A ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos traz à tona diversos motivos de tensão internacional. Sua retórica belicosa confronta países e acena até mesmo para eventuais disputas por territórios estrangeiros.
Do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, até agora, nenhuma das principais potências militares do mundo, em especial as mais poderosas, EUA e Rússia, travaram um embate militar direto entre si. Contudo, além da eleição de um mandatário de comportamento imprevisível nos Estados Unidos, a ascensão da China neste século e a perda de relevância norte-americana no cenário econômico trazem novos elementos a este cenário.
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O professor emérito de política internacional na Fletcher School da Tufts University, Daniel W. Drezner, destaca que, em seus discursos de campanha, Trump alegava constantemente que os EUA estavam "à beira da Terceira Guerra Mundial", mas prometia repetidamente que ele seria a pessoa certa para impedi-la.
"Desde que venceu a eleição, no entanto, Trump tem soado com um tom ligeiramente diferente, recusando-se a descartar o uso da força para tomar o controle da Groenlândia e do Canal do Panamá. Seus apoiadores estão falando menos sobre contenção e mais sobre como a Groenlândia tem um tesouro de minerais essenciais e que a posse dele 'faria sentido … para fins de guerra'", analisa o pesquisador, em artigo publicado no World Politics Review.
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Semelhanças com o período pré-Segunda Guerra
Drezner lembra que no livro The Economic Weapon: The Rise of Sanctions as a Tool of Modern War, o professor do Departamento de História da Cornell University Nicholas Mulder narrou como as sanções da Liga das Nações contra a Itália após sua invasão da Etiópia em 1935 serviram como um importante prelúdio para a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
As exportações da Itália foram contraídas em mais de um terço. Mulder argumenta que as sanções desencadearam uma espiral viciosa que tornou a guerra ainda mais concebível, pois elas “aceleraram a busca por uma forma muito específica de autarquia econômica: resiliência contra sanções ou um bloqueio que cortasse as importações de matérias-primas”. Isso, por sua vez, fortaleceu o apelo da conquista territorial como uma forma de garantir esses recursos.
Voltando para os tempos atuais, Drezner aponta que as sanções ocidentais são hoje menos uma ferramenta de coerção e mais uma ferramenta de guerra econômica, o que pode ser visto na evolução das justificativas para as sanções do Ocidente à Rússia por conta da guerra com a Ucrânia.
"Primeiro, vistas como uma forma de dissuasão, elas [sanções] foram então implementadas como um instrumento de coerção. Mas agora servem ao propósito de enfraquecer as habilidades de combate da Rússia. Isso também pode ser visto na proliferação de controles de exportação dos EUA colocados contra a China nos últimos três anos", explica.
Os países alvos de sanções também contra-atacaram. Em junho de 2024, por exemplo, a Rússia endureceu os requisitos para investidores estrangeiros que saem do país, impondo obstáculos regulatórios adicionais e aumentando o valor a pagar ao Estado. A China, pela primeira vez, aplicou sanções extraterritoriais em dezembro do ano passado, proibindo os países de reexportar minerais essenciais para os Estados Unidos.
Medo das elites
Neste contexto, é possível interpretar por que o novo governo Trump está articulando um desejo de controlar territórios que já pertencem a aliados do tratado. Além de representar a visão de mundo do século XIX de Trump, de que terra é igual a poder, também remete ao medo da elite de que os EUA devem garantir acesso a minerais e infraestrutura essenciais para se preparar para a possibilidade de uma guerra de grande potência.
Esta visão, segundo o professor de ciência política, não se reflete apenas nos trumpistas. Muitos defenderam, por exemplo, a decisão do ex-presidente Joe Biden de bloquear a aquisição da US Steel pela Nippon Steel, argumentando que "os EUA não podem ceder a produção de aço primário à propriedade estrangeira, porque 'em uma crise — seja em tempos de guerra ou choques econômicos — as empresas siderúrgicas tendem a se alinhar aos governos de seus países de origem'".
Em suma, grandes potências temem quando têm restrição de acesso a recursos que coloquem em risco sua capacidade militar. "Por décadas, as principais fontes de paz entre grandes potências foram claras: hegemonia dos EUA, interdependência comercial e dissuasão nuclear . Mas, na verdade, havia um quarto pilar também: se as elites nesses países estavam contemplando seriamente a mecânica de uma guerra sustentada entre grandes potências. Durante grande parte da era pós-Guerra Fria, isso era inconcebível", diz Drezden.
"Em 2025, a hegemonia dos EUA parece instável, e as grandes potências estão se esforçando para rejeitar a interdependência, a menos que ela as favoreça assimetricamente. Cada vez mais, as elites nos EUA e na China parecem estar concebendo como uma guerra entre os dois países se desenrolaria. O que significa que podemos estar prestes a testar se o último pilar da paz das grandes potências — a lógica da destruição mutuamente assegurada — continua convincente ou não", conclui o professor.