O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu desculpas pelas décadas de abuso sofridos por crianças de povos originários que foram retiradas de suas famílias e colocadas em internatos abusivos.
Biden destacou a chamada "Era da Junta Federal Indígena" como "um dos capítulos mais sombrios da história estadunidense", afirmando que o trauma vivenciado nessas instituições ainda assombra a consciência dos Estados Unidos.
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A política de internatos perdurou ao longo de 150 anos. Foi implementada a partir do Ato de Civilização Indígena de 1819 e mantida até 1970, teve o objetivo de "civilizar" os povos indígenas.
Meninos na escola, por exemplo, tinham suas tranças cortadas, e as crianças eram proibidas de falar em sua língua nativa. Educadores católicos condenavam a religião tribal tradicional como "maligna", promovendo conversões forçadas sob o lema "matar o índio, salvar o homem".
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Mais de 18 mil crianças foram retiradas de suas famílias, submetidas a condições abusivas, proibidas de falar suas línguas nativas e forçadas a se converter ao cristianismo.
Biden ressaltou que o número real de crianças afetadas é provavelmente muito maior, e reconheceu a morte de pelo menos 973 crianças nos internatos.
O presidente esteve no Arizona nesta sexta-feira (25), onde se encontrou com membros da Comunidade Indígena do Rio Gila e ofereceu um pedido de desculpas histórico aos povos nativos pelos séculos de políticas federais injustas.
Durante o discurso, Biden enfatizou a importância de "corrigir os erros do passado" e traçar um novo caminho de reconciliação. Ele mencionou o impacto de milhares de anos da cultura nativa estadunidense na governança, agricultura e cultura dos EUA.
Biden também lembrou as ações de seu governo para proteger locais sagrados tribais, como o Monumento Nacional de Bears Ears, em Utah, revertendo decisões de seu antecessor, Donald Trump, que havia aberto a área para exploração.
Ao encerrar, o presidente reconheceu que, embora seja impossível mudar o passado, o pedido de desculpas simboliza um passo importante rumo à reconciliação e ao fortalecimento dos laços com as Nações Tribais.
Obama também pediu desculpas
Em 2009, durante a administração do presidente Barack Obama, o governo dos EUA também pediu desculpa formal às Nações Indígenas da América por séculos de "violência, maus-tratos e negligência".
Embora tenha sido um passo simbólico, o pedido de desculpas foi criticado por muitos líderes indígenas por não ter sido acompanhado de medidas concretas, como a devolução de terras ou a compensação financeira.
Assimilação forçada no Canadá
Para além dos EUA, pedidos de desculpas formais por abusos cometidos contra povos originários têm ocorrido em várias partes do mundo nas últimas décadas, como parte de um esforço de reconciliação e reconhecimento dos impactos da colonização.
Em 2008, o então primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper, ofereceu um pedido de desculpas formal pelo sistema de escolas residenciais para crianças indígenas, que funcionou por mais de um século no país.
Essas escolas, muitas administradas por igrejas, eram conhecidas por sua política de assimilação forçada, onde crianças indígenas eram retiradas de suas famílias, proibidas de falar suas línguas nativas e frequentemente submetidas a abusos físicos e emocionais. Milhares de crianças morreram em decorrência das condições nessas escolas.
O pedido de desculpas foi seguido pela Comissão de Verdade e Reconciliação, que investigou o impacto dessas instituições e recomendou medidas para a reconciliação entre o governo e os povos indígenas.
Geração Roubada da Austrália
Na Austrália, em 2008, o então primeiro-ministro Kevin Rudd pediu desculpas formalmente à chamada Geração Roubada, referindo-se às crianças aborígenes e ilhéus do Estreito de Torres que foram retiradas de suas famílias pelo governo australiano entre 1910 e 1970.
O governo acreditava que, ao remover essas crianças, elas poderiam ser assimiladas à cultura europeia dominante. No pedido de desculpas, Rudd reconheceu a dor e o sofrimento causados por essa prática e o impacto intergeracional nas comunidades indígenas da Austrália.
Abusos contra os Maori
O governo da Nova Zelândia realizou uma série de pedidos de desculpas ao longo dos anos por abusos cometidos contra o povo Maori durante a colonização.
Em 1995, um pedido de desculpas oficial foi emitido pelo governo como parte do Tratado de Waitangi, reconhecendo as violações aos direitos dos Maoris que ocorreram após a assinatura do tratado em 1840. O governo se comprometeu a compensar financeiramente e devolver terras aos Maoris, além de continuar promovendo a preservação de suas línguas e culturas.
Povos do Ártico
Os Sami, povos indígenas da região ártica, enfrentaram políticas de assimilação forçada na Noruega, Suécia e Finlândia. Em 2021, a primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, ofereceu um pedido de desculpas oficial pelos abusos cometidos contra os Sami.
Esses abusos incluíram a proibição do uso de sua língua nativa e práticas culturais, além da marginalização sistemática. Os governos desses países têm trabalhado para reparar os danos, inclusive com programas para revitalizar as línguas e culturas Sami.
Mapuche do Chile
Em 2019, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, pediu desculpas formais aos Mapuche, o maior grupo indígena do país, pelos abusos históricos cometidos contra eles durante e após a colonização espanhola.
Os Mapuche foram historicamente marginalizados, e suas terras foram confiscadas durante o século 19. O governo chileno também tomou medidas para melhorar a situação dos direitos das terras indígenas e a inclusão social dos Mapuche.
E no Brasil?
O Brasil, ao longo de sua história, ainda não formalizou pedidos de desculpas com a mesma amplitude ou caráter oficial que se observa em outros países, como o Canadá ou a Austrália, em relação aos povos indígenas.
Houve iniciativas e reconhecimentos relacionados aos abusos e violações cometidos contra povos originários, especialmente em termos de políticas públicas e declarações em eventos específicos.
Com a Constituição de 1988, o Brasil reconheceu formalmente os direitos dos povos indígenas sobre suas terras e culturas. Embora não tenha sido um pedido de desculpas formal, o texto constitucional representou um marco no reconhecimento dos direitos indígenas, garantindo a demarcação e proteção de terras tradicionalmente ocupadas por esses povos.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV - 2012 e 2014), criada para investigar as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar (1964-1985), reconheceu que diversos povos indígenas sofreram perseguições, remoções forçadas e até massacres durante o regime.
O relatório final da CNV revelou a existência de diversos crimes, incluindo assassinatos, tortura, aprisionamentos e outros abusos praticados por agentes do Estado contra povos indígenas. Estima-se que cerca de 8 mil indígenas tenham morrido devido a essas políticas durante a ditadura militar.
Povo Waimiri-Atroari
Um caso emblemático envolveu o povo Waimiri-Atroari, que foi duramente atingido pela construção da rodovia BR-174, ligando Manaus a Boa Vista, durante o regime militar. Estima-se que centenas de indígenas tenham sido mortos, e o impacto ambiental e cultural foi devastador.
Em 2019, o governo brasileiro, por meio da Funai (Fundação Nacional do Índio), reconheceu oficialmente que o povo Waimiri-Atroari foi vítima de genocídio durante o período da ditadura militar. O reconhecimento foi parte de um processo judicial, mas não incluiu um pedido de desculpas oficial por parte do Estado.
Ministério dos Povos Originários
A criação do Ministério dos Povos Originários pelo presidente Lula em seu terceiro mandato, iniciado em 2023, representou um marco histórico no reconhecimento oficial da importância dos povos originários na construção do Brasil.
Pela primeira vez, os indígenas passaram a ter um espaço no governo federal exclusivamente dedicado à defesa de seus direitos, cultura e territórios. Isso reforçou a ideia de que os povos indígenas devem ser protagonistas das políticas que os afetam diretamente.
A nomeação de Sônia Guajajara, uma importante líder indígena e ativista dos direitos humanos, como ministra trouxe mais legitimidade e visibilidade ao ministério.
Embora seja um passo decisivo na proteção dos direitos indígenas, na preservação ambiental e no fortalecimento do protagonismo indígena na política brasileira, ainda existem desafios, como a resistência de setores do agronegócio e de grupos que se opõem à demarcação de terras indígenas.
Além disso, a implementação de políticas efetivas requer financiamento adequado e um forte compromisso político para superar obstáculos institucionais.