Há uma década a China lançava um projeto com base histórica para a humanidade coordenar o seu planejamento econômico através da infraestrutura. Essa visão audaciosa ficou conhecida como a Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) e esse projeto personifica os princípios fundamentais da diplomacia com característica chinesa ao reconfigurar o futuro das relações internacionais.
A ICR, mais conhecida como a “Nova Rota da Seda” no Brasil, vai além de uma estrada, se põe como um trilho para o desenvolvimento de uma comunidade de futuro compartilhado para toda a humanidade.
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Com o objetivo de promover a integração regional, a proposta é definida em cinco prioridades para estimular o crescimento econômico para, dessa forma, transcender fronteiras geográficas e ideológicas e criar laços mais profundos entre as nações:
- Coordenação de políticas
- Conectividade de infraestrutura
- Comércio desimpedido
- Integração financeira
- Circulação de pessoas
Da seda ao multilateralismo e infraestrutura
Enquanto no passado o mais famoso “produto” a viajar por essas estradas foi justamente a seda chinesa, a Nova Rota da Seda do Século XXI se apresenta como estratégia de livre comércio multilateral, indo além da simples troca de bens e serviços.
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A Nova Rota da Seda coloca o conceito de “investimentos responsáveis”, que leva em consideração os critérios de Governança Ambiental, Social e Corporativa (em inglês, ESG - Enviromental, Social and Governance) como fator decisivo para o crescimento econômico.
A iniciativa chinesa se propõe a aumentar a cooperação entre os países membros na construção de infraestrutura voltada simultaneamente ao desenvolvimento sustentável e ao intercâmbio entre as pessoas.
Com o objetivo de transpor para além das fronteiras chinesas a oferta de capacidade produtiva para o desenvolvimento econômico de outros países por meio de grandes empresas estatais e financiamentos de longo prazo.
A partir da história da China Antiga, da realidade imposta ao mundo pela pandemia do coronavírus e da perspectiva de compromissos cada vez mais firmes com a Agenda Verde, de 2030, de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) — mostra a urgência de um novo padrão de interação entre os diferentes povos e nações por meio de uma relação de benefício mútuo em favor do planeta.
Cooperação global
A ICR é um plano que estabelece uma rede de cooperação global, baseada em valores como justiça, desenvolvimento sustentável e beneficio mútuo.
É notório que a Nova Rota da Seda tem uma proposta para a jornada da coletividade humana para possibilitar que as nações tenham infraestruturas das mais básicas às mais complexas.
A iniciativa tem o objetivo de promover a conectividade e a cooperação econômica entre a China e outras partes do mundo, principalmente por meio de investimentos em infraestrutura como estradas, ferrovias, portos, telecomunicação e instalações de energia.
No centro dessa dinâmica econômica está o Banco Asiático de Infraestruturas (AIIB, na sigla em inglês), uma instituição financeira internacional que demonstra o compromisso da China com parcerias globais em busca de resultados reais.
O AIIB tem se consolidado como uma ponte para o desenvolvimento sustentável ao proporcionar recursos para projetos de infraestrutura em toda a Ásia e territórios distantes ou além-mar.
Fundo da Rota da Seda
Em dezembro de 2015, o Brasil estava na vanguarda desse movimento entre os 57 potenciais membros fundadores do AIIB haviam assinado o Acordo Constitutivo.
O Fundo da Rota da Seda complementa e garante o compromisso inabalável de promover o desenvolvimento econômico e a conectividade global.
Além disso, a ICR é uma oportunidade para construir relações com países vizinhos, fortalecendo laços entre nações, promovendo a paz e a estabilidade em um mundo cada vez mais interconectado. A proposta é ter resultados concretos que falem por si só estabelecendo confiança entre as nações envolvidas.
Dessa forma a China vem desconstruindo as críticas, como a falsa “armadilha da dívida”, que destoam da realidade vivida por países africanos, demonstrada pela professora e pesquisadora Deborah Bräutigam, da universidade Johns Hopikins, em sua vasta pesquisa na área, que produziu o livro de grande referência “Presente do Dragão: a real história da China na África”, onde relata uma positiva presença e impacto na realidade do continente.
Com os ataques a ICR vai ficando claro como a Nova Rota da Seda promove a reforma da governança global, promovendo transformações e tornando as instituições internacionais mais representativas e equitativas, ao fortalecer as condições de desenvolvimento das nações.
