Dia 1º de outubro a República Popular da China celebra 73 anos de fundação. Para compreender essa jornada de sete décadas que transformou uma civilização multimilenar, dinástica e feudalista em um país socialista com características próprias e a segunda economia do mundo, é preciso, primeiro, compreender a história do Partido Comunista da China (PCCh), que no dia 16 de outubro realizará o seu 20º Congresso Nacional. Nesta matéria que abre a série especial sobre o PCCh e sobre os 19 Congressos Nacionais, confira os fatos históricos que se desenrolaram ao longo da primeira metade do século XX até a vitória da Revolução de 1949 sob a liderança de Mao Zedong.
Contexto histórico da vitória comunista na China
Ao longo de cinco mil anos a China foi governada por sucessivas dinastias, a última delas foi a Qing, que durou 268 anos (1644-1912). Esse derradeiro império foi marcado por uma série de invasões estrangeiras no século XIX, quatro grandes batalhas que resultaram na entrega de territórios e concessões aos estrangeiros. Entre 1839 e 1860 ocorreram duas Guerras do Ópio; em 1894 e 1895, a Guerra Sino-Japonesa; e em 1904 e 1905 a Guerra Russo-Japonesa.
Nas Guerras do Ópio, a China perdeu parte de Hong Kong e foi obrigada a abrir os portos para o comércio internacional. Os ingleses também exigiram livre circulação no território chinês. Para os japoneses, os chineses perderam a Manchúria e Taiwan. A falta desses territórios foi decisiva para a perda da soberania sobre a Coreia.
A Guerra Russo-Japonesa também foi um duro golpe contra a China, pois os japoneses exigiam os territórios do Nordeste chinês. Outro evento importante foi a Guerra dos Boxers, em 1899 e 1900, que tinha como objetivo combater a invasão estrangeira no país.
Todos esses eventos alimentaram correntes nacionalistas e estimularam ideias revolucionárias.
Em 1905, o médico Sun Yat-sen fundou o Partido Nacionalista, o Kuomintang, de orientação republicana, que contou com a adesão de políticos liberais, estudantes e militares. Inspirado pelos Três Princípios do Povo – nacionalismo, democracia e sustento do povo – o movimento buscava uma ampla mobilização popular através de um discurso de teor patriótico que exigia a queda da dinastia Qing e a expulsão imediata de todos os estrangeiros que se apossavam das riquezas do país.
O imperador Qing ainda tentou, em 1906, uma reforma constitucional para manter o controle sobre o povo e atuou na modernização das forças armadas e até na descentralização do poder. Só que o declínio da dinastia foi inevitável e, em 1911, a República da China substituiu o império.
Sun foi o primeiro presidente da República da China, sucedido pelo general Yuan Shikai em 1913. Tem início uma ditadura militar com o apoio das potências estrangeiras para salvaguardar os privilégios do regime republicano. A Revolução, que começara como reação ao estrangeiro, termina por significar a consolidação de seus privilégios.
Primeira Guerra Mundial
A eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) agrava os problemas chineses e pulveriza o poder central da República. Nesse período as tradicionais elites rurais se agrupam em torno de chefes militares, os chamados 'senhores da guerra', que deflagram disputas regionais e impõe todo tipo de arbitrariedade ao povo chinês.
Em 1917, a China declarou guerra à Alemanha com o objetivo de angariar apoio das potências imperialistas para que as tropas estrangeiras fossem retiradas e as concessões e territórios devolvidos. Só que o Tratado de Versalhes não prevê nada disso, o que acarreta uma violenta agitação no país e a recusa do acordo. Foi a primeira vez que o proletariado chinês passou a participar do movimento político do país.
Revolução Vermelha e fundação do PCCh
Outro evento que causou profundo impacto na China foi a vitória da Revolução Russa, em 1917, que influenciou na criação do Partido Comunista Chinês (PCCh). Dois anos depois, em 1919, foi deflagrado o Movimento do Quatro de Maio, de caráter anti-imperialista e antifeudal, cultural e político que cresceu de manifestações estudantis em Pequim contra o governo republicano. Esse evento possibilitou a propagação do marxismo-leninismo e a combinação com a prática da revolução chinesa e preparou a ideologia e os dirigentes para a fundação do PCCh, que ocorreu em 1921, em Xangai, em um congresso com apenas 13 delegados.
Primeira Frente Unida
Em 1922, os Tratados das Nove Potências asseguraram o reconhecimento da integridade territorial da China, que, em troca, deveria manter a política de portas abertas. Mas internamento o país enfrentava uma guerra civil perpetrada pelos 'senhores da guerra' que tinha enorme poder nas províncias e controlavam, junto com a elite agrária, cerca de 88% das terras produtivas. Ou seja, eles controlavam o acesso do povo aos alimentos.
Em 1924 o Kuomintang e o PCCh formaram a Primeira Frente Unida para organizar as massas operárias e camponesas para enfrentar os senhores da guerra e reunificar a China na chamada Expedição do Norte, que durou até 1928.
Massacre de Xangai
Em março de 1927, uma rebelião de trabalhadores em Xangai, liderada especialmente por comunistas, permitiu a tomada da cidade. O exército do Kuomintang, sob o comando do Chiang Kai-shek, rompeu com a Primeira Frente Unida de forma violenta.
