GUERRA

"Os Estados Unidos jamais vão conseguir ocupar o Irã", avalia Daniel Cara

Ao Fórum Onze e Meia, cientista político analisa guerra entre Israel e Irã, ações dos Estados Unidos e posicionamento do Brasil diante desse cenário

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos.Créditos: Flickr The White House
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O Fórum Onze e Meia desta segunda-feira (23) recebeu o professor e cientista político Daniel Cara para analisar o conflito entre Israel e Irã, que escalou para uma guerra envolvendo os Estados Unidos. Neste sábado (21), o presidente Donald Trump atacou três bases nucleares do Irã, em uma ação que foi amplamente condenada pela comunidade internacional. 

Daniel ressaltou que os ataques dos EUA significam uma "quebra total e absoluta" de protocolo e desrespeito às leis internacionais, e que isso deveria ser denunciado e resultar em sanções ao país americano, assim como houve com a Rússia na invasão da Ucrânia. O cientista ainda avaliou que Israel também não tem justificativas para atacar o Irã, e que a guerra é uma forma tanto de Benjamin Netanyahu quanto de Donald Trump de utilizar o Irã como uma base de apoio popular. 

No entanto, o professor avaliou que, em termos de uma guerra, "os Estados Unidos jamais vão conseguir ocupar o Irã" – nem mesmo Israel. "Primeiro que a distância entre Israel e Irã é muito grande e tem países entre eles dois que são países relevantes, ou pelo menos que têm presença internacional relevante", disse. 

Em segundo lugar, o cientista político afirmou que os Estados Unidos não têm a "mínima condição" porque seria necessário mobilizar um efetivo militar capaz de agir contra a população do Irã que chega a cerca de 90 milhões de pessoas. "Precisaria mobilizar um efetivo de 3 a 4 milhões de soldados para poder fazer uma guerra por ocupação. Ele não tem condição disso. Então, na prática, o Trump está fazendo estratégia covarde de tentar debilitar o Irã da forma mais perversa possível", afirmou Daniel Cara. 

O professor ainda alertou que o desejo de Trump de demonstrar ao mundo sua força bélica, na tentativa de voltar a ter protagonismo militar, "tende a dar errado e ter um efeito completamente perverso".

"Se o Estreito for fechado pelo Irã nos próximos dias, e se ficar três dias, em termos de inflação global e de impacto nos preços, vai ser algo extremamente dramático. Então, o Donald Trump brinca com o que não pode brincar. Aliás, ninguém deveria brincar com a vida humana. Mas é essa a 'qualidade' do Donald Trump, essa a 'qualidade' do Netanyahu", disse.

Como fica o Brasil diante da guerra?

Daniel também analisou qual pode ser a situação do Brasil diante da escalada para uma guerra muito maior. O professor ressaltou que "não será nada fácil", e que o país passa por mudanças significativas no meio militar. "Tem uma placa tectônica se movimentando no meio militar brasileiro. Eu diria até que ela está se partindo", avaliou. Ele explicou que o Brasil, em termos do treinamento militar, se submete à liderança dos Estados Unidos global desde a Segunda Guerra Mundial. Assim, o país acredita que os EUA é quem  devem conduzir os processos militares estratégicos. 

No entanto, esse cenário está começando a mudar. Daniel afirmou que desde a ditadura, alguns setores militares já eram contrários a essa predominância dos Estados Unidos. "A verdade é que, a cada dia que passa, o meio militar brasileiro começa a compreender que existe um mundo multipolar que está surgindo e esse mundo multipolar significa que o Brasil tem que ter uma posição mais autônoma em relação aos Estados Unidos, e muitas vezes em posição contrária à posição estadunidense", esclareceu o cientista. 

Diante dessa mudança, ele disse que não dá para prever a posição do Brasil. O professor ainda destacou que acha "muito improvável" que ocorra uma Terceira Guerra Mundial. "Considero aí um risco de 5% ou 10% no máximo. Para se ter uma ideia, acho que a gente está distante desse cenário, mas eclodindo uma guerra mundial – que provavelmente eclodiria em 2026, não seria agora – vai ter todo um cenário internacional que vai pautar também as eleições nacionais aqui no Brasil", alertou. 

Daniel avaliou, no entanto, que hoje o posicionamento do Brasil é "correto" e "exemplar". O país tem decidido pelo "caminho diplomático com palavras fortes", de acordo com o professor, e não tem abdicado de fazer pronunciamentos combativos "doa a quem doer". 

