A Rota da Seda foi uma rede de comércio entre China, partes da África e Europa que foi iniciada durante o século II, na Dinastia Hang (206 a.C- 210 d.C), e se manteve ativa até meados do século XV, no período da Dinastia Ming (1368-1644). A seda era apenas uma entre várias mercadorias. Não havia apenas um trajeto, mas diversos, terrestres e marítimos, ao norte e ao sul, através das estepes, desertos, montanhas e mares para conectar desde a costa chinesa do Pacífico às costas atlânticas da Europa e da África; da Escandinávia ao Oceano Índico.
A intrincada rede comercial que funcionou ao longo de mais de dez séculos foi retratada pelo comerciante, explorador e escritor veneziano Marco Polo, que percorreu a Ásia pela Rota da Seda entre 1271 e 1295. As aventuras dele foram registradas em 'As Viagens de Marco Polo', que pela primeira vez descreveu para os europeus a então misteriosa cultura chinesa e o funcionamento interno do mundo oriental. O livro mostrava a riqueza e a magnitude do Império Mongol e da China na Dinastia Yuan (1271-1368) e ofereceu uma primeira visão abrangente da China, Pérsia, Índia, Japão e outras cidades asiáticas e países.
Séculos mais tarde, a milenar civilização chinesa iniciou um novo capítulo da sua história e encerrou a era dos imperadores com o ocaso da Dinastia Qin (1644-1912) e a fundação da República da China, em 1912. O período republicano foi marcado por grandes convulsões políticas e sociais e precedeu a Guerra de Libertação ou Revolução de 1949, que sob o comando do Partido Comunista da China (PCCh), liderado por Mao Zedong, estabeleceu a República Popular da China. Desde 2013 o país é presidido por Xi Jinping.
O atual líder chinês foi o responsável por lançar, em 2013, a proposta da Nova Rota da Seda, também chamada de "Iniciativa Cinturão e Rota da Seda" (BRI, da sigla em inglês). O projeto envolve a construção de redes de infraestrutura, como ferrovias, rodovias, oleodutos e gasodutos, sistemas de telecomunicação e portos. É dividido em duas rotas interconectadas: um cinturão terrestre, que inclui os países fronteiriços com a China e uma rota marítima que conecta os portos chineses com a costa africana, o Canal de Suez e o Mediterrâneo.
O resgate da milenar rota comercial tem o propósito de impulsionar a comunidade global para a cooperação regional a partir das raízes históricas e culturais chinesas. A partir da ideia central da política chinesa de ganha-ganha, que garante benefícios tanto para a China quanto para os países parceiros, na busca pelo desenvolvimento.
Por essa razão, mesmo que o elemento principal seja a construção de infraestrutura, a iniciativa tem cinco áreas de cooperação: coordenação política, conexão de infraestrutura, facilitação do comércio, integração financeira e vínculo entre pessoas.
Além disso, a Nova Rota da Seda expandiu geograficamente com a inclusão da Rota Polar, para conectar a China à Europa pelo Oceano Ártico, e o convite aos países da América Latina para participar do projeto, inclusive o Brasil.
Nova Rota da Seda na prática
Para compreender como funciona a iniciativa BRI na prática, um bom exemplo é a atuação da indústria de laticínios Mengniu. Fundada em 1999, a empresa está sediada em Hohhot, na Região Autônoma da Mongólia Interior, norte da China.
Ao longo de 20 anos, a taxa de crescimento de vendas da empresa cresceu mais de 1.600 vezes e transformou a Mengniu na marca de laticínios que mais cresce na China. Para além do mercado interno, parte da explicação do sucesso dessa indústria foi o processo de internacionalização, que seguiu de perto a política da Nova Rota da Seda.
A adesão à iniciativa do governo chinês acelerou o ritmo de ascensão da Mengniu e seu processo de internacionalização. Passou de uma empresa com venda de produtos lácteos no exterior a pioneira do mercado chinês em desenvolver todo o layout da cadeia industrial no exterior, com a construção de fábricas, realização de fusões e aquisições.