Incomodado com o protagonismo comunista na Expedição do Norte e dando vazão ao seu anticomunismo, Chiang Kai-shek ordenou o massacre dos comunistas em Xangai e outras cidades que resultou em 300 mortes e cerca de cinco mil desaparecimentos.
Levante comunista
No dia 1º de agosto de 1927, tropas dos adeptos do PCCh, lideradas por Zhou Enlai, rebelaram-se em Nanchang, capital da província de Jiangxi, sudeste do país. Os destacamentos rebeldes formaram os primeiros elementos do Exército da Libertação Popular, também chamado de Exército Vermelho Chinês.
Em 7 de setembro do mesmo ano, Mao Zedong liderou uma revolta de camponeses nas províncias de Hunan, ao sul, e Jiangxi, onde estabeleceu um soviete - colegiados formados por trabalhadores que regulam e organizam a produção material de um determinado território em regime de autogestão. A revolta foi esmagada pelas tropas nacionalistas do Kuomintang, mas o líder conseguiu escapar.
República da China unificada
Em 1928, a Expedição do Norte, sem os comunistas, termina com a tomada de Pequim. A China unificada está sob o governo nacionalista e a capital do país é Nanquim, na província de Jiangsu, ao leste.
O regime republicano do Kuomintang foi reconhecido pela comunidade internacional e passou a ter o apoio da elite agrária, dos senhores da guerra e até da máfia. O líder, Chiang Kai-shek, aproximou-se da Alemanha Nazista, que passa a fornece equipamentos militares e instrutores qualificados para fustigar os comunistas que enveredavam na Longa Marcha.
O alinhamento sino-germânico teve vida curta e terminou quando o Japão, aliado preferencial do regime nazista, atacou a China em 1937. Chiang Kai-shek foi em busca de auxílio dos Estados Unidos, interessados em impedir a expansão nipônica no Extremo Oriente.
Guerra nas planícies centrais
Em 1930, a guerra das planícies centrais, travada entre facções do Kuomintang, distrai o exército nacionalista e favorece a organização do Exércio de Libertação Popular pelos comunistas. De novembro de 1930 e janeiro de 1931, o Exército Vermelho chinês resiste às investidas das tropas de Chiang Kai-shek ao sul de Jiangxi e mostra que está equipado e treinado.
República Soviética da China
Em setembro de 1931, o governo chinês estava desestabilizado pela invasão japonesa da Manchúria. Os comunistas aproveitaram a oportunidade para reforçar a sua organização e, em 7 de novembro de 1931, os territórios descontínuos das regiões comunistas são oficialmente unidos sob a autoridade da República Soviética da China, com Mao Zedong como presidente.
A área sob o controle do PCCh abrangia 30 mil quilômetros quadrados e uma população de 3 milhões de habitantes. Entre 1931 e 1934, as tropas do governo reuniram cerca um milhão de homens para sufocar a experiência comunista, sem sucesso.
As batalhas entre nacionalistas e comunistas aumentaram de intensidade e se prolongaram até 1936. As várias campanhas de cerco e aniquilamento do Exército de Libertação Popular fracassaram.
Longa Marcha
Em outubro de 1934, cerca de 100 mil comunistas tiveram de abandonar a região de Jiangxi. Foi o início de um dos episódios marcantes dessa guerra: a Longa Marcha, uma caminhada de 12 mil quilômetros que atravessou onze províncias e travou combates incessantes sob a liderança de Mao Zedong. O destino final foi a província de Shaanxi, a noroeste do país, onde foi erguido o quartel-general das tropas comunistas.
Segunda Frente Unida
Desde 1931, o Japão ocupava a Manchúria e em 1932 instituiu o Manchukuo como Estado fantoche, governado pelo Imperador Pu Yi, que abdicou em 1912. A atuação de Chiang Kai-shek, que não ofereceu resistência ao invasor, acirrou os ânimos dos comunistas, que continuavam a ser militarmente combatidos pelas tropas nacionalistas. Enquanto isso, Mao Tse-tung distribuía terras aos camponeses e pregava a resistência ao Japão, atraindo as simpatias dos chineses.
O avanço da ocupação nipônica forja a Segunda Frente Unida. Os comunistas, liderados por Mao, e os nacionalistas, por Chiang Kai-shek, assinam um acordo em 22 de setembro de 1937. O PCCh abandonou o projeto de governo revolucionário e renunciou à insurreição contra o governo, que suspendeu as operações anticomunistas.
Reinício da guerra civil
Com o final da Segunda Guerra Mundial, os japoneses foram expulsos do território chinês e as tropas de Chiang Kai-shek, com o apoio bélico dos Estados Unidos, lançaram uma ofensiva contra os comunistas e o conflito armado foi reiniciado.
O Kuomintang era militarmente mais forte nas cidades, enquanto os comunistas tinham maior força nos campos. A estratégia do líder comunista Mao Zedong foi a de cercar as cidades a partir dos campos.
Os comunistas tiveram grande apoio da população pobre que repudiava o exército e o governo nacionalista devido à enorme corrupção e ao mau desempenho durante a guerra contra o Japão.
Revolução de Libertação Popular
Em 1º de outubro de 1949, o Exército de Libertação Popular venceu a guerra civil contra o Exército Nacionalista sob a liderança do PCCh e de Mao Zedong. Nascia a República Popular da China.
Nas próximas matérias desta série, conheça a história das 19 edições do Congresso Nacional do PCCh.