"Quando o Celso Amorim diz que ele está preocupado porque ele nunca viu algo como o que os Estados Unidos fez contra o Irã, e que de fato há risco de uma terceira guerra mundial, ele está pautado na mudança que teve de tom, ainda muito tênue, da diplomacia russa e da diplomacia chinesa em relação a esse conflito", avaliou. 

No entanto, o cientista analisou que, em uma escala de 0 a 10, a Rússia foi de zero a um em relação ao fato de ingressar no conflito. Apesar de ser muito pouco, de acordo com Daniel, o país já está dando sinal de que "não quer, de forma alguma, que os Estados Unidos considerem que qualquer território do mundo pode ser bombardeado". 

"Esse é o recado que precisa ser dado e precisa ser claro esse recado", disse o professor. Ele acrescentou que, de fato, os Estados Unidos acham que podem ocupar ou bombardear qualquer lugar do mundo conforme seus interesses. Apesar da ameaça de bombardeio ser realmente possível, Daniel disse que as ocupações são impossíveis. 

"Ocupar, eu tenho certeza que eles sabem que não conseguem. Eles não têm competência de Exército para isso. Mas bombardear, ou seja, utilizar a Marinha e a Força Aérea dos Estados Unidos para atacar posições estratégicas de outros países, esse é o risco que se tornou agora deflagrado com essa ação completamente arbitrária e criminosa contra o Irã", acrescentou. 

Mundo sabe que não dá para confiar em Trump 

Daniel Cara também falou sobre o apoio da Arábia Saudita ao Irã, o repúdio à ação dos EUA e como isso demonstra que o mundo está sinalizando que não dá para confiar em Donald Trump. O professor afirmou que esse apoio o surpreendeu e que esperava uma posição "mais comedida"  da Arábia Saudita. 

"Não foi forte, mas já não foi comedida. Então, me parece que, na prática, hoje o mundo todo sabe que não dá para confiar no Donald Trump. Eu acho que esse é o ponto fundamental. E o mundo todo está de sobreaviso", afirmou. 

"Porque qualquer desagrado ao Trump pode significar um bombardeio com um B-2, que é um avião extremamente estratégico, dificílimo de ser enfrentado e que só a China hoje, em termos de aeronáutica, tem condição de criar uma disputa com o B2", destacou o professor. 

Derrocada da hegemonia dos Estados Unidos?

O professor também respondeu a um questionamento se teria como deter os Estados Unidos sem uso da força militar. Para ele, "é complexo dizer que a derrocada de um império ou de uma hegemonia flagrante, como é o caso dos EUA, se dá só pelos meios militares. Porém, ele afirmou que ela também não pode prescindir de meios militares.

"Esse é o ponto. É preciso ter derrotas militares para que, de fato, você tenha a conclusão do processo de derrocada de um país hegemônico", disse. No entanto, ele defendeu ser complexo falar sobre uma derrota militar dos Estados Unidos. O professor explicou que da mesma maneira que os Estados Unidos não têm a mínima condição de ocupar a China, a Rússia, o Irã e até mesmo o Brasil, é praticamente impossível outro países fazer uma guerra de ocupação tradicional com os Estados Unidos. "Não tem força militar no mundo capaz de realizar isso", disse o professor. 

"Então, na prática, nós estamos num momento em que existe um equilíbrio real de forças militares. Ainda que os Estados Unidos tenham um investimento muito maior em tecnologia, não têm capacidade desse elemento central, que é o elemento de ocupação", afirmou. 

No entanto, o professor disse que é possível fazer um enfraquecimento de uma hegemonia por meios não militares e, assim, ser possível criar alternativas que ultrapassem as relações comerciais e econômicas com os Estados Unidos. "Eu sempre acho que tudo é possível, só que não é um trabalho de uma geração, é um trabalho de muitas gerações. Eu não vejo isso como algo plausível para os próximos 30 anos. Eu acho que a gente ainda convive muito com esse terror estadunidense", declarou. 

"Agora, o mundo de hoje é um mundo sem previsibilidade. Então, tudo que a gente está conversando aqui é uma tentativa de previsão. O que vai acontecer com o mundo é impossível cravar, porque ainda tem forças que não estão completamente mobilizadas ou elementos que vão desequilibrar gravemente o jogo de poder. A inteligência artificial é sem dúvida um deles", finalizou Daniel Cara. 

Confira a entrevista completa de Daniel Cara ao Fórum Onze e Meia

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