A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) foi fechada pelo governo de Donald Trump após uma recomendação de Elon Musk, secretário de "eficiência governamental dos EUA".
A medida foi celebrada por países inimigos dos EUA, como Rússia e Venezuela, e também por algumas figuras da extrema-direita, que acreditam que a entidade seria uma espécie de braço da "agenda woke" ao redor do planeta.
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Mas qual o real papel da USAID?
Oficialmente, a entidade busca financiar projetos que fortaleçam os valores pró-EUA e pró-Ocidente ao redor do mundo, além de oferecer ajuda humanitária para nações em desenvolvimento ou fragilizadas por tragédias.
Ao longo dos anos, a USAID, fundada em 1961, acabou servindo como um instrumento de soft power do governo dos EUA para promover o seu papel como maior potência do planeta.
No papel, ao apoiar ações humanitárias, os EUA fortaleceriam sua visão frente a países fragilizados economicamente e, simultaneamente, haveria mais capacidade de ação política dentro desses países.
Mas, na prática, a agência financiou em diversas ocasiões organizações não-governamentais e grupos de oposição a regimes inimigos.
A entidade seria uma espécie de testa de ferro para objetivos do Departamento de Estado dos EUA, viabilizando e consolidando golpes de Estado, em especial nos países do terceiro mundo.
O papel da USAID no Brasil
Durante a ditadura militar no Brasil, a USAID intensificou sua colaboração com as forças de repressão. A entidade financiou reformas educacionais através dos acordos MEC-USAID, aumentando o papel dos EUA na educação do regime, o que incendiou o país com protestos em 1968.
Seu programa de segurança pública, ativo entre 1960 e 1972, treinou milhares de policiais brasileiros. Documentos indicam que policiais treinados pela USAID participaram da repressão política, embora os EUA tenham negado envolvimento direto em torturas.
Em Venezuela e Cuba
Documentos da Wikileaks revelaram que, entre 2004 e 2006, a USAID financiou a oposição na Venezuela para tentar um golpe contra Hugo Chávez.
A doação de 15 milhões de dólares para diferentes organizações civis na Venezuela teve como objetivo rachar o chavismo e reorganizar a oposição contra o bolivarianismo no país. Em 2014, a USAID apoiou uma operação secreta para tentar derrubar o governo de Cuba através da operação de uma rede social falsa na ilha, que visava incendiar o país através de uma "primavera cubana". O projeto durou cinco anos.
Ucrânia e Zimbábue
Em 2014, a USAID e a National Endowment for Democracy investiram dinheiro em grupos de oposição e meios de comunicação na Ucrânia, que fomentaram o Euromaidan, movimento político que abriu caminho para a "ocidentalização do país" e a consequente tentativa de entrada de Kiev na OTAN, o que acabou sendo o estopim para a guerra na Ucrânia.
Em 2018, os Estados Unidos admitiram que desperdiçaram fundos em um “projeto” de organizações quase políticas da sociedade civil que financiaram para promover “atividades democráticas” no Zimbábue. O país é governado, desde sua independência, por grupos de esquerda ligados a Robert Mugabe, que libertou o país do colonialismo e liderou uma frente de esquerda até 2017.
Mudança política
O envolvimento da USAID em diversos movimentos golpistas contra governos anti-imperialistas e de esquerda ao redor do mundo ocorreu de maneira inquestionável desde sua fundação nos anos 1960. E isso serviu, de maneira muito plausível, tanto a governos republicanos – como o próprio governo Trump em seu primeiro mandato – quanto a democratas.
Contudo, nos anos recentes, a USAID passou a investir em projetos de Diversidade, Equidade e Inclusão, além de outras iniciativas de mídia e imprensa que, simultaneamente, além de pautar os chamados "valores americanos" no âmbito político, também promoviam questões como feminismo, igualdade e diversidade sexual, apropriando-se de pautas usualmente ligadas à esquerda para tentar promover mudanças de regime contra inimigos de perfil político mais conservador.
Um exemplo é a Sérvia. Mais de US$ 1,5 milhão de dólares foram destinados ao país balcânico para apoiar esse tipo de medida nas empresas. Curiosamente, a Sérvia é um dos países onde a disputa entre Rússia e Ocidente ocorre de maneira mais aberta no cenário político, com uma tendência histórica a se alinhar com Moscou em diversas questões políticas.
Essas medidas no âmbito dos chamados "valores" acabaram se tornando o alvo da extrema-direita, que enxerga que o papel da agência não é financiar a "agenda woke".
É por isso que, apesar de fechada, a agência estaria sob processo de "reorganização", segundo o próprio secretário de Estado dos EUA, o chanceler Marco Rubio. A USAID cumpre um papel fundamental na agenda dos EUA para seus interesses ao redor do mundo, mas uma repaginada em suas propostas era, inclusive, uma das medidas defendidas pelo Projeto 2025, um documento extraoficial da instituição de extrema-direita Heritage Foundation, que propunha uma reorganização à direita da entidade. Uma das medidas defendidas pelo projeto, que pode ser colocada em prática pelo governo de Donald Trump, é um direcionamento para entidades de extrema-direita ao redor do planeta, inclusive para apoio a políticos alinhados ao novo regime de Washington, como Javier Milei, Daniel Noboa e Jair Bolsonaro.