A partir da zero hora de quinta-feira, 10 de abril, a China vai cobrar tarifas de 84% sobre os produtos importados dos Estados Unidos, em resposta ao acúmulo de 104% em tarifas contra produtos chineses impostas por Donald Trump.
A gigantesca relação comercial entre os dois países, que foi de quase U$ 600 bilhões em 2024, está ruindo aos poucos.
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Parte disso é planejado ao menos desde o governo Obama, quando ganhou tração nos EUA o projeto de "desacoplar" as duas economias, desmantelando algo que começou depois da visita de Richard Nixon a Mao Zedong, em 1972: o abundante capital estadunidense se juntou, então, à mão-de-obra barata de milhões de chineses que migraram do campo para a cidade.
Temerosa de um mega mercado asiático comandado pela China, a elite dos EUA empurrou Obama para a "pirueta" diplomática que tinha como objetivo principal bloquear os chineses em seu próprio campo, na Ásia.
A atual crise pode ser aliviada eventualmente por negociações comerciais, como já se viu no passado.
Porém, o cenário antevisto por Trump e assessores é de afastamento de longo prazo das duas economias: transformar um casamento de mais de 50 anos em um namoro eventual.
É possível deduzir isso da "qualidade" das sanções aplicadas entre Washington e Beijing.
Muito antes do tarifaço de Trump, os Estados Unidos já sancionavam a transferência de alta tecnologia para a China -- e vice-versa. Washington tentou afundar a gigante chinesa Huawei e mais recentemente votou para banir o Tik Tok -- nos dois casos, temendo concorrência tecnológica.
A guerra da blusinha e a resposta
Agora, na surdina, Trump está atacando as blusinhas da Shein e os produtos baratos da Temu.
Começando em maio, os EUA devem taxar em 90% os pacotes enviados de Hong Kong e da China continental com valores inferiores a 800 dólares.
Em 2024, cerca de 1,3 bilhão de pacotes considerados isentos entraram nos EUA, vindos especialmente da China.
Em resposta, a China também bate onde dói.
Limitou ou proibiu a exportação das chamadas terras raras, além de vários minerais utilizados pela indústria de ponta dos Estados Unidos, como o tungstênio.
Depois de aplicar sanções específicas contra empresas ligadas à Defesa, agora os chineses partiram para cima da PVH, empresa controladora de duas marcas muito populares no mundo que tiram proveito do parque industrial chinês: Calvin Klein e Tommy Hilfiger.
Brasil tira proveito da guerra comercial
Em 2024, a China teve um saldo comercial de quase U$ 300 bi com os EUA. Trump pretende acabar ou reduzir o déficit, mas o consumidor estadunidense é o principal beneficiário dos preços baratos.
Além disso, Beijing mira no que pode ser um calcanhar-de-aquiles de Trump.
Depois do Brasil, os EUA são os maiores exportadores de soja do planeta. O grão sustenta mais de 500 mil produtores, espalhados por estados em que os eleitores ajudaram a colocar Trump de volta na Casa Branca.
A soja rende mais para os EUA que os PIBs do Quênia ou da Bulgária.
Neste caso, os chineses não estão atirando no próprio pé, um risco recorrente das guerras comerciais: desde 2017, a China compra mais e mais soja do Brasil. Os produtores brasileiros já são responsáveis por abastecer 50% do mercado chinês, porcentagem que pode crescer.
Ainda é cedo para dizer qual será o desfecho da atual guerra comercial. No que tange às relações entre EUA e China, no entanto, há um pano de fundo de enfrentamento permanente, que reflete um império em decadência relativa tentando frear a ascensão daquele que já foi um parceiro.
Não por acaso, o presidente Lula aceitou o convite para participar dos festejos do 9 de Maio em Moscou. Será a festa dos 80 anos do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial, uma data especial no calendário da Rússia. Xi Jinping já confirmou sua presença.
Mesmo sem descer do muro quanto aos EUA, a diplomacia brasileira compreendeu o óbvio, que o futuro está na Ásia.