Professor de Tecnologia da Comunicação e Sociedade na Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, e professor emérito de Sociologia e Planejamento Urbano na Universidade da Califórnia-Berkeley, Castells é autor do livro “A Sociedade em Rede”, um clássico dos estudos em Teoria da Comunicação, e pioneiro nas pesquisas sobre os reflexos da sociedade em rede na economia.
Ele esteve no Brasil, no mês de março, para ministrar uma Aula Magna nas comemorações dos 200 anos do Senado Federal brasileiro. O sociólogo também lecionou no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na Universidade de Oxford e na Universidade de Cambridge, além de ter sido ministro das Universidades do Governo da Espanha.
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De volta à Califórnia, Castells respondeu às perguntas enviadas pela comunicação do G20 Brasil, por e-mail, onde tratou de temas como inteligência artificial, polarização política, ameaças à democracia, regulação das plataformas e papel dos países do G20 neste contexto. Confira a íntegra da entrevista.
Quase 30 anos após o lançamento da obra “Sociedade em Rede”, do otimismo em relação às novas possibilidades da Internet para a ampliação da democracia, qual é sua avaliação hoje? Quais são os desafios que teremos adiante a fim de retomar essa utopia libertária da sociedade em rede?
No século XXI, a sociedade em rede se desdobrou completamente como estrutura social do nosso tempo a partir da digitalização acelerada em todos os aspectos, especialmente na comunicação. E conforme analisei, a Internet desintermedia o monopólio da comunicação de massa por parte dos Estados e das corporações midiáticas.
É verdade que as empresas proprietárias das plataformas de comunicação formaram um oligopólio, mas como seu modelo de negócios visa estender a comunicação aos 5,4 bilhões de usuários das redes sociais, a capacidade da sociedade de se comunicar de forma relativamente livre aumentou, ainda que essa comunicação seja manipulada parcialmente pelos algoritmos dessas empresas.
Mas os resultados para a democracia são contraditórios, porque nos esquecemos que nós, seres humanos, somos frequentemente destrutivos: sexistas, racistas, xenófobos, homofóbicos e, em muitos países, fascistas. Ou seja, a Internet expressa a sociedade e ela está cada vez mais distante dos ideais progressistas e solidários que apoiamos.
Na sua avaliação, a intermediação da comunicação pública por meio dos algoritmos adotados pelas plataformas de redes sociais— que impulsionam bolhas (caixas de ressonância) no ambiente digital que amplificam a intensificação e a radicalização do debate político — é capaz de impor barreiras à noção de sociedade em rede e à qualidade da democracia?
Na verdade, as redes sociais não produzem a polarização política, mas a reforçam e amplificam extraordinariamente. E por isso é preciso encontrar formas de regular as redes. Mas é muito difícil fazer isso, tanto técnica como legalmente. Os novos hackers progressistas terão que ser criativos.
O que se pode esperar das maiores economias do mundo, no contexto do G20, no que diz respeito à necessidade de uma maior transparência dos algoritmos utilizados e da necessidade de regulação das plataformas para combater a desinformação e os discursos de ódio e para proteger a democracia?
Eu não sou otimista. Os Estados vão tentar regular de acordo com seus interesses, e a maioria deles está cada vez mais autoritária… É aí que as democracias progressistas, como o Brasil ou a Espanha, podem ter um papel importante para assegurar uma regulação efetiva e consciente das redes, mas estamos muito longe de poder alcançar isso.
O senhor pode dar algumas referências positivas de legislações internacionais relacionadas à regulação das plataformas de redes sociais?
A Comissão Europeia tem documentos de declarações cheias de boas intenções, mas com escassas propostas de operacionalização. O Brasil estava avançando nesse sentido, mas a tempestade Bolsonaro minou esses esforços. Será preciso retomá-los.
As plataformas de redes sociais, concentradas em apenas cinco empresas globais, desvirtuaram o sentido original previsto pelos hackers, acadêmicos e pesquisadores que a desenvolveram?
Absolutamente. Estas pequenas empresas inovadoras cresceram, devido ao seu poder tecnológico, até obter um controle oligárquico sem precedentes. Há um livro recente de Jonathan Taplin ("The End of Reality") que demonstra isso com todos os dados. Acontece que a tecnologia pode libertar ou oprimir, dependendo de quem a opera. As relações de poder seguem sendo determinantes.
O presidente Lula e todos os líderes dos países-membros do G20 colocam o tema da Inteligência Artificial como uma questão central no debate internacional. Entre os pontos apresentados estão a não concentração do conhecimento nessa área nas mãos de alguns poucos países, e as questões éticas e legais.
Em setembro deste ano, o presidente Lula apresentará, na Assembleia Geral da ONU, enquanto presidente do G20, uma proposta política em relação à IA. O senhor poderia sugerir alguns pontos importantes que poderiam ser incluídos no que será levado à Assembleia Geral da ONU?
O presidente Lula tem toda razão, e temos grandes expectativas em relação a sua proposta. A inteligência artificial é um desafio fundamental para o qual não temos obtido muitas respostas. O Governo espanhol criou uma Agência Regulatória da Inteligência Artificial. Sou presidente do comitê de assessoria internacional independente que tentará orientar a elaboração de uma política progressista nesse sentido, do qual fazem parte reconhecidos especialistas na área de informática, filósofos e cientistas sociais. Mas nós acabamos de começar o trabalho e ainda não tenho informações concretas para oferecer. Daqui alguns meses, talvez.
Entrevista publicada originalmente no site do G20