O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em fuga aos Estados Unidos desde o último dia 30 de dezembro, participará na próxima sexta-feira (3) de um evento organizado pela extrema direita do país no luxuoso resort Trump National Doral Miami, de propriedade de Donald Trump. O evento é organizado pela Turning Point USA (TPUSA), organização autodeclarada sem fins lucrativos que é acusada de envolvimento com a Invasão do Capitólio de Washington em janeiro de 2021, além de ter Charlie Kirk como um dos seus fundadores. Kirk é um famoso e midiático supremacista branco de Chicago, Illinois, e será uma das atrações do evento ao lado de Bolsonaro.
“O Brasil se tornou um campo de batalha fundamental no confronto global entre o poder do povo e a tirania de uma máquina globalista corrupta”, escreveu Kirk no Twitter para anunciar a presença de Bolsonaro em seu evento, intitulado, justamente, “Poder do Povo, com o presidente Bolsonaro” [Power of the People – featuring president Bolsonaro].
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O resort onde ocorre o ‘imperdível evento’ fica a menos de duas horas de carro de Palm Beach, também na Flórida, onde fica a mansão Mar-A-Lago, local em que Trump vive atualmente e para onde é acusado de ter levado documentos importantes do governo dos EUA ao final do seu mandato. Bolsonaro cogitou passar o último mês no local. Além disso, Trump quase levou uma reunião do G-20 para o local do evento de sexta quando ainda era presidente dos EUA.
Turning Point USA e a Invasão do Capitólio
A Turning Point USA, organizadora do evento que contará com palestras de Bolsonaro e Kirk, nasceu com os lemas de “combater as esquerdas” e “defender a liberdade” - sem grandes diferenças discursivas ao próprio bolsonarismo brasileiro. Seu fundador, Charlie Kirk, de religião evangélica e apenas 29 anos, é considerado um dos agitadores da extrema direita e do supremacismo branco mais bem sucedidos dos EUA.
Como influenciador, as fake news e teorias conspiratórias que difunde têm ampla divulgação. Sua popularidade lhe rendeu a capacidade de aglutinar doadores tanto para a TPUSA, como para o seu braço político, a Turning Point Action (TPA). Kirk, assim como suas organizações, foram os responsáveis em 2020 pela disseminação da narrativa de que as eleições dos EUA daquele ano, vencidas pelo democrata Joe Biden, teriam sido fraudadas. Mais tarde, em 6 de janeiro de 2021, apoiadores de Trump