A Purdue Pharma e a família Sackler, que controlava a empresa e esteve no centro da crise dos opioides nos Estados Unidos, concordaram em pagar até US$ 7,4 bilhões para encerrar processos judiciais relacionados ao OxyContin, o potente analgésico opioide apontado como um dos grandes responsáveis pela epidemia de overdose no país.
O novo acordo representa um acréscimo de US$ 1 bilhão em relação ao plano anterior, rejeitado pela Suprema Corte dos EUA em 2024. Segundo a Associated Press e a Reuters, a família Sackler pagará até US$ 6,5 bilhões, enquanto a Purdue Pharma contribuirá com US$ 900 milhões.
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A indenização será distribuída ao longo de 15 anos e financiará tratamentos para dependentes químicos e programas de prevenção da epidemia de opioides. O acordo, porém, ainda precisa ser aprovado pela Justiça e está previsto para ser anunciado no próximo dia 7 de fevereiro.
Impunidade bilionária: fortuna protegida e nenhuma prisão
Apesar do valor bilionário, críticos apontam que nenhum membro da família Sackler enfrentará sanções criminais. Documentos judiciais revelaram que os Sackler retiraram US$ 11 bilhões da Purdue Pharma antes da falência da empresa, transferindo parte dos valores para contas no exterior, dificultando sua recuperação.
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O procurador-geral de Connecticut, William Tong, criticou a decisão:
"Não se trata apenas do dinheiro. Não há dinheiro suficiente no mundo para reparar o que foi feito."
O acordo também protege a família Sackler de novos processos em algumas instâncias, embora não conceda imunidade total.
A Purdue Pharma, por sua vez, afirmou em comunicado oficial que o acordo representa um avanço na luta contra os opioides:
"Estamos extremamente satisfeitos que um novo acordo foi alcançado para compensar vítimas, conter a crise dos opioides e fornecer tratamentos e medicamentos que salvam vidas."
Epidemia de Opioides e o papel da Purdue Pharma
Desde os anos 1990, a Purdue Pharma promoveu agressivamente o OxyContin, alegando que o medicamento era seguro e pouco viciante — uma afirmação posteriormente desmentida por pesquisas científicas e processos judiciais.
Médicos passaram a receitar indiscriminadamente o analgésico, levando a um crescimento explosivo da dependência química e abrindo caminho para drogas ainda mais letais, como heroína e fentanil.
A crise dos opioides já causou mais de 500 mil mortes por overdose nos EUA desde 1999, devastando comunidades inteiras e sobrecarregando o sistema de saúde e segurança pública.
Kara Trainor, que ficou dependente do OxyContin após tratar uma lesão nas costas e está em recuperação há 17 anos, destacou à Associated Press:
"Minha vida inteira foi moldada por uma empresa que colocou o lucro acima da vida humana."
Foco na China
Enquanto a família Sackler escapa de punição criminal, os EUA têm culpado a China pela crise dos opioides, alegando que laboratórios chineses produzem precursores do fentanil, que são traficados para os EUA. Como parte dessa ofensiva, o governo Trump impôs tarifas de 10% sobre produtos chineses, argumentando que Pequim não faz o suficiente para conter o fluxo da substância.
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Contudo, essa narrativa ignora o fato de que o fentanil foi originalmente desenvolvido por empresas farmacêuticas dos EUA e prescrito legalmente por décadas antes de se tornar uma droga amplamente abusada.
Sackler e a filantropia
Por anos, a família Sackler usou sua fortuna para financiar museus e universidades ao redor do mundo. No entanto, com o aumento do escrutínio público, muitas dessas instituições removeram o nome da família de suas instalações, incluindo:
- Museu do Louvre (França) – Removeu o nome "Sackler" de sua ala de Antiguidades Orientais em 2019.
- Metropolitan Museum of Art (EUA) – Retirou o nome "Sackler Wing" em 2021.
- Museu Britânico (Reino Unido) – Renomeou salas anteriormente dedicadas à família em 2022.
- Tate Modern (Reino Unido) – Recusou novas doações da família Sackler e removeu seu nome em 2019.
- Museu Guggenheim (EUA) – Retirou o nome Sackler de suas galerias em 2022.
- Universidade de Harvard (EUA) – Debate a remoção do nome "Arthur M. Sackler Museum".
Um acordo que alivia, mas não pune
O acordo bilionário da Purdue Pharma e da família Sackler é um marco na luta contra a crise dos opioides, garantindo recursos para tratamento e prevenção.
No entanto, especialistas apontam que ele não responsabiliza plenamente os verdadeiros culpados, permitindo que os Sackler preservem grande parte de sua fortuna e evitem sanções criminais.
Enquanto isso, os EUA continuam a buscar culpados externos, usando a China como bode expiatório para um problema que foi amplificado por negligência regulatória e pela influência política da indústria farmacêutica.
Sem medidas mais rígidas contra grandes corporações e sem uma fiscalização mais eficaz, a crise dos opioides continuará a devastar comunidades, enquanto os verdadeiros responsáveis escapam da justiça.
Quem são os Sackler e por onde andam?
A família Sackler tem suas raízes na imigração judaica nos Estados Unidos. Os irmãos Arthur, Mortimer e Raymond Sackler nasceram em Nova York no início do século 20 e se tornaram médicos e empresários de sucesso.
Arthur, o mais velho, foi pioneiro no marketing farmacêutico e desenvolveu campanhas publicitárias inovadoras para promover medicamentos, incluindo o tranquilizante Valium, ajudando a transformar a indústria farmacêutica moderna.
Nos anos 1950, os irmãos compraram a Purdue Frederick, uma pequena empresa farmacêutica. Em 1991, já sob o controle das novas gerações da família, a empresa foi rebatizada como Purdue Pharma, dando início a uma nova era de crescimento impulsionada pelo lançamento do OxyContin, um poderoso analgésico opioide que se tornaria o epicentro da crise dos opioides nos EUA.
Atualmente, os membros da família Sackler vivem de forma discreta, longe dos holofotes. Muitos deles residem nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas evitam aparições públicas devido ao intenso escrutínio midiático.
Embora tenham perdido o controle da Purdue Pharma, sua riqueza pessoal permanece intacta, e eles continuam a enfrentar processos legais e pedidos de responsabilização pública.
Impunidade de Bilionários
A história da família Sackler é um retrato do poder e da impunidade no setor farmacêutico. Mesmo após contribuírem diretamente para uma das maiores crises de saúde pública dos EUA, eles continuam bilionários e livres de punições criminais.
Enquanto isso, os Estados Unidos continuam a direcionar sua narrativa sobre a crise dos opioides para a China, acusando o país de facilitar o tráfico de fentanil — uma tentativa de desviar a atenção da responsabilidade doméstica de corporações farmacêuticas e do lobby que permitiu a disseminação indiscriminada dos opioides prescritos.
A crise dos opioides segue como um dos maiores desafios da saúde pública americana, enquanto a família Sackler, mesmo envolvida diretamente em seu agravamento, continua a escapar de uma responsabilização à altura do dano causado.
Com informações da BBC, AP e Reuters.