O jornalista e assessor político equatoriano Amauri Chamorro, que já atuou em várias campanhas progressistas na América Latina, disse hoje ao Fórum Global que o Equador vive "uma guerra civil", como resultado da decisão do presidente Gustavo Noboa de decretar um "estado de conflito armado interno", que inclui toque de recolher.
Segundo ele, a decisão de militarizar o conflito contra um grupo de facções criminosas equivale a controlar a febre de um paciente em estado gravíssimo, no caso o Equador.
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Estados Unidos, Bolívia, Colômbia e Argentina já ofereceram ajuda ao governo Noboa.
O Peru declarou emergência em sua fronteira com o Equador, na expectativa de que os integrantes das milícias armadas fujam para seu território. A China fechou sua embaixadas e consulados no país temporariamente.
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Um primo de Amauri Chamorro estava entre os funcionários da emissora TC, da cidade portuária de Guayaquil, que foi invadida por 13 criminosos armados durante uma transmissão ao vivo.
Armas foram apontadas para a cabeça de um apresentador, que pedia que a polícia se retirasse.
Eventualmente, a polícia prendeu os invasores, 12 equatorianos e um venezuelano.
Chamorro disse que as gangues contra as quais o governo declarou guerra são poderosíssimas: controlam as cadeias, subornam funcionários públicos, a polícia, o Exército e a Justiça.
A situação se agravou muito, segundo ele, pela conjunção de dois fatores: a epidemia de covid 19 -- Guayaquil foi a cidade do mundo em que, proporcionalmente, mais pessoas morreram -- e a nova dinâmica do narcotráfico, que transformou a costa do Equador na maior rota de saída de cocaína da América do Sul rumo ao mercado dos Estados Unidos.
Segundo Chamorro, como o Equador é produtor de petróleo e os combustíveis são relativamente baratos, a frota pesqueira do país leva a cocaína até as ilhas Galápagos, de onde a droga segue para o México e os Estados Unidos.
As gangues fizeram alianças com grupos distintos do México, levando a conflitos internos que tornaram Guayaquil uma das cidades mais violentas do planeta, com 1.207 homicídios apenas no primeiro semestre do ano passado.
ATAQUES
Nas últimas horas, criminosos mataram guardas de presídio -- um deles enforcado --, sequestraram pessoas na ruas, queimaram um automóvel, invadiram a emissora de TV e uma universidade, atiraram contra carros de polícia e guarnições policiais.
Um balanço oficial fala em oito mortos. Autoridades dizem ter capturado 70 criminosos.
Os ataques fizeram lembrar o que aconteceu em 2006 no Brasil, quando o PCC levantou os presídios. Contando as mortes causadas pela facção e as da vingança policial que se seguiu, foram 564 mortos.
O Exército saiu às ruas e controla pontos-chave de Quito e Guayaquil.
Para Amauri Chamorro, a militarização do conflito não vai resolver o problema, uma vez que o crime organizado já penetrou profundamente nas instituições do Equador, inclusive na política.
As facções se interessam especialmente pelo controle das cidades costeiras do norte do Equador.
Adis Solis Rodriguez, prefeita de San Lorenzo, eleita pelo partido do ex-presidente Rafael Correa, foi alvo de uma denúncia de relação com o narcotráfico por suposto enriquecimento ilícito do deputado Fernando Villavicencio. Ela morreu de maneira misteriosa em novembro do ano passado.
Já Omar Menendez, outro aliado do esquerdista Correa, ganhou as eleições em Puerto López mas não assumiu: foi assassinado pouco antes da abertura das urnas.
Julio César Farachio Drouet, um advogado que militava contra a corrupção e disputava a prefeitura de Salinas, também na costa, foi assassinado em janeiro do ano passado.
Citado pela BBC, o pesquisador Luis Córdova-Alarcón, da Universidade Central do Equador, disse:
Multiplicaram-se gangues de rua que vendem seus serviços de assassino de aluguel a quem pagar mais, e quem contrata pode dar o lance mais alto para qualquer coisa, desde se livrar de um oponente político até atacar organizações criminosas na disputa por certos espaços locais
Em agosto do ano passado, o deputado Fernando Villavicencio, de 59 anos, foi assassinado com três tiros na cabeça ao sair de um comício.
Jornalista investigativo e sindicalista, ele era um dos oito candidatos à presidência, que acusara tanto Rafael Correa quanto o atual presidente, Gustavo Noboa, de corrupção.
Os presos acusados de matá-lo eram colombianos. Foram todos mortos, seis deles dentro de uma penitenciária em Guayaquil.
O caso segue sem esclarecimento, apesar das promessas de autoridades locais de convocar até o FBI.
Para Amauri Chamorro, a solução da crise no Equador passa por uma solução política: a descriminilização das drogas, o que já foi tema de um encontro entre os presidentes Gustavo Petro, Manuel Lopez-Obrador e Luis Arce em Cali, na Colômbia.
Colômbia, México e Bolívia estão entre os paises que mais perdem jovens para o tráfico e na chamada "guerra contra as drogas", declarada pelo maior mercado consumidor do planeta, os Estados Unidos.
Veja a entrevista completa de Amauri Chamorro: