CHINA EM FOCO

TikTok: Jovens da China e dos EUA se conectam no 'Livro Vermelho' e desafiam tensões entre países

Ao invés de “salvar a democracia”, proibição na “terra da liberdade” deflagra intensa troca entre juventude das duas superpotências; as consequências são imprevisíveis

Jovens da China e dos EUA se conectam no 'Livro Vermelho' e desafiam tensões entre países.Proibição do TikTok nos EUA deflagra intensa troca entre juventude das duas superpotências.Créditos: Getty Images
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Se a Suprema Corte dos EUA espera "salvar a democracia" ao proibir o TikTok a partir do próximo domingo, dia 19 de janeiro, o resultado pode gerar consequências culturais e políticas inesperadas. 

Desde que foi anunciada a possibilidade de proibir a popular plataforma na “terra da liberdade”, que foi confirmada nesta sexta-feira (17) em uma decisão unânime, foi deflagrado o curioso fenômeno dos “Refugiados do TikTok”.

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Uma enxurrada de usuários do TikTok nos EUA invadiu a versão chinesa da plataforma, o Xiaohongshu, conhecido como "Little Red Book" ou apenas “Red Note” (Pequeno Livro Vermelho, em tradução livre). 

Desde que a Suprema Corte dos EUA iniciou as deliberações sobre o banimento do TikTok no país, houve um boom de usuários do aplicativo chinês. Entre os dias 12 e 14 de janeiro foram registrados mais de 700 mil novos downloads do Red Note naquele país na Apple Store. 

Os dados mostram que houve um aumento de 200% de downloads do Red Note nos EUA em apenas três dias em relação ao ano anterior e 194% na comparação semanal.

Desde sua ascensão em 2020, durante a pandemia da Covid-19, o TikTok transformou-se em um gigante cultural. Segundo o Pew Research Center, um terço dos adultos nos EUA usa o aplicativo, número que salta para 59% entre aqueles com menos de 30 anos. 

Segundo a Reuters, ao longo de uma semana foi registrada a chegada de quase 3 milhões de usuários dos EUA na rede da China

Além de lançar novas celebridades e tendências musicais, o TikTok se tornou uma fonte de notícias para muitos jovens, moldando discussões sobre temas como a guerra entre Israel e Hamas e as eleições presidenciais nos EUA.

Trocas entre jovens dos EUA e da China

Com o iminente banimento do TikTok nos EUA, a chegada dos exilados digitais ao Red Note transformou a plataforma chinesa em um ponto de encontro virtual para jovens da China e dos EUA. 

De acordo com o jornal chinês publicado em inglês Global Times, muitos desses novos usuários dos EUA relataram que migraram para o Red Note porque temem não conseguir acessar o TikTok após o dia 19 de janeiro.

 "O governo dos EUA está alegando que é por preocupações com a privacidade de dados, já que a empresa-mãe do TikTok é chinesa", explicou uma nova usuária estadunidense chamada "WakoGeek" em um vídeo que publicou no RedNote.

Outra usuária estadunidense, Amy, de Massachusetts abriu sua conta no RedNote e também compartilhou suas razões ao Global Times

"Nosso governo demoniza a China, alegando que o país usará o TikTok para virar os americanos contra os EUA. Achamos isso ridículo. Então, como forma de protesto e com muito humor, decidimos coletivamente ingressar no RedNote e fornecer voluntariamente nossas informações à China para mostrar que não nos importamos e para desafiá-los", disse. 

O Livro Vermelho chinês também está sendo usado pelos chineses para entender melhor a vida nos EUA. Como, por exemplo, o sistema de saúde estadunidense. 

Um usuário estadunidense conta sobre o questionamento sobre se é real ou “propaganda da China” que pacientes nos EUA país precisam pagar pelo uso de ambulâncias.

Um outro usuário reposta o vídeo e relata que gerente do escritório no qual ele trabalha recebeu uma conta de US$ 4 mil um ano após a morte do marido porque a ambulância não estava na rede de cobertura do seguro dela.

Não é "propaganda da China"

De fato, nos Estados Unidos, o berço da democracia liberal e maior defensor do capitalismo do mundo, o uso de ambulâncias geralmente não é gratuito, e pacientes podem receber contas altas, mesmo em emergências. Não se trata de propaganda da China.

Os custos para uso de ambulâncias variam de US$ 500 a US$ 2 mil ou mais, dependendo do tipo de serviço, distância percorrida e estado. A maioria dos seguros de saúde cobre parcialmente esses custos, mas ainda pode haver franquias ou contas inesperadas quando o serviço está fora da rede.

