Em 2012, o governo de Barack Obama anunciou uma mudança significativa na política externa dos Estados Unidos: a "pirueta para a Ásia".
Foi resultado da constatação de que o século seria "do Pacífico", por conta da formação de um bloco reunindo nações populosas como a Indonésia, o Vietnã e a Malásia sob forte influência do poderio econômico da China.
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Grosseiramente, é o que se deu de fato nos anos subsequentes e hoje resultou em várias siglas, como BRICS e SCO (Organização para Cooperação de Xangai), além de outros esforços multilaterais que dispensam a presença dos Estados Unidos.
O inevitável confronto por hegemonia com a China, ao menos na ótica de Washington, teria levado a palavra "decoupling" -- ou desfazer os laços com a China -- às conversas dos balcões de padaria dos EUA -- se elas, as padarias, de fato existissem lá.
Reduzir a exposição à China tornou-se o novo lema da elite estadunidense, especialmente depois da pandemia, que expôs a dependência ocidental de insumos chineses.
As cadeias de produção globalizadas seriam perfeitamente aceitáveis, se elas se originassem majoritariamente nos EUA, não em território chinês.
Biden não desfez decisões sobre a China
Donald Trump explicitou o racha em seu primeiro mandato e, curiosamente, seu sucessor democrata não desfez nenhuma das medidas tomadas pelo republicano em relação à China -- pelo contrário.
Joe Biden intensificou as acusações sobre ajuda militar chinesa à Rússia, as denúncias de violação de direitos humanos na província de Xinjiang e, sob a "suspeita" de roubo de dados, impôs uma série de restrições ao desenvolvimento tecnológico de Beijing.
Isso significa que a contenção da China é uma política de Estado dos EUA ao menos desde o segundo mandato de Barack Obama.
Trump, montado num bloco de eleitores que representam grosseiramente o nacionalismo branco, turbinou-a com esteróides.
Os analistas internacionais, desorientados com as aparentes "loucuras" de Trump, parecem desconhecer que elas têm base na crença do ocupante da Casa Branca de que ele pode replicar as políticas de seu "mentor" William McKinley, o ex-presidente dos EUA que usou tarifas como forma de extrair concessões e estimular o desenvolvimento da indústria nos Estados Unidos.
Qualquer espectador dos filmes de Michael Moore sabe que a indústria pesada dos EUA foi dizimada a partir da exportação de plantas na era Reagan, além da subsequente instalação da sede das empresas em refúgios fiscais, com o objetivo de escapar de taxação.
Isso prejudicou imensamente a base do MAGA, os operários de baixa escolaridade do Meio Oeste: sim, Trump tem forte base social -- curiosamente, que já votou à esquerda.
Trump também se inspira no expansionismo geográfico que McKinley promoveu, ao tomar as possessões da Espanha em Porto Rico, Cuba, Guam e Filipinas.
De volta às "áreas de influência"
O "detalhe" que escapou aos analistas até agora é que Trump aceitou e agora promove a ideia de "áreas de influência", tão em voga durante a Guerra Fria entre EUA e União Soviética.
Neste contexto é possível entender a lógica de Trump ao tentar reconquistar o controle pleno do canal do Panamá e tomar a Groenlândia da Dinamarca.
Entender não significa justificar ou aceitar, mas constatar que o republicano quer exercer pleno controle militar sobre uma área ampliada de hegemonia, que inclui a América Latina, para a extração dos recursos naturais essenciais aos projetos do MAGA de reindustrializar os EUA.
Para tocar as indústrias locais é preciso ter energia barata, daí o "Fure, baby, fure" e o olho gordo nos recursos minerais da Groenlândia, da Venezuela e de toda a América Latina.
Deriva desta visão de Trump a aceitação de que a Rússia ficará ao menos com um pedaço da Ucrânia, que Moscou considera sua "área de influência", depois de uma guerra que está completando três anos.
Trump negocia concessões a Putin e espera tê-las de volta. Por exemplo, na questão "regional" do Panamá.
Da mesma forma, as anunciadas tarifas contra Taiwan, nos setores de chips e semicondutores, revelam que o presidente estadunidense está muito mais preocupado com a recuperação do setor industrial dos EUA do que com o futuro de um aliado histórico, sob a "sombra" da China.
O establishment estadunidense tem uma crença inabalável no Destino Manifesto e encontrou em Trump e o movimento MAGA seu porta-voz. Ainda que, num primeiro momento, tenha de atropelar alianças antes intocáveis, como as com a Dinamarca, o Panamá, a OTAN e Taiwan.
Pode parecer loucura, mas as atitudes de Trump não caíram do céu e exploram o fato de que o mercado consumidor dos EUA ainda é o maior do planeta.