos, como o imobiliário e o industrial.

O atual crescimento das bolsas chinesas reflete tanto o impacto de medidas de estímulo de curto prazo quanto uma tentativa de correção de ciclos econômicos adversos que marcaram os últimos anos.

Desde o colapso de valor significativo de ações chinesas em 2021, o mercado financeiro do país havia enfrentado um longo período de queda e volatilidade. De fato, o CSI 300 (leia abaixo) perdeu quase metade de seu valor até meados de 2024.

O recente rali (ou rally em inglês) nas bolsas chinesas, um período de alta sustentada nos preços de ativos, como ações, títulos ou commodities, pode ser atribuído a uma série de estímulos coordenados pelas autoridades chinesas, incluindo cortes nas taxas de juros e a redução dos requisitos de reserva para os bancos, além de medidas específicas para melhorar a liquidez do mercado de ações. Este pacote de medidas foi fundamental para elevar a confiança dos investidores e catalisar o fluxo de capital para as bolsas chinesas.

Além das medidas monetárias, uma das principais razões por trás da recuperação foi o afrouxamento das restrições para compra de imóveis, especialmente nas grandes cidades como Xangai e Guangzhou, o que trouxe alívio ao setor imobiliário, historicamente uma âncora para a economia chinesa.

O anúncio de novos programas para facilitar o financiamento de ações, voltados para fundos, corretoras e seguradoras, também estimulou a entrada de mais capital no mercado. O aumento da demanda por ações refletiu a crença de que, desta vez, as medidas adotadas poderiam sustentar uma recuperação duradoura.

Historicamente, os mercados financeiros chineses têm sido conhecidos por volatilidade e grandes intervenções governamentais. No entanto, ao contrário de outros episódios de alta que foram breves, a atual recuperação é vista com otimismo por analistas, que apontam para uma mudança estrutural na forma como o governo chinês está lidando com a economia e o mercado de capitais.

A compra direta de ações por entidades ligadas ao Estado, como a Central Huijin Investments, tem sido realizada de maneira pública, um sinal claro de que as autoridades estão empenhadas em estabilizar os mercados e evitar uma repetição dos colapsos anteriores

Esse ressurgimento da confiança nos mercados chineses também está sendo observado em uma escala global. Hedge funds e investidores estrangeiros estão voltando suas atenções para as oportunidades de valorização na China, o que resultou em uma saída de capitais de outros mercados, como o de tecnologia nos Estados Unidos.

Esse movimento global reflete a crescente interdependência dos mercados e a importância da economia chinesa na formação das tendências globais de investimento.

O que é CSI 300

O CSI 300 é um índice de ações que mede o desempenho das 300 maiores e mais líquidas empresas listadas nas bolsas de valores de Xangai e Shenzhen, que são as duas principais bolsas de valores da China. Ele é amplamente considerado um dos principais benchmarks para o mercado de ações chinês, oferecendo uma visão abrangente da performance das ações de grande capitalização no país.

O índice abrange uma ampla gama de setores, incluindo finanças, energia, tecnologia e consumo, refletindo a economia diversificada da China. Seu desempenho é frequentemente visto como um indicador da saúde econômica geral do país e atrai atenção tanto de investidores locais quanto internacionais.

Devido ao seu tamanho e importância, o CSI 300 é um dos índices mais seguidos para quem deseja investir em ações chinesas e é usado como base para vários produtos financeiros, como ETFs (fundos negociados em bolsa).

Entenda a alta das bolsas da China

A recente alta nos mercados de ações da China, impulsionada por uma série de medidas de estímulo, tem acendido significativamente o entusiasmo dos investidores e reforçado a confiança do mercado na recuperação econômica do país.

O Índice Composto de Xangai, principal referência, subiu 8,03% para fechar em 3.335,44 pontos na segunda-feira (30), enquanto o Índice Componente de Shenzhen disparou 10,68%, alcançando 10.530,85 pontos no fechamento.

O Índice ChiNext, que acompanha o mercado de crescimento ao estilo Nasdaq da China, saltou 15,52% para fechar em 2.178,04 pontos.

