O Brasil, durante o governo de Jair Bolsonaro, viveu um verdadeiro apagão nas políticas de direitos humanos. O Estado brasileiro, durante este período, fechou os olhos para uma série de violações e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos foi comandado pela fundamentalista evangélica Damares Alves.
Agora, sob o governo Lula, a questão dos direitos humanos passou a ser uma das prioridades e gerou expectativas positivas em organismos internacionais, entre eles a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA) e que julga violações aos direitos humanos cometidas por Estados que ratificaram a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 1992, como é o caso do Brasil.
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Nesta terça-feira (7), o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, se reuniu com o presidente da Corte IDH, Ricardo Pérez Manrique, e com Gabriela Pacheco Árias, chefe da Unidade de Cumprimento de Sentenças, na sede do Tribunal Internacional, em San José, capital da Costa Rica. O dirigente falou com exclusividade à Fórum sobre como o organismo vem enxergando as mudanças nas políticas de direitos humanos do Brasil diante da troca de governo.
Apagão, retomada e otimismo da Corte IDH
Ao longo de sua gestão à frente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves tentou impedir o aborto legal de uma criança grávida vítima de estupro, se calou sobre assassinatos de lideranças políticas e camponesas, permitiu o avanço do garimpo ilegal em terras indígenas e deixou de executar o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) - consequência do "revogaço" promovido por Bolsonaro logo no início de seu mandato, quando extinguiu o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PDNH.
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Para se ter uma ideia, em setembro de 2021, quando Bolsonaro completou 1000 dias na presidência - mais de um ano antes de encerrar o mandato -, a Anistia Internacional divulgou um relatório em que já apontava 32 situações em que o governo do ex-militar violou os direitos humanos. A entidade citou fatos como a gestão desastrosa da pandemia do coronavírus e situações relacionadas à "liberdade de expressão, ataques à imprensa, discursos antidireitos humanos na ONU, direitos de povos indígenas e outras comunidades tradicionais e violações de direitos humanos na Amazônia, política de segurança pública (aumento do acesso a armamentos) e ameaças ao Estado de Direito".
Durante o processo de transição de governo, entre novembro e dezembro de 2022, a equipe do presidente Lula constatou que a pasta dos Direitos Humanos teve, ao longo da gestão Bolsonaro e Damares, uma das menores execuções orçamentárias da história e que houve o desmonte de organismos responsáveis pela criação de políticas voltadas a grupos vulneráveis, como as mulheres e as pessoas LGBTIQA+.
A partir de 1º de janeiro de 2023, no entanto, o governo Lula começou a retomar políticas da área, a começar pela recriação do Ministério dos Direitos Humanos e a nomeação, para o comando da pasta, de Silvio Almeida, advogado, filósofo, professor universitário, escritor e considerado um dos maiores intelectuais do país. Um dos principais alvos das violações dos direitos humanos no país, os povos originários também passaram a contar, sob o novo governo, com o Ministério dos Povos Indígenas, que tem como titular Sonia Guajajara.
De acordo com Juliano Medeiros, essa guinada em prol dos direitos foi recebida com grande entusiasmo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. "Foi uma conversa muito boa", disse o dirigente partidário após reunião com Gabriela Pacheco Árias, chefe da Unidade de Cumprimento de Sentença do organismo internacional. Medeiros está na sede da Corte IDH à convite de seus membros para acompanhar a cerimônia de abertura do ano judiciário.
"Ela [Gabriela Pacheco Árias] está com grande expectativa com relação ao Brasil, à criação do Ministério dos Direitos Humanos com o Silvio Almeida. Ela não sabia que tinha sido criado o Ministério dos Povos Indígenas e ficou muito animada. A expectativa é que, com o governo Lula, as recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos com relação às violações que o Brasil tem sejam implementadas", relatou o presidente do PSOL.
Desde 2006, 11 casos de violações de direitos humanos no Brasil chegaram ao Tribunal Internacional e o Estado brasileiro foi condenado em 10. O PSOL, partido de Juliano Medeiros, inclusive, é Amicus Curiae [terceira parte em processos que tem como função fornecer subsídios ao órgão julgador] na ação do Caso Gomes Lund, em que o país foi condenado por não ter implementado medidas relacionadas à memória e verdade sobre a Guerrilha do Araguaia (1966 - 1974).
Caso dos Yanomami
Sob o governo Bolsonaro, nenhuma medida após sentenças da Corte foi tomada. A última determinação feita pelo organismo internacional ao Brasil foi, justamente, relacionada aos indígenas Yanomami, que vivem uma crise humanitária sem precedentes.
Em janeiro deste ano, o presidente Lula foi à Terra Indígena em Roraima e constatou um quadro crítico de desnutrição, com dezenas de casos de malária e outras doenças - sendo que centenas de crianças morreram nos últimos anos em decorrência da crise sanitária. O mandatário classificou o que viu como genocídio e este cenário levou o presidente a decretar Emergência em Saúde Pública na região e iniciar um intenso trabalho de socorro aos indígenas.
Ao mesmo tempo, o governo federal vem atuando, com ações de repressão, para expulsar os garimpeiros ilegais da Terra Indígena Yanomami. A situação calamitosa a que os povos originários da região foram submetidos se deve ao avanço do garimpo criminoso em seu território sob a anuência de Bolsonaro.
Não à toa, em julho de 2022, isto é, seis meses antes das imagens chocantes de indígenas desnutridos se espalharem por todo o país, a Corte IDH havia ordenado que o então governo Bolsonaro tomasse medidas para socorrer os Yanomami e adotasse providências para deter o avanço do garimpo ilegal. O Tribunal deu prazo de 1 ano, segundo Juliano Medeiros, para que o governo brasileiro enviasse relatório com as ações que estavam sendo encampadas - o documento, entretanto, não foi enviado, já que nenhuma medida foi tomada pelo ex-presidente.
"Eles [a Corte IDH] deram recomendações no ano passado que não foram cumpridas por Bolsonaro. Estavam muito preocupados que, enquanto o Bolsonaro tivesse no poder, não houvesse o cumprimento das recomendações. Agora, eles estão com uma grande expectativa com a mudança da orientação em relação aos Direitos Humanos que possa trazer novidades positivas em relação aos Yanomami. Eles estão acompanhando de longe a ação do governo brasileiro", sentenciou o presidente do PSOL.