Realizada desde 1963, a Conferência de Segurança de Munique é o maior evento independente sobre segurança e defesa do mundo. Organizada anualmente, a conferência possibilita diálogos mais abertos do que os comumente vistos em outros espaços que debatem os mesmos temas.
Com a participação de políticos, representantes de governos, investidores, empresários e especialistas dos setores de segurança e defesa, o debate deste ano acontece em um contexto de uma crescente corrida armamentista – a maior desde a 2ª Guerra Mundial.
Nesta edição, o evento conta com cerca de 60 chefes de Estado e 150 ministros. Dentre os nomes de maior destaque esperados estão o secretário-geral da OTAN, Mark Rutte; a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen; o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky; o vice-presidente estadunidense, JD Vance; o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio; o presidente francês, Emmanuel Macron; o premiê britânico, Keir Starmer; e o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier.
Com uma série de conflitos abertos no mundo, como os que envolvem Israel no Oriente Médio e a China no Leste Asiático, o centro das atenções do evento está voltado para a proposta de abertura de negociações de paz na guerra entre Ucrânia e Rússia.
Reeleito com a promessa de acabar com a guerra, Trump vem pressionando seus parceiros europeus da OTAN para aumentarem suas tropas na Ucrânia. Ao mesmo tempo, condicionou a manutenção da ajuda estadunidense aos ucranianos à aquisição de minerais estratégicos.
Alguns dias antes, representantes de peso do governo Trump, como o chefe do Pentágono, já haviam assumido a possibilidade de ceder territórios ocupados por Putin. Segundo fontes, as negociações de paz devem iniciar em breve, possivelmente sendo realizadas na Arábia Saudita.
A escalada de conflitos, com a presença das três grandes potências militares mundiais (EUA, China e Rússia), de forma direta e/ou indireta, a crescente expansão da OTAN no Leste Europeu, o aumento dos gastos militares não apenas entre essas três potências e os membros da OTAN, mas também entre os países dos BRICS, e a agressividade política de Donald Trump são elementos de preocupação geral no evento.
A atual tendência de aumento nos gastos militares, frequentemente e explicitamente estimulada por Trump, agrada investidores e empresários do setor, movimentando uma indústria bilionária pelo mundo. Isso impulsiona maiores orçamentos, esforços de modernização de armas, o desenvolvimento de novas tecnologias militares (drones, guerra cibernética, inteligência artificial) e novos arranjos coletivos.
No entanto, a riqueza envolvida na indústria de armamentos gera pressão e tensão em todo o mundo. Mais do que isso, o papel dos EUA e os arroubos de Trump sob o slogan “America First” colocam aliados como o Canadá e a União Europeia em um estado de desconfiança a longo prazo, especialmente diante de ameaças relacionadas à tomada de territórios e interferências em processos eleitorais.
Nesse sentido, o relatório divulgado pela conferência indica uma ordem multipolar questionada e o comprometimento com organizações e leis internacionais ameaçado pelas grandes potências – que deveriam ser as primeiras a resguardar a estabilidade. As preocupações recaem sobre conflitos internacionais, polarizações nacionais e temas como o controle de recursos naturais e ambientais.
No documento publicado pela organização da conferência, além dos EUA, da UE e do Japão, há capítulos específicos sobre os cinco países que originalmente lideraram o grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os principais pontos do relatório giram em torno da crescente polarização global.
O retorno de Donald Trump e sua visão pessoal sobre os consensos gerados no período pós-II Guerra Mundial indicam um fator de conflito potencial no futuro próximo, já que, segundo ele, os EUA estariam em declínio e sendo prejudicados comercial e militarmente por seus próprios aliados. Nesse sentido, a ordem internacional de perfil liberal passa a ser um incômodo para a perspectiva iliberal de Trump.
Com isso, europeus e japoneses, beneficiados historicamente pela defesa dos EUA, também viram suas estruturas de cooperação econômica e de segurança, bem como seus valores, serem cada vez mais questionados. Isso gerou uma verdadeira inflexão nas políticas de segurança e defesa desses países, com vultosos investimentos nos últimos anos e o rearmamento do Japão.
Por outro lado, alinhados, porém com visões distintas entre si, estão os países dos BRICS, liderados por uma aliança inédita (não vista na primeira fase da Guerra Fria) entre China e Rússia.
Essas nações, além de serem potências econômicas em franco desenvolvimento, defendem uma ordem internacional mais justa e que respeite seus polos de influência regionais frente à hegemonia dos EUA.
Esse é o caso do conflito entre Ucrânia e Rússia, em que os russos questionam a expansão da OTAN em suas fronteiras, e também das reivindicações chinesas sobre Taiwan e o Mar do Sul da China.
Sem a capacidade militar da Rússia e da China, Índia, Brasil e África do Sul – segundo o documento – também reivindicam seus papéis como atores no cenário multipolar. Como lideranças do chamado Sul Global, esses países são vistos como não alinhados ou como intermediadores entre Ocidente e Oriente.
No capítulo destinado ao Brasil, o país é descrito como uma potência econômica crescente e uma voz importante para o realinhamento da ordem multipolar, mantendo diálogo aberto com EUA, China, Rússia, UE e outros países. Além disso, é reconhecido por ter a maior força militar da América Latina e imensas riquezas naturais, sendo um ator de peso nos debates sobre fome, energia e clima. O relatório vê o Brasil de forma positiva após a eleição de Lula, mas aponta que a enorme polarização política interna representa uma ameaça ao crescente protagonismo do país.
A conferência teve início nesta quinta-feira (13), ao mesmo tempo em que um afegão, solicitante de silo na Alemanha, cometia um atentado, atropelando manifestantes do sindicato de trabalhadores de serviços e comércio Verdi, causando uma morte e deixando cerca de 30 feridos, nas imediações do evento.
A expectativa final do Conferência de Segurança é que haja um anúncio oficial da abertura de negociações de paz entre ucranianos e russos.