O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer taxar super-ricos para angariar recursos para combater a fome e a pobreza. A proposta foi apresentada nesta quarta-feira (24), no Rio de Janeiro (RJ), durante a Reunião Ministerial da Força Tarefa para o Estabelecimento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, evento que integra a agenda do G20 sob a presidência do Brasil.
Haddad propôs a taxação de impostos sobre os super-ricos como estratégia para aumentar a arrecadação destinada ao combate à fome e à pobreza global. O ministro criticou as práticas dos mais ricos que, segundo ele, encontram maneiras de evitar o pagamento de impostos devidos, comprometendo a progressividade dos sistemas tributários.
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"Isso faz com que, no topo da pirâmide, os sistemas sejam regressivos, e não progressivos. Se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderíamos arrecadar de US$ 200 a US$ 250 bilhões por ano. Ou seja, aproximadamente cinco vezes o montante que os 10 maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022", destacou.
Aliança Global contra a Fome e a Pobreza
Com o Brasil na presidência do G20 neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa global para implementação de ações e políticas públicas para o combate à desigualdade social.
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No longo discurso, Lula ressaltou dados da FAO - Agência das Nações Unidas para alimentação e agricultura - para sustentar o problema que atingiu em 2023 29% da população mundial em graus moderados ou severos de restrição alimentar.
Taxação de super-ricos
Os dados citados pelo ministro Haddad são de um estudo do economista Gabriel Zucman feito a pedido do Ministério da Fazenda. O economista francês é professor assistente da Universidade Berkeley, na Califórnia (EUA).
Em março deste ano, Zucman fez uma enfática defesa da proposta de Haddad de um imposto mínimo sobre a riqueza global aos chefes financeiros dos países do G20 reunidos em São Paulo naquela ocasião.
Zucman é renomado por seus trabalhos que detalham como a riqueza é escondida em paraísos fiscais e como isso afeta a economia global e a distribuição de riqueza. Seus estudos frequentemente destacam a necessidade de uma cooperação internacional mais robusta para lidar com a evasão fiscal e propõem soluções como impostos globais sobre o patrimônio e melhores mecanismos de transparência fiscal.
Novos investimentos
Haddad destacou a importância de novos investimentos, como o crédito subsidiado por bancos de desenvolvimento e a utilização de Direitos Especiais de Saque (DES), uma reserva do Fundo Monetário Internacional (FMI) composta pelas cinco principais moedas globais, que poderia ser direcionada para ajudar países membros em dificuldades financeiras.
A criação da Aliança Global foi vista por Haddad como um marco crucial para avançar nas discussões sobre o uso dos DES no combate à fome e à pobreza. Ele defendeu inovações em instrumentos de financiamento para o desenvolvimento, parcerias público-privadas e a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
Haddad também mencionou iniciativas do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Africano de Desenvolvimento como exemplos promissores de como esses recursos podem ser efetivamente canalizados, representando um caminho viável para a Aliança Global que deseja explorar.
Íntegra do discurso de Haddad
Quero começar a minha intervenção dizendo que o objetivo de erradicar a fome e a pobreza jamais deveria ser um sonho distante. A fome e a pobreza não são fatalidades, ou um produto de condições imutáveis. Essa é a premissa da Aliança Global. A comunidade internacional tem todas as condições para garantir a cada ser humano nesse planeta uma existência digna. O que falta é vontade política.
O trabalho realizado pela Força Tarefa Conjunta para o estabelecimento da Aliança Global ao longo dos últimos meses confirmou esse pressuposto. Mesmo sem chegar a números comuns – porque as metodologias variam – ficou claro que é preciso investir mais.
Por exemplo, segundo relatório comissionado pela Força Tarefa, os dez maiores provedores multilaterais de financiamento oficial ao desenvolvimento desembolsaram cerca de 46 bilhões de dólares em 2022 para as duas agendas. Isso representa 24,5% de todos os compromissos dos bancos multilaterais de desenvolvimento naquele ano. Se olharmos para os dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), menos de 10% da ajuda oficial ao desenvolvimento se destina a combater a fome e a pobreza.
Então é imperativo nos mobilizarmos para aumentar os recursos disponíveis internacionalmente direcionados a enfrentar esses dois problemas. Precisamos buscar inovações em instrumentos de financiamento para o desenvolvimento, parcerias público-privadas, além de apoiar a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
Em particular, a criação da Aliança dá um impulso decisivo ao debate sobre a canalização dos Direitos Especiais de Saque, medida indispensável para aumentar a capacidade de concessão de crédito. A iniciativa pioneira do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Africano de Desenvolvimento para operacionalizar essa canalização também oferece um caminho promissor para a Aliança Global que gostaríamos de explorar.
Outra forma de mobilizar recursos para o combate à fome e à pobreza é fazer com que os super-ricos paguem sua justa contribuição em impostos. Ao redor do mundo, os super-ricos usam uma série de artifícios para evadir os sistemas tributários. Isso faz com que, no topo da pirâmide, os sistemas sejam regressivos, e não progressivos.
A nosso pedido, o economista Gabriel Zucman preparou um estudo mostrando que, se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderíamos arrecadar de 200 a 250 bilhões de dólares por ano, ou seja, aproximadamente cinco vezes o montante que os 10 maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022.
Além do problema de recursos insuficientes, também é preciso melhorar a eficiência no uso desses recursos. A dispersão dos projetos de cooperação internacional não apenas reduz o alcance da cooperação, como também eleva os custos de transação para as organizações internacionais, agências de desenvolvimento e países beneficiários.
Na ausência de uma abordagem global, vemos uma multiplicação de projetos em nível de cidades ou comunidades. A fome e a pobreza não são problemas que podem ser enfrentados apenas com políticas de pequena escala.
Senhoras e Senhores,
A trajetória pessoal do Presidente Lula mostra que dá para ir muito longe quando se tem vontade política. A Aliança atuará como um agente catalisador dessa vontade. Ela buscará mobilizar recursos e agregar a cooperação fragmentada em favor de programas e políticas públicas de escala nacional, aglutinando financiadores.
O trabalho da Aliança se concentrará em conectar os fundos já existentes, elevando a sinergia entre eles com vista a uma atuação mais coordenada e efetiva. A Aliança quer, portanto, atuar de forma muito próxima ao Fundo de Desenvolvimento Africano, ao Fundo de Desenvolvimento Asiático e à Associação Internacional para o Desenvolvimento do Grupo Banco Mundial, além de agências de desenvolvimento e de outros financiadores multilaterais.
Quero destacar aqui a importância da vigésima-primeira recomposição de capital da Associação Internacional para o Desenvolvimento, do Banco Mundial, a principal organização de financiamento e transferência de recursos aos países mais pobres do mundo, o que motiva o interesse do Brasil em retornar sua participação na Associação.
De nossa parte, anunciamos que o governo brasileiro já se comprometeu a aportar recursos para a décima-terceira recomposição de capital do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, outro parceiro relevante para o sucesso da Aliança. A atuação conjunta entre esses agentes de financiamento é crucial para ganharmos a escala que precisamos.
Presidente Lula,
Desde os trabalhos de Josué de Castro, autor de obra monumental sobre o caráter global da fome, o Estado brasileiro acumulou grande conhecimento técnico sobre as relações entre a pobreza e a fome. E o que a nossa experiência concreta demonstra é que incluir o pobre no orçamento é um ótimo investimento em termos econômicos e sociais.
Em 2023 tivemos um dos maiores crescimentos inclusivos da renda da nossa história. A renda dos 5% mais pobres do país cresceu 38,5% em 2023, um aumento recorde. Hoje estamos ouvindo também sobre os rápidos avanços do país no combate à fome, trazidos pelo relatório das Nações Unidas, lançado hoje.
Encerro, portanto, convidando a comunidade financeira internacional a se juntar à Aliança, para efetivamente construirmos um mundo justo e um planeta sustentável, onde a fome e a pobreza sejam apenas referências ao passado superado.
Antes de concluir minha intervenção, peço a licença de vocês para conceder um aparte ao presidente do Grupo Banco Mundial, Ajay Banga, que terá alguns anúncios a fazer relacionados à participação do Banco no pilar financeiro da Aliança Global.
Muito obrigado!