O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu um longo discurso nesta quarta-feira (28) na sessão de encerramento da 46ª Conferência de Chefes de Governo da Comunidade do Caribe (Caricom), realizada em Georgetown, na Guiana. A cúpula reuniu lideranças de 15 países da região e teve como objetivo fortalecer os laços entre as nações e o estabelecimento de uma agenda comum que auxilie no combate aos problemas e desafiados comuns aos povos.
Lula chegou a Georgetown nesta manhã e participou do encerramento da cúpula como convidado. Na próxima quinta-feira (29) Lula viaja a Kingstown, em São Vicente e Granadinas, onde participa em primeiro de março da abertura da 8ª cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). O Brasil é um dos fundadores do bloco, mas o abandonou durante o governo Bolsonaro.
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Ainda na quinta-feira Lula se reunirá com Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, para discutir uma saída sobre a questão do Essequibo, região atualmente pertencente à Guiana mas que os venezuelanos possuem uma histórica reivindicação e agora querem que volte a fazer parte do seu país.
A Caricom é composta por 15 países: Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Suriname e Trinidad e Tobago. Em conjunto, o PIB dos países membros soma 120 bilhões de dólares para uma população de 19 milhões de pessoas.
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Lula falou em seu discurso sobre a mudança de postura da política externa brasileira com a ascensão do seu novo mandato e focou no compromisso do Brasil em priorizar suas relações com países da América Latina, Caribe e África.
Confira a seguir o discurso de Lula na íntegra
Eu quero dizer para vocês, pensa a alegria poder participar dessa reunião da CARICOM. Quero cumprimentar o companheiro Irfaan Ali, presidente da República Cooperativa da Guiana. Quero cumprimentar os chefes de Estado e de Governo, e quero tratá-los de companheiros e companheiras nessa reunião. Países da CARICOM e Brasil foram durante muito tempo colonizados. E quando eu cheguei à presidência do Brasil em 2003, eu descobri que nós tínhamos uma deficiência nas nossas políticas internacionais. A gente tinha aprendido durante muitos séculos de que a nossa relação era com o nosso colonizador ou a nossa relação era com os países chamados ricos.
O Brasil vivia de costas para a América do Sul, o Brasil vivia de costas para a América Latina, o Brasil vivia de costas para os países do Caribe, o Brasil não olhava para o continente africano e o Brasil olhava para a União Europeia e para os Estados Unidos. Sempre uma ideia fixa de que esse olhar para os países mais ricos iria despertar interesse dos países ricos fazerem investimentos no Brasil.
Em 2003, nós tomamos uma decisão de priorizar a nossa relação com os países da América do Sul, da América Latina, países que fazem parte da CARICOM e o continente africano. É importante lembrar que o Brasil já teve embaixadora e embaixador fixos em todos os países da CARICOM. E nós aprendemos uma lição com tudo isso. É que muitas vezes as relações, levando em conta a similaridade dos nossos países, nos ajuda muito mais do que ficar na dependência de uma ajuda do nosso colonizador. Por isso a minha alegria de estar de volta à Guiana. Sobretudo, de participar da 46º Conferência de chefes de estado da comunidade do caribe.
Em 2005, tive a honra de participar de uma Cúpula como esta, no Suriname. Foi a primeira vez que um chefe de Estado brasileiro se dirigiu aos líderes da CARICOM. Em 2010, o Brasil foi anfitrião de uma reunião Brasil-CARICOM. Dela resultou nossa associação ao Banco de Desenvolvimento do Caribe, além de diversas iniciativas de cooperação técnica. Apesar dessa aproximação, não logramos consolidar uma agenda consistente com a região.
Sabemos que a CARICOM espera muito mais do Brasil. Sabemos dos principais problemas que atingem a região: a insegurança alimentar, que – segundo o Programa Mundial de Alimentos – ameaça metade da população caribenha; e a mudança do clima, que coloca em risco todo o planeta, sobretudo os países insulares.
Quero ressaltar que esses dois problemas estão no centro dos debates travados pelo Brasil nos fóruns internacionais. Quero ressaltar, também, que esses dois problemas têm a mesma raiz: a desigualdade. Portanto, a luta contra a desigualdade no mundo é também a luta das populações caribenhas.
Não é possível que um planeta que produz comida suficiente para alimentar toda a população mundial, cerca de 735 milhões de seres humanos não tenham o que comer. Não é possível que os países ricos, principais responsáveis pela crise climática, continuem descumprindo o compromisso de destinar US$ 100 bilhões anuais aos países em desenvolvimento, para o enfrentamento da mudança do clima. Não é possível que o mundo gaste por ano US$ 2,2 trilhões em armas. Todos sabemos: guerras provocam destruição, sofrimento e mortes, sobretudo de civis inocentes.
O Brasil seguirá lutando pela paz mundial. Uma guerra na distante Ucrânia afeta todo o planeta, porque encarece os preços dos alimentos e dos fertilizantes. Um genocídio na Faixa de Gaza afeta toda a humanidade, porque questiona o nosso próprio senso de humanidade. E confirma uma vez mais a opção preferencial pelos gastos militares, em vez de investimentos no combate à fome; na Palestina, na África, na América do Sul ou no Caribe.
Meus companheiros e companheiras, ouvi da primeira-ministra Mia Mottley que Barbados tem 27 voos semanais para o Reino Unido e para os Estados Unidos e nenhum para o Brasil. Portanto, o nosso maior obstáculo é a falta de conexões, seja por terra, por mar e pelo ar.
Uma das rotas de integração e desenvolvimento prioritárias para meu governo é a do Escudo Guianense, que abrange a Guiana, o Suriname e a Venezuela. Queremos, literalmente, pavimentar nosso caminho para o Caribe. Abriremos corredores capazes de suprir as demandas de abastecimento e fortalecer a segurança alimentar da região.
É importante lembrar, presidente, que viajaram comigo agora o meu ministro do Transporte, o meu ministro de Portos e Aeroportos, o meu ministro de Integração Nacional e a minha ministra de Planejamento, para que a gente possa discutir, hoje, com a Guiana e com o Suriname, as aberturas dos caminhos que precisamos abrir, para que a nossa integração se torne eficaz.
O Brasil pode oferecer gêneros alimentícios a preços competitivos. Mas, sobretudo, pode contribuir para ampliar a produtividade agrícola local. Por isso, eu quero convidar os países da CARICOM a se somarem à Aliança Global de Combate à Fome e a Pobreza que será lançada pela presidência brasileira do G20. Queremos promover políticas públicas e mobilizar recursos para essa causa.
Meus amigos e minhas amigas, a criação do fundo de perdas e danos, na COP de Dubai, foi uma conquista histórica. Mas a luta não terminará enquanto não houver mais fundos para adaptação e para o cumprimento da Agenda 2030 como um todo.
Como anfitrião da COP 30, o Brasil quer trabalhar com os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS). O IPCC é categórico sobre a urgência de limitar o aumento na temperatura global a 1,5°C. Precisamos unir forças para avançar em nossa “Missão 1,5°C”, acelerando a implementação dos compromissos já assumidos e adotando metas mais ambiciosas de 2025.
Com a Guiana e o Suriname, que também são países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), queremos convidar outros países da CARICOM a seguirem São Vicente e Granadinas e se somarem à Declaração “Unidos por nossas Florestas”. Os serviços que as florestas prestam ao mundo precisam ser valorizados. O Caribe é vulnerável a eventos extremos, que também se tornaram mais frequentes no Brasil.
Tenho a satisfação de anunciar que o Brasil e a CARICOM decidiram fortalecer a gestão integrada de riscos de desastres, por meio do Mecanismo de Resposta Regional da Agência Caribenha de Gerenciamento de Emergências em Desastres (CDEMA).
Amigas e amigos, Brasil e CARICOM estão lado a lado também na defesa de uma governança global mais justa. Não é mera coincidência que, nas votações da Assembleia Geral da ONU, a convergência entre nós chegue a 80%. Também compartilhamos do diagnóstico da Iniciativa de Bridgetown.
Muitas de suas propostas são bandeiras que o Brasil erguerá na presidência do G20. Refiro-me, em especial, ao pleito pela ampliação dos recursos disponíveis a países em desenvolvimento. Até o final deste ano, faremos um aporte ao fundo concessional do Banco de Desenvolvimento do Caribe. Países caribenhos sofrem com altos níveis de endividamento e têm condições menos favoráveis de renegociação por terem ascendido à condição de países de renda média.
Guiana, Haiti, Suriname e Trinidad e Tobago são membros da cadeira do Brasil na diretoria executiva do FMI. Todos nos beneficiaríamos da reforma das instituições de Bretton Woods, para torná-las mais representativas. A arquitetura financeira internacional não dispõe de ferramentas adequadas para responder às demandas de desenvolvimento sustentável e enfrentamento à mudança do clima.
No Haiti, precisamos agir com rapidez para aliviar o sofrimento de uma população dilacerada pela tragédia. Infelizmente, a comunidade internacional não deu ouvidos quando o Brasil alertou que o esforço de estabilização só seria sustentável com o apoio maciço ao desenvolvimento e ao fortalecimento institucional do país.
Hoje, o Haiti – primeira nação independente do Caribe e primeiro país a abolir a escravidão no hemisfério ocidental – se vê novamente imerso em uma espiral de insegurança e instabilidade. Escutar a voz da região, portanto, é imprescindível.
São de suma importância o engajamento caribenho na Missão Multinacional da ONU e o empenho do Grupo de Personalidades Eminentes da CARICOM na mediação entre as forças políticas haitianas. A crise securitária só se resolverá com avanço no processo político.
Temos uma ligação especial com o Haiti, materializada pelos cerca de 200 mil haitianos que vivem no país. Estamos oferecendo treinamento à Polícia Nacional Haitiana e vamos inaugurar um centro de formação profissional para jovens haitianos no sul do país, no valor de 17 milhões de dólares.
Com mais de 50 anos, a CARICOM é um dos mais antigos blocos de integração do mundo em desenvolvimento. O PIB combinado de seus quinze membros é de 120 bilhões de dólares, maior do que alguns países sul-americanos. Sua população de 19 milhões de pessoas é um ativo muito valioso.
O Brasil voltou a olhar para o seu entorno, ciente de que somente juntos lograremos uma inserção internacional robusta. A CARICOM abriu-se para o Sul, rejeitando a condição de zona de influência de potências alheias à região. Temos o desafio de manter nossa autonomia em meio a rivalidades geopolíticas. Cabe a nós manter a região como zona de paz.
Abrigamos sociedades multiétnicas, entrelaçadas por culturas vibrantes. Mas também carregamos o trauma da maior migração forçada da História. O Brasil e o Caribe estiveram entre os grandes destinos do tráfico humano. Como parte da diáspora africana, compartilhamos da responsabilidade de resgatar e preservar a memória dos flagelos do colonialismo e da escravidão.
Nossa relação pode ir muito além do intercâmbio de boas práticas e de atividades de capacitação.Vemos no bloco um parceiro econômico promissor e um interlocutor político estratégico.
O Brasil já é o quinto maior fornecedor da CARICOM. Nossa corrente de comércio foi de US$ 2,7 bilhões no ano passado, mas já havia superado US$ 5 bilhões em 2008, o que demonstra seu potencial de crescimento.
A Agência Brasileira de Promoção de Exportações identificou mais de mil oportunidades de inserção de produtos brasileiros nos países da Comunidade. Ocorre que bens e serviços não circulam onde não há vias abertas. Belém, Boa Vista e Manaus estão mais próximas de capitais do Caribe do que de outras grandes cidades brasileiras.
Minhas amigas e meus amigos, na Cúpula de 2010, falei da nossa vocação – do Brasil e do Caribe – de “aproximar para unir e unir para mudar”. Essa mensagem segue atual e relevante.
Em meus mandatos anteriores, chegamos a ter embaixadas residentes em todos os países da CARICOM. Queremos restabelecer nossa presença diplomática em todos os países da CARICOM.
Estamos reabrindo nossa missão junto a São Vicente e Granadinas. Vamos retomar nosso mecanismo de consultas políticas para aprofundar nosso diálogo e formular agenda substantiva para uma segunda Cúpula Brasil-CARICOM.
O escritor caribenho Naipaul, prêmio Nobel de literatura, disse que: “Muitas pessoas estão confinadas no nicho que esculpem para si mesmas e se limitam a poucas possibilidades pela estreiteza de sua visão”.
Por isso, quero convidá-los para, juntos, expandir nossa visão e conquistar um lugar maior no mundo. A CARICOM é parceiro fundamental do Brasil e parte indispensável da CELAC, sem a qual o projeto de integração regional permanecerá inacabado.
Muito obrigado.