A Mengniu segue à risca o apontamento do presidente chinês: "para que a economia se desenvolva, é preciso ousar nadar no vasto oceano do mercado mundial". A indústria de laticínios adota a estratégia de globalização desde a fundação e avança no estabelecimento de toda a cadeia produtiva para conquistar vantagens no mercado e promover efeitos sociais positivos que sirvam de exemplo para outras empresas chinesas se tornarem globais.
A empresa conta com 41 bases de produção na China e bases de produção no exterior na Nova Zelândia, Indonésia e Austrália, com um total de 68 fábricas em todo o mundo, com uma capacidade de produção anual total de mais de 10 milhões de toneladas. Tem sido feito um esforço para integrar recursos de alta qualidade com investimentos estratégicos em três grandes grupos de criação de animais, Fuyuan International, Modern Dairy e Shengmu Hi-Tech.
Atualmente, a empresa é abastecida por mais de mil fazendas cooperativas na China, com um recebimento médio diário de leite de mais de 18 mil toneladas, e 100% do leite fresco cru vem de pastagens intensivas e em larga escala. Ao mesmo tempo, a Mengniu tem implantado ativamente fontes de leite de alta qualidade no exterior. Na Austrália, tem a Burra Foods, processadora de leite cru, e a Bellamy’s, fabricante de alimentos orgânicos para bebês.
A empresa conta ainda com centros multinacionais de pesquisa e desenvolvimento na América do Norte e na Europa e cooperou estrategicamente com muitas instituições de pesquisa científica bem conhecidas em casa e no exterior para realizar pesquisas conjuntas nas áreas de plantio, reprodução e processamento de forragem, ciência básica de laticínios e produtos inovação.
Outra área na qual a indústria de laticínios chinesa investe pesado e no espírito da Nova Rota da Seda é em marketing. Na área esportiva, por exemplo, é patrocinadora global oficial da Copa do Mundo FIFA 2022, no Quatar. Dois grandes jogadores de seleções nacionais, o argentino Lionel Messi e o francês Kylian Mbappé, são porta-vozes globais da marca. Também é parceira oficial da Associação Chinesa de Futebol, que equivale à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no Brasil, e da associação que reúne os times de futebol profissional chineses, a Chinese Super League (CSl, da sigla em inglês).
A marca da gigante chinesa frequenta até o espaço e é parceira estratégica da indústria aeroespacial da China. Em março deste ano, foi a fornecedora de produtos para a reunião dos líderes do Brics realizada em Xiamen. Além de ser a parceira oficial de laticínios do Resort Disney em Xangai e do Resort da Universal em Pequim.
Em 2004, a Mengniu foi listada na bolsa de valores de Hong Kong. Em 2014, tornou-se a primeira empresa de laticínios chinesa a ser selecionada como uma ação constituinte do Índice Hang Seng, o principal indicador do desempenho geral do mercado de Hong Kong.
Em 2020, passou a figurar como ação constituinte do Índice de Sustentabilidade Empresarial Hang Seng (HSSUS) e do Índice Hang Seng ESG50 e ficou entre as 30 principais ações de Hong Kong em termos de desempenho de desenvolvimento sustentável. Também foi reconhecida pelo mercado de capitais como uma das empresas mais destacadas no desenvolvimento sustentável das ações de Hong Kong.
Atualmente, os maiores acionistas da empresa chinesa são a COFCO, holding estatal chinesa de processamento de alimentos que detém 16,3%; a Danone, multinacional francesa de produtos alimentícios, com 9,9%; e a Arla Foods, cooperativa multinacional dinamarquesa-sueca, com 5,3%.
Apesar da massiva participação no mercado de capitais, a Mengniu deixa às claras a forte presença estatal na composição acionária da empresa. Em uma das plantas da empresa, localizada no distrito de Tongzhou, em Beijing, um dos corredores da unidade é tomado por bandeiras vermelhas do Partido Comunista Chinês (PCCh) que revelam que ao longo do caminho traçado pela Nova Rota da Seda a cor que predomina é a vermelha.