ANÁLISE

Retórica dura, ação mansa: declarações de países europeus não bastam para resolver questão palestina

Recente movimento de nações europeias reconhecendo o Estado da Palestina e condenando as ações de Israel em Gaza carecem de ações efetivas para a paz no Oriente Médio, avalia Reginaldo Nasser

Protesto em solidariedade a Palestina em Madri, na Espanha.Créditos: Reuters/Folhapress
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Nos últimos dias, diversos países da Europa vêm mudando de posição e endurecendo o discurso contra Israel, que promove de forma permanente um massacre de palestinos na Faixa de Gaza. Alguns fatos recentes ilustram essa movimentação: após um pedido de prisão do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu ser protocolado no Tribunal Penal Internacional (TPI) por um procurador da Corte, nações europeias intensificaram suas críticas às ações militares do Estado sinonista em territórios da Palestina. 

Espanha, Irlanda e Noruega, por exemplo, anunciaram de forma conjunta no dia 22 de maio que vão reconhecer oficialmente o Estado da Palestina. Malta e Eslovênia também anunciarão o reconhecimento do Estado palestino, intensificando o isolamento de Israel e Estados Unidos, que sistematicamente se recusam a reconhecer o país do Oriente Médio, vetando resoluções importantes em organismos internacionais que poderiam dar início a fim do massacre israelense que matou, desde 7 de outubro de 2023, quando o Hamas desferiu um ataque contra Israel, mais de 35 mil palestinos em Gaza. 

O presidente do governo da Espanha, Pedro Sánchez, por exemplo, disparou ao anunciar a iniciativa de seu país em prol da criação do Estado palestino: 

"Pedimos um cessar-fogo. Mas não é suficiente. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se faz de surdo e continua castigando a população palestina. O que está claro é que Netanyahu não tem um projeto de paz. Lutar contra o Hamas é legítimo. Mas sua operação coloca a solução de dois estados em sério perigo. O que faz apenas amplia o ódio". 

Em meio a este movimento, a Alemanha, em um gesto que surpreendeu analistas internacionais, visto que é uma apoiadora de primeira hora de Israel, garantiu que prenderia Benjamin Netanyahu caso o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitisse uma ordem de prisão contra o primeiro-ministro israelense e ele estivesse no país europeu. 

A declaração foi dada por Steffen Hebestreit, porta-voz do chanceler alemão Olaf Scholz, em resposta a uma pergunta feita por um jornalista durante coletiva de imprensa nesta quarta-feira (22).

O representante do governo havia sido questionado sobre os apelos que vêm sendo feitos pelo governo de Israel para que os países do "mundo civilizado" rejeitem eventual emissão de mandado de prisão pelo TPI contra Netanyahu a partir de ação, que ainda será analisada, protocolada por Karim Khan, procurador da Corte. 

Segundo Hebestreit, "é claro" que a Alemanha cumprirá a lei internacional se de fato houver um mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense, afinal, nas palavras do porta-voz, o governo alemão é um apoiador "fundamental" do TPI. Espanha, França e Bélgica seguiram posicionamento parecido, indicando que respeitarão o direito internacional caso o TPI emita um mandado de prisão contra Netanyahu. 

Os limites do direito internacional 

Em entrevista à Fórum, o professor de Relações Internacionais Reginaldo Nasser, que é especialista em Oriente Médio, analisa que o movimento de países europeus de reconhecer o Estado da Palestina e o endurecimento do discurso contra Israel, bem como a sinalização da Alemanha de que respeitaria uma eventual ordem de prisão contra Netanyahu, são gestos considerados importantes, mas que esbarram nos limites do direito internacional para trazerem efeitos práticos. 

"O primeiro ponto é esse: o direito internacional carece do uso da força, porque, no âmbito internacional, diferente do doméstico, onde há o Estado, quem é que vai fazer isso no âmbito internacional? Quando você tem uma grande potência, as coisas ficam mais fáceis, como nas guerras do Golfo e da Líbia, onde, sob o manto do direito internacional ou não, as grandes potências agem. Nós estamos falando de Gaza, da Palestina, que nem Estado tem, e não conta com apoio firme, forte e resoluto de uma grande potência. Então, essa questão do direito internacional fica nesse plano", introduz o professor. 

Nasser prossegue em sua análise explicando que a condenação dos atos de Israel em Gaza é importante para a causa palestina e, eventualmente, para um cessar-fogo na região. O especialista, entretanto, chama atenção para o fato de que os discursos e iniciativas de reconhecer o Estado palestino não desaguam em medidas mais concretas que poderiam pôr fim às ações israelenses, como sanções econômicas contra Israel - citando o exemplo do que aconteceu na África do Sul à época do apartheid. 

"É claro que é melhor que haja a condenação, melhor para a questão palestina, para o fim do genocídio, para o cessar-fogo. É importante que tenha o apoio de países europeus, mostrando a falta de legitimidade do Estado de Israel, mas não se pode criar a ilusão de que, a partir dessas posições, necessariamente vamos caminhar para uma ação mais efetiva, como uma sanção econômica. É o que se espera, como aconteceu na África do Sul. Você tinha condenações diplomáticas, políticas, e foram evoluindo até chegar à sanção econômica", pontua. 

"O que tem acontecido são aprovações de resoluções na ONU, na Assembleia Geral, reconhecimento do Estado palestino, mas não há uma ação efetiva. Acho que é importante a postura dos Estados europeus, essa postura agora da Alemanha, tudo isso é muito importante, mas vamos ver se isso reverte, num primeiro momento, em curto prazo, na parada da ação militar de Israel, e, no segundo momento, na criação do Estado palestino"', prossegue Nasser. 

O professor destaca que a criação do Estado palestino é muito difícil pois envolve muitas variáveis. "E mesmo em outros momentos favoráveis, isso não aconteceu", diz. 

Para Reginaldo Nasser, a famosa frase do ex-presidente dos EUA Theodore Roosevelt "fale manso e carregue um grande porrete" se aplica com relação à posição atual de países europeus e até mesmo o Brasil para com Israel, mas de forma invertida. 

"Ted Roosevelt, que era um presidente americano bem intervencionista, tem a famosa frase: 'fale manso e carregue um porrete'. Acredito que hoje está acontecendo o inverso: os países estão falando duro contra Israel, como no caso do presidente Lula, mas têm agido mansamente. Acredito que esse é o problema que ainda enfrentamos. Todos nós torcemos para que essas condenações simbólicas, diplomáticas e políticas evoluam para um processo de sanção econômica, algo que não passa por essa decisão do direito internacional".