Diplomacia chinesa
Essa conquista é resultado do acúmulo deixado pela Conferência de Bandungue, que almejava um futuro com uma nova força política global (terceiro mundo), para a promoção da cooperação econômica e cultura afro-asiática, como forma de oposição ao neocolonialismo.
Não obstante, a primeira viagem internacional do oresidente chinês Xi Jinping foi à Tanzânia, e levou a público a proposta da nova rota da seda pela primeira vez durante as suas visitas à Ásia Central e Sudeste Asiático (setembro e outubro de 2013).
A partir dessa viagem a China assume o comprometimento em desempenhar um papel ativo na transformação das instituições internacionais para torná-las mais representativas e equitativas. Essa iniciativa continua a moldar o cenário internacional de maneiras profundas e significativas.
O gigante asiático demonstra que a diplomacia pode ser guiada por valores que transcendem o interesse próprio e que a cooperação global é a chave para enfrentar desafios compartilhados, como o imperialismo.
O resultado final do imperialismo, que alguns chamariam de armadilha de Tucídides, são as nações ricas atrasando a sua crise final, mantendo as nações mais pobres subdesenvolvidas e profundamente endividadas e dependentes delas para bens manufaturados, empregos e recursos financeiros.
A Itália, em março de 2019 assinou o memorando de entendimento com a China, sendo o único país membro do G7 a fazer parte do ICR. Decisão tomada única e exclusivamente buscando benefícios econômicos, como o de fortalecer o Porto de Trieste.
Em 2022, o volume comercial China-Itália atingiu US$ 77,88 mil milhões, representando um aumento anual de 5,4% e estabelecendo um novo recorde histórico. Mesmo assim pelo ocidente esse gesto foi visto como movimento político para se aproximar do Oriente.
Recentemente, o presidente dos EUA, Joe Biden, iniciou uma pressão política para que a Itália se reaproxime do Ocidente e da Otan. Os EUA ainda tentando se contrapor ao projeto chinês, em 2020 propôs o “Build Back Better Plan”, que nunca decolou e se desmembrou, e sumiu do palco internacional.
O Brasil, bem como os demais países latino-americanos, ao aderir à Iniciativa Cinturão e Rota pode desenvolver a expansão das relações comerciais com a China, o acesso a financiamento para projetos de infraestrutura, também, atrair investimentos de longo prazo, capital para a cadeia produtiva, construindo indústrias e fábricas e com a possibilidade de exportar mais produtos para o mercado chinês.
No entanto, qualquer envolvimento nesta iniciativa dever ser cuidadosamente avaliado em termos de interesse nacional, sustentabilidade ambiental e questões de soberania. Lembrando que a Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível), por mais que garanta canal especial e benefícios, não da acesso aos mesmos recursos, condições e dinâmica econômica oferecidos pelo ICB.
Livro da FGV
A Iniciativa Cinturão e Rota completa 10 anos e o Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio lançou uma obra com o titulo “A China e a Iniciativa Cinturão e Rota Percepções do Brasil”.
Este livro foi organizado pelos especialistas em China, os professores Evandro de M. Carvalho, Daniel Veras e Pedro Steenhagen que foram pesquisadores do Núcleo e têm experiências de vida na China. A obra contém 640 páginas que reúne artigos de diferentes autores.
Convido à leitura do livro, em especial a página 335; Parte III: A nova Rota da Seda e seu potencial sustentável - Da China para o mundo: eficiência energética, comercial e ambiental pelas novas Rotas da Seda, que complementa esse artigo.
Observando esses dez anos vemos com otimismo o futuro que a Iniciativa Cinturão e Rota oferece. Todos podem e devem colher os frutos da paz, da prosperidade através de uma compreensão de que o futuro é compartilhado, conectado, inclusivo e cooperativo.
Com base em novos pilares para sustentar as relações globais, há um novo paradigma por transformar a cooperação internacional e garantir a fluidez do mercado, através da Iniciativa Cinturão e Rota, fica claro que se trata de trilhos para a riqueza seguir fluindo mundo a fora. O caminho não será fácil, até porque a caravana passa assim como o tempo.
* José Renato Peneluppí Jr é advogado radicado na China desde 2010. É especialista em Administração Pública Chinesa e associado ao Centro para China e Globalização (CCG).
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum