TECNOFEUDALISMO

O Vale do Silício não faliu e o Grande Salto para a Frente mal começou

Apesar dos memes...

Firmes e fortes.O Grande Salto para a Frente, versão Made in USACréditos: Reprodução
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Quase todo o estoque de frases antiimperialistas foi esgotado. As redes se divertiram à beça. Wall Street de fato tremeu. Porém, o Vale do Silício está longe de falir.

Hoje as manchetes -- inclusive a deste artigo -- são meticulosamente calculadas para chamar atenção.

Nenhum roteirista de Bollywood poderia imaginar uma trama tão interessante: um startup chinesa, com mão de obra genuinamente nacional, esbanjou os bilionários que cercam Donald Trump.

O trilhão de dólares que Wall Street "perdeu", na verdade, é de papel. As ações da Nvidia, que caíram cerca de 15% em um dia, recuperaram mais da metade no dia seguinte.

A Nvidia é a fabricante dos chips de que o mundo da Inteligência Artificial precisa mais do que nunca.

Foi com os de segunda linha da Nvidia que o Busca Profunda chinês deu o troco nas sanções estadunidenses, que tentam afogar o desenvolvimento chinês.

Google, Meta e Amazon, as mamutes da tecnologia, certamente estão de olho nos chineses. Porém, diferentemente do que dizem os recém chegados ao assunto, o Vale do Silício não ruiu.

Tecnofeudalismo

Um dos observadores mais argutos da cena, o economista grego Yanis Varoufakis, autor do celebrado Tecnofeudalismo, o que Matou o Capitalismo, notou que o buraco é mais embaixo.

Aliás, mais em cima.

Nas nuvens.

A briga de cachorro grande está nas nuvens.

E estas não foram afetadas pelos produtos da Busca Profunda, apesar da piada com que o cômico estadunidense Jon Stewart fez seu público cair na gargalhada, na noite de segunda-feira, 27: "Esta é a primeira vez que a Inteligência Artificial perde emprego... para a Inteligência Artificial".

Varoufakis, o economista, explica: o coração do tecnofeudalismo está em produtos proprietários. Um exemplo? Na Alexa, que não perdeu o sono por causa da startup chinesa.

A Alexa é treinada pelo cliente. Torna-se quase uma amiga íntima do senhorio. Mas, assim como ela é treinada para entender o gosto do freguês, depois de desenvolver "intimidade" ela passa a conduzir o freguês. Mais exatamente, para deixar uma parcela cada vez mais significativa de sua renda com o dono da Alexa, a Amazon.

Varoufakis calcula que cada fisgada que a Alexa dá em seu suposto Mestre rende 40% do valor do produto diretamente para o bolso de Jeff Bezos, o careca que apareceu de surpresa na posse de Trump depois de: ter matado um editorial do jornal que controla, o Washington Post, endossando a democrata Kamala Harris; ter doado para a festa de posse do republicano; ter matado um cartum do Post em que ele próprio foi desenhado bajulando o ocupante da Casa Branca.

Trump está para Bezos assim como o consumidor está para a Alexa.

Ao menos é assim que Varoufakis enxerga a nova Guerra Fria: não se trata do confronto quente da Rússia contra a OTAN, através da Ucrânia.

Mas do confronto das nuvens dos EUA e da China, de duas esferas de influência digital em que nós, consumidores, supostamente controlamos nossas telas, quando na verdade somos controlados por elas.

Nós, os escravos

O fim do capitalismo, sugerido no título do livro do economista grego, é o fim da competição liberal -- o homem como escravo da tecnologia, consumindo de acordo com os ditames da Alexa, do Assistente Google ou da Siri.

Nesta Grande Guerra, o episódio da startup chinesa é apenas um marcador, como foi o lançamento do Sputnik para a corrida espacial -- que na verdade encobria o desenvolvimento dos mísseis balísticos intercontinentais da União Soviética e dos Estados Unidos.

Não por acaso, dias depois de assumir Donald Trump anunciou até U$ 500 bilhões em dinheiro público para financiar a Stargate, formada por OpenAI, Oracle e SoftBank para desenvolver a Inteligência Artificial.

Nem respirou, e assinou uma decisão para desenvolver, também com farto dinheiro público, a versão estadunidense da Cúpula de Aço, escudo defensivo similar ao de Israel.

Não é por acaso que o homem dos foguetes faz parte do governo Trump. Nem que Bezos é dono da Blue Origin, empresa que sob a capa da exploração espacial vai desenvolver as armas espaciais do futuro.

No discurso de posse, Trump ainda colocou de lambuja, como um de seus objetivos de longo prazo, pousar astronautas em Marte. Mais alguns trilhões para os "concessionários" da NASA.

Meta, Apple, Google, Amazon, X e tantas outras estão nas nuvens com Trump. Nunca tão poucos vão ganhar tanto tirando proveito do Tecnofeudalismo.

A ideia de que o Vale do Silício faliu é até conveniente, como forma de encobrir esta verdade.

Talvez a Bloomberg, que é do ramo, tenha sido a mais feliz, ao definir o momento usando um trocadilho com o lema de Mao Tsé Tung: "Os bilionários de Trump dão o Grande Salto para a Frente".

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