TRAÍDO PELA VICE

Senado passa motosserra em Milei, que volta à estaca zero

Presidente de extrema-direita tenta desconhecer o Parlamento, mas toma rasteira

Sem maioria.Milei deu uma guinada de 180 grau na política da Argentina, mas sem maioria no Congresso.Créditos: Reprodução Instagram
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O Senado da Argentina praticamente enterrou hoje o Decreto Nacional de Urgência (DNU), o pacotaço de 366 artigos com o qual o presidente Javier Milei queria fazer uma espécie de reforma constitucional.

Foram 42 votos a 25 pela rejeição.

O decreto, que segue em vigência -- funciona como uma medida provisória no Brasil -- agora segue para a Câmara.

Três meses depois da posse de Milei, o governo volta à estaca zero.

A casa alta do Congresso argentino só tratou do assunto por conta da decisão da presidente do Senado, que é a vice de Milei, Victoria Villarruel, que colocou o DNU em pauta.

Durante as últimas horas, apoiadores de Milei fizeram ataques em massa a Villaruel.

A vice teria rachado com o presidente da República por não ter sido contemplada com os cargos que esperava na administração.

Passou a jogar próxima de Maurício Macri, o ex-presidente que hoje faz o papel do Centrão no Parlamento do país vizinho.

Sem os votos de parlamentares ligados a Macri, Milei não vai a lugar algum.

Macri e Villaruel estariam em confronto com o outro bloco governista, formado por Milei e a ministra da Segurança, Patricia Bullrich.

DE COSTAS PARA O CONGRESSO

Ao tomar posse, Milei o fez de costas para o prédio do Congresso, na presença de Jair Bolsonaro.

O presidente assumiu um discurso estridente contra o que chama de "casta", que obviamente inclui os parlamentares.

Antes da votação de hoje, um senador ligado ao presidente pediu que o debate fosse adiado por 20 dias, mas foi derrotado.

A senadora Anabel Fernández Sagasti, do União pela Pátria, disse que se o DNU fosse aprovado o Congresso deveria ser fechado.

Afirmou que o decreto devolveria a Argentina à Constituição de 1853, apagando os direitos sociais obtidos posteriormente.

Já o governista Rodolfo Suarez, da União Cívica Radical, disse que a rejeição do DNU seria um balde de água fria na população, que tem esperança nas mudanças propostas por Milei.

Suarez afirmou que haverá impacto econômico por conta da decisão do Senado.

DEFESA DA SOBERANIA

O senador Wado de Pedro, figura de destaque entre os peronistas, adiantou seu voto pela rede X:

Vamos rechaçar este DNU porque não é apenas inconstitucional, mas também impõe desregulamentações muito perigosas. Uma delas é a rejeição da Lei das Terras Rurais, uma ferramenta essencial na defesa de nossa soberania e de nossos recursos estratégicos. Se durante estes três meses alguma pessoa ou empresa estrangeira comprou um lago, uma montanha ou terras fronteiriças, hoje não temos forma de sabê-lo.

A senadora Mônica Silva, de Rio Negro, disse que o texto ambicioso do DNU, sem qualquer diálogo com o Congresso, evidencia o caráter "autocrático" de Milei.

"Sugiro tratamento para controle da ira do presidente", disse ela, referindo-se ao tom raivoso das falas de Milei, que segue se referindo a adversários políticos como ratos, traidores e corruptos.

O senador Mariano Recalde disse que o DNU atropelaria 82 leis aprovadas pelo Congresso.

O comportamento político de Javier Milei tem sido um desastre.

Ele peitou os governadores de províncias, cortando os repasses em dinheiro do governo federal, desagradando mesmo a aliados.

Também sofreu várias derrotas na Justiça. Por exemplo, hoje mesmo foi suspensa a possibilidade de privatização dos clubes de futebol, desejada por Milei.

A Casa Rosada celebrou o índice de inflação de 13% registrado em fevereiro deste ano, uma queda em relação ao mês anterior -- porém, o índice anualizado permanece acima dos 200%.

Antes da derrota drástica de hoje, o governo já havia circulado o texto de um novo DNU, enxuto, com "apenas" 269 artigos -- eram 644 no original.

Na nova proposta, apenas três empresas públicas entram na lista de privatização obrigatória: a Aerolineas Argentinas, a Energia Argentina e a Rádio e Televisão Argentina. Milei continua pedindo poderes extraordinários para governar.

A economia da Argentina está praticamente paralisada, depois que Milei suspendeu todas as obras públicas federais e mergulhou o país na insegurança por conta de sua postura diante do Congresso.