Dia 30 de setembro foi o último dia de negociação antes do feriado do Dia Nacional da China, celebrado na terça-feira (1º), que dura uma semana. Os mercados de ações chineses ficarão fechados até 7 de outubro.

"Devido à rápida introdução de políticas de estímulo, com algumas superando claramente as expectativas do mercado, o mercado de ações começou a mostrar uma alta perceptível, atraindo uma ampla base de investidores", disse Lou Feipeng, pesquisador do Banco Postal de Poupança da China.

O volume combinado de negócios das bolsas de Xangai e Shenzhen superou 356,76 bilhões de dólares na segunda-feira, atingindo um nível histórico.

Os preços das ações das empresas imobiliárias dispararam após o anúncio do Banco Central da China na noite de domingo (29), em que foi solicitado aos bancos comerciais redução das taxas de juros das hipotecas existentes até 31 de outubro. Essa diretiva faz parte de um amplo conjunto de medidas destinadas a apoiar o setor imobiliário em dificuldades do país.

Também no domingo, a cidade de Guangzhou, no sul, anunciou a remoção de todas as restrições à compra de imóveis, enquanto Xangai e Shenzhen também tomaram medidas para relaxar suas restrições de compra.

Impulsionadas pelas notícias, as ações de imóveis subiram de forma generalizada. A Greenland Holdings, uma importante incorporadora, subiu 10% para 2,08 yuans por ação. A Gemdale, outra grande incorporadora, também saltou 10%, fechando em 5,47 yuans.

Esforços mais amplos de estímulo

O anúncio pelo governo chinês de um pacote de políticas mais amplo do que o esperado para estimular a recuperação econômica. Essas medidas incluem a redução da taxa de compulsório para os bancos e das taxas de hipotecas para imóveis existentes, entre outras.

Em uma medida especialmente benéfica para as ações, o Banco Central da China introduziu duas novas ferramentas para impulsionar o mercado de capitais, uma das quais inclui um programa de swap que facilita o acesso de fundos, seguradoras e corretoras ao financiamento para compra de ações.

Acrescentando aos esforços para fortalecer o funcionamento econômico, o Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China realizou uma reunião na quinta-feira (26), que pediu esforços para "impulsionar o mercado de capitais e guiar vigorosamente fundos de médio e longo prazo para o mercado de capitais".

"Com a série de políticas entrando em vigor, acreditamos que o mercado de capitais tem uma base sólida para mais transações e espaço para aumentos de valorização", disse Wang Yifeng, analista da Everbright Securities.

Sentimento otimista

Essa série de medidas estimulou o sentimento de compra dos investidores tanto nacionais quanto estrangeiros. Como o bilionário David Tepper, considerado um dos gestores de fundos de hedge mais bem-sucedidos, disse na semana passada que está apostando tudo na China após o anúncio dessas medidas de estímulo.

As compras líquidas contínuas de ações chinesas por capital estrangeiro são não apenas um endosso positivo das perspectivas econômicas da China, mas também uma escolha racional no processo de busca de oportunidades de investimento de alta qualidade.

Essa tendência também envia um sinal positivo aos investidores domésticos, indicando o apelo crescente das ações chinesas no mercado de capitais global.

Qual o motivo da alta

Analistas chineses identificam vários motivos e efeitos para a recente alta no mercado de ações chinês. A principal razão foi o anúncio de um pacote abrangente de estímulos pelo governo, que incluiu a redução de taxas de juros e o afrouxamento das restrições para compra de imóveis. Essas medidas impulsionaram a confiança dos investidores, especialmente no setor imobiliário, que vinha enfrentando dificuldades.

Além disso, o governo chinês adotou novas ferramentas para melhorar a liquidez no mercado, como programas que facilitam o financiamento para compra de ações por fundos e seguradoras. Esse movimento foi amplamente visto como um sinal positivo de suporte ao mercado.

O efeito imediato foi um aumento expressivo nos principais índices, como o CSI 300, que entrou em mercado de alta após subir mais de 20% desde seus pontos mais baixos em meados de setembro.

