Em entrevista ao Fórum Onze e Meia desta quinta-feira (13), o historiador e especialista em História Militar João Cláudio Pitillo fez análises das últimas atualizações sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia motivadas pela interferência de Donald Trump nas negociações pelo fim do conflito.
Pitillo pontuou que Trump assume um "papel importantíssimo" na questão do fim da guerra na Ucrânia, porém, o presidente dos Estados Unidos tem outros interesses por trás da resolução do conflito, que estão distantes do desejo de paz. "É uma questão muito mais pragmática e interna para Donald Trump", diz o historiador. Pitillo afirma que o presidente sempre fez uma campanha muito crítica às guerras desde o seu primeiro governo, mas essa postura se deve a Trump ter aprendido que é possível "fazer tudo aquilo que se fazia com as armas a partir da manipulação midiática". "Trump é um produto da internet", declara Pitillo.
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O historiador explica que o presidente dos EUA é uma figura que vai na "contramão do deep state estadunidense". "[Ele] nunca foi aceito por esse setor. Um cara bronco, ignorante, fascista demais para essa turma cheirosa dos democratas. Então, o Trump tem essa marca da sua campanha e o retorno dele é para fazer justamente o contrário daquilo que os democratas estavam fazendo", esclarece Pitillo.
Em relação à guerra na Ucrânia, o historiador afirma que o conflito virou um "escoador de dinheiro estadunidense no momento onde a economia ia muito mal". Desse modo, o discurso de Trump se tornou "muito fácil" em apontar que boa parte do capital estadunidense, que poderia estar sendo aplicado e resolvendo problemas nos EUA, estava indo para uma guerra que o país não sairia vitorioso, segundo Pitillo.
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"Isso é óbvio porque a guerra da Ucrânia, desde o primeiro momento, se sabia que mesmo com todo o apoio da Otan, [a Ucrânia] não iria conseguir derrotar a Federação Russa. Só os incautos acreditaram que o Putin, um ex-coronel KGB, iria se meter numa guerra onde ele iria sair derrotado e desmoralizado", pontua.
"O Trump pensa o seguinte: a guerra da Ucrânia, enquanto existir, atrapalha os negócios. Ela obriga os Estados Unidos a botar dinheiro num projeto que beneficia muito mais a Europa do que os Estados Unidos", esclarece o historiador.
Outro aspecto motivador para Trump brigar pelo fim do conflito é o fato de os europeus estarem defendendo a participação dos EUA na reconstrução da Ucrânia, que será feita com crédito. "Quem vai tocar boa parte dessas obras são empresas europeias, então elas estão de novo de olho no dinheiro estadunidense", diz Pitillo.
O historiador ainda destaca que o inimigo de Trump não é a Rússia, mas sim a China. "Se o Trump puder ter boas relações com o mundo todo e deixar a China isolada, é o ideal", analisa.
Pitillo afirma que o maior plano dos republicanos é criar uma confrontação com a China. "A China é o grande inimigo. Esses republicanos que estão aí têm a certeza do seguinte: não é possível que os Estados Unidos recobrem sua hegemonia sem que a China seja derrotada", acrescenta.
O historiador explica que os Estados Unidos já chegaram ao ápice do seu desenvolvimento econômico. "O capitalismo estadunidense, hoje, está no limiar do seu potencial. A China não. Nem o céu é o limite para a China".
Trump quer retomar o American Way of Life por chantagem
Pitillo afirma que Trump, em uma visão reacionária, "de cowboy do Velho Oeste" e "homem do big stick", acredita que vai centralizar os Estados Unidos de novo como uma grande potência a partir da arrogância, ameaça e chantagem.
"Ele tem a arma do futuro, a inteligência artificial e as big techs. Então, na cabeça dele e dos seus assessores, ele pode fazer tudo que os democratas fizeram com as armas a partir das redes sociais. Ele pode gerir sobre todas essas sociedades a partir da inteligência artificial", diz o historiador.
Pitillo pontua, porém, que não é só porque Trump acredita nessa forma de atuação que ela irá se concretizar. "Entre o que ele imagina e o movimento que o planeta faz tem uma distância muito grande. Mas, pragmaticamente, a guerra da Ucrânia era um escoador de dinheiro estadunidense, que não trazia ganho significativo para esse momento difícil que os Estados Unidos atravessam".
"O Trump precisa dessas vitórias no cenário internacional, porque ele não tem um grande projeto para a economia estadunidense. O Trump não tem nenhuma grande elaboração teórica para a economia estadunidense. Ele acredita que pode retomar o American Way of Life por chantagem. A política das taxas é uma política de chantagem", declara Pitillo.
Para o historiador, Trump vê o fim do conflito entre Ucrânia e Rússia como uma possibilidade de se tornar um "cara bacana", diminuir a figura de um "bonachão fascista" e se consagrar como uma liderança interna. "Nós temos que perceber que esse Donald Trump, em tese, não vem como candidato à reeleição. Ele tem só um mandato. Então, ele vai fazer movimentos que podem parecer ambíguos, mas têm interesse de adular a sua claque", avalia Pitillo.
"A vitória dele foi retumbante, e muito por conta da má administração democrata, mas também porque os democratas foram sócios do genocídio em Gaza, porque os democratas sustentaram uma guerra na Ucrânia completamente fora de eixo de interesse do povo estadunidense. Então, o Trump capitalizou esses anseios", conclui o historiador.
Confira entrevista completa do historiador João Cláudio Pitillo ao Fórum Onze e Meia
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