Ambulâncias nos EUA são operadas por empresas privadas, hospitais ou serviços públicos, sendo os privados geralmente mais caros. Embora alguns estados e cidades ofereçam subsídios ou programas para reduzir os custos, essas exceções são limitadas.

O impacto financeiro é significativo, e muitas pessoas hesitam em chamar uma ambulância devido aos altos custos, mesmo em situações críticas.

Política de privacidade e dados nas redes

A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de banir o TikTok reflete as crescentes tensões entre Washington e Pequim, mas também expõe profundas diferenças nas políticas de privacidade e uso de dados entre os dois países. 

Enquanto a China adota um modelo centralizado e rigoroso de proteção de dados, os EUA operam sob uma abordagem fragmentada, que depende de legislações estaduais e setoriais.

Como é a lei chinesa

A Lei de Proteção de A Lei de Proteção de Informações Pessoais da China (PIPL) foi promulgada em 2021 e estabelece diretrizes claras e abrangentes para o uso e proteção de dados pessoais na China, incluindo:

Âmbito de aplicação: Abrange todas as organizações que processam dados dentro da China e, em alguns casos, entidades estrangeiras que lidam com informações de cidadãos chineses.

Princípios fundamentais: Exige que empresas obtenham consentimento explícito dos usuários para coletar dados, garantindo legalidade e necessidade no processamento.

Transferências transfronteiriças: Dados enviados para fora da China passam por rigorosas avaliações de segurança, e o destinatário deve oferecer um nível de proteção equivalente ao da PIPL.

A PIPL destaca que a proteção de dados não é apenas um direito individual, mas também uma questão de segurança nacional, com restrições para evitar vazamentos de informações sensíveis.

O cenário fragmentado dos EUA

Nos Estados Unidos, não existe uma lei federal abrangente que regule a proteção de dados. Em vez disso:

Abordagem setorial: Leis como a COPPA (proteção de dados de crianças) e a HIPAA (regulação de dados de saúde) tratam de aspectos específicos da privacidade.

Legislações estaduais: Estados como Califórnia adotaram leis como o California Consumer Privacy Act (CCPA), que oferece direitos aos consumidores, mas não é aplicado uniformemente no país.

Propostas federais: O American Data Privacy and Protection Act (ADPPA) busca estabelecer um padrão nacional, mas ainda está em discussão no Congresso.

Essa abordagem fragmentada dificulta a uniformidade na proteção de dados e gera lacunas em como os direitos dos consumidores são aplicados.

Diferenças entre China e EUA

Centralização vs. Fragmentação: A China opera sob uma legislação centralizada e uniforme (PIPL), enquanto os EUA dependem de múltiplas leis regionais e setoriais.

Segurança Nacional: A China trata a proteção de dados como uma questão de soberania, restringindo transferências internacionais. Nos EUA, as preocupações com a segurança nacional foram a base para a proibição do TikTok, sob alegações de que a ByteDance poderia repassar dados ao governo chinês.

Direitos do Usuário: A PIPL detalha os direitos individuais, incluindo acesso, correção e exclusão de dados, enquanto nos EUA esses direitos variam amplamente conforme a legislação aplicável.

Repercussões da proibição do TikTok

A decisão dos EUA de banir o TikTok foi justificada por preocupações de segurança nacional, com acusações de que a ByteDance poderia ser influenciada pelo governo chinês para acessar dados de cidadãos americanos ou espalhar desinformação. Por outro lado, críticos argumentam que a medida reflete uma política protecionista e uma escalada das tensões entre os dois países.

Na prática, a proibição destaca a diferença nas abordagens de governança digital. Enquanto os EUA citam a privacidade como argumento contra o TikTok, a China posiciona suas regulamentações de dados como proteção tanto para indivíduos quanto para o Estado.

O embate em torno do TikTok não é apenas uma questão de segurança ou privacidade; ele ilustra como diferentes modelos de governança de dados refletem valores culturais e políticos distintos. 

Enquanto a China busca consolidar o controle centralizado como parte de sua estratégia de segurança nacional, os EUA ainda enfrentam o desafio de unificar sua abordagem fragmentada, especialmente em um contexto de crescente interconexão digital global.

Em meio a essa batalha, usuários das redes sociais TikTok e do Red Note, em especial os jovens da China e do EUA, iniciaram uma interação que funciona melhor do que qualquer diplomacia com trocas de informações diretas sobre seus cotidianos e as políticas das duas potências.

Resta saber o qual será o resultado prático desse intercâmbio digital para a crescente disputa entre as duas superpotências no ambiente do Livro Vermelho da China.

 

 

 

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