Outro fator que contribuiu para o otimismo foi o retorno do capital estrangeiro, com investidores globais aumentando suas posições em ações chinesas, apostando no potencial de valorização a longo prazo. Essa combinação de estímulo monetário e fiscal gerou um sentimento de compra, com muitos investidores temendo perder a janela de oportunidades dessa recuperação.

Essa recuperação, segundo analistas, pode ser sustentável, embora ainda haja riscos ligados a questões geopolíticas e à influência do governo nos negócios, que poderiam afetar a confiança no longo prazo.

Impacto da alta das bolsas chinesas no mundo

A alta das bolsas da China tem efeitos significativos no mercado global devido à interconexão das economias e fluxos de capital internacionais. 

Aumento do apetite ao risco

A recuperação das bolsas chinesas costuma gerar otimismo entre investidores globais. Com o aumento da confiança no mercado chinês, fundos internacionais e gestores de ativos passam a investir mais em ações chinesas, reequilibrando portfólios que antes estavam subponderados.

Esse movimento pode levar à venda de ações de outros mercados para aproveitar o momento na China, como foi observado com hedge funds vendendo ações de tecnologia dos EUA e investindo em commodities e ações relacionadas ao consumo na China.

Impacto nos preços de commodities

A alta nas bolsas chinesas, impulsionada por estímulos no setor imobiliário e industrial, pode aumentar a demanda por commodities como minério de ferro, petróleo e metais, dos quais a China é uma grande consumidora. Isso impacta diretamente os países exportadores de matérias-primas, como o Brasil e a Austrália, elevando os preços globais desses produtos.

Movimentação nos mercados de dívida

A expectativa de crescimento econômico na China após as altas na bolsa tende a levar investidores a migrarem de ativos de menor risco, como títulos soberanos, para ações e outros ativos de risco, elevando os rendimentos dos títulos (como os títulos do governo chinês) e, em alguns casos, pressionando os mercados de dívida globais, como os dos EUA.

Atração de capital estrangeiro

O retorno do capital internacional ao mercado chinês é visto como um sinal de que investidores globais estão em busca de novas oportunidades, especialmente em economias em recuperação. Isso também pode impactar as bolsas de valores dos países desenvolvidos, que podem experimentar uma redução na entrada de capital conforme os investidores voltam suas atenções para a China.

Governança do sistema financeiro da China

A governança do sistema financeiro da China é altamente centralizada e controlada pelo governo, com uma série de instituições que desempenham papéis críticos na regulação, supervisão e implementação de políticas financeiras.

As principais entidades responsáveis pela governança do sistema financeiro incluem o Banco Popular da China (PBOC, da sigla em inglês), a Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China (CSRC, da sigla em inglês), a Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China (CBIRC, da sigla em inglês), e o Conselho de Estado.

Banco Popular da China - É o banco central da China, responsável pela formulação e implementação da política monetária, gerenciamento das reservas cambiais, emissão de moeda e regulação da liquidez no sistema bancário. Também supervisiona os sistemas de pagamento e compensação.

Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China - Regula o mercado de valores mobiliários, incluindo ações, títulos e futuros. É responsável por garantir a transparência e a equidade nos mercados de capitais, além de supervisionar a listagem de empresas nas bolsas de valores chinesas.

Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China - Criada em 2018 pela fusão da Comissão Reguladora de Bancos da China (CBRC) e da Comissão Reguladora de Seguros da China (CIRC), esta comissão supervisiona e regula os setores bancário e de seguros. Seu objetivo é garantir a estabilidade financeira, controlar o risco sistêmico e promover o desenvolvimento sustentável do setor.

Conselho de Estado da China - Liderado pelo primeiro-ministro, é o órgão administrativo mais alto da China e supervisiona diretamente todas as atividades do governo central, incluindo a formulação de políticas econômicas e financeiras. Coordena o trabalho do PBOC, da CSRC e da CBIRC, além de definir a direção geral das reformas financeiras.

Ministério das Finanças da China (MOF) - É responsável pela administração das finanças públicas e pela política fiscal do país. O MOF tem um papel central na alocação de recursos para apoiar o crescimento econômico e manter a estabilidade financeira.

Administração Estatal de Divisas (SAFE) - Supervisiona o controle de capitais e a gestão das reservas internacionais da China, incluindo a regulação dos fluxos de capital estrangeiro para dentro e fora do país.

Aspectos-chave da Governança Financeira na China

Centralização e Controle Estatal - O governo chinês mantém um controle rígido sobre o sistema financeiro por meio dessas instituições reguladoras, refletindo a filosofia centralizada de sua economia. A regulação do sistema bancário e do mercado de capitais é feita em linha com as prioridades do governo central, como a promoção da estabilidade financeira, o combate ao risco sistêmico e o apoio ao desenvolvimento econômico.

Política Monetária e Fiscal - O PBOC exerce controle sobre a política monetária, usando instrumentos como a taxa de juros e o nível de reservas obrigatórias dos bancos para gerenciar a oferta de dinheiro e controlar a inflação. O Ministério das Finanças administra a política fiscal, que complementa as metas econômicas mais amplas da China.

Reformas Financeiras - O sistema financeiro chinês está passando por reformas contínuas para se alinhar melhor com os padrões internacionais, ao mesmo tempo em que mantém mecanismos que protejam contra choques financeiros externos e volatilidade. As reformas também têm foco em abrir gradualmente o mercado financeiro chinês para investidores estrangeiros, como no caso das iniciativas Stock Connect entre a China continental e Hong Kong.

Gestão de Riscos - A CBIRC desempenha um papel crucial na gestão de riscos do sistema bancário e de seguros, que são setores altamente sensíveis devido à sua relevância para a estabilidade financeira geral do país.

Bolsas de valores da China

As bolsas de valores na China desempenham um papel crucial na economia do país ao facilitar negociação de ações e títulos. Elas são regulamentadas pela Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China (CSRC, da sigla em inglês), que supervisiona e garante a integridade do mercado financeiro.

Bolsa de Valores de Xangai (Shanghai Stock Exchange - SSE)

  •    Localizada em Xangai, é uma das maiores bolsas do mundo em capitalização de mercado.
  •    Negocia principalmente ações de grandes empresas estatais e ações de classes "A" e "B".

Bolsa de Valores de Shenzhen (Shenzhen Stock Exchange - SZSE)

  • Situada em Shenzhen, concentra-se em empresas menores e de rápido crescimento, especialmente no setor de tecnologia.
  • Também negocia ações de classes "A" e "B".

Bolsa de Valores de Hong Kong (Hong Kong Exchanges and Clearing Limited - HKEX)

  • Embora Hong Kong seja uma Região Administrativa Especial, a HKEX atua como uma ponte entre os mercados da China continental e os internacionais.
  • Negocia ações, títulos, derivativos e commodities.

Bolsa de Valores de Pequim (Beijing Stock Exchange - BSE)

  • Inaugurada em setembro de 2021, a BSE foca em pequenas e médias empresas inovadoras.

Funcionamento das Bolsas Chinesas

Classes de Ações

  • Ações Classe "A": Negociadas em yuan chinês, disponíveis para investidores domésticos e investidores institucionais estrangeiros qualificados.
  • Ações Classe "B": Negociadas em moeda estrangeira (dólar americano na SSE e dólar de Hong Kong na SZSE), acessíveis a investidores estrangeiros e domésticos.

Regulamentação

  •   A CSRC estabelece normas para garantir transparência e equidade.
  • Há limites de volatilidade diária (geralmente 10%) para prevenir flutuações excessivas nos preços das ações.

Acesso Internacional

  • Programas como o "Stock Connect" permitem que investidores internacionais acessem diretamente as bolsas de Xangai e Shenzhen através da HKEX.
  • Isso facilita a integração dos mercados chineses com o sistema financeiro global.

Tecnologia e Inovação

  • A SZSE e a BSE têm foco em empresas tecnológicas e startups, promovendo inovação e crescimento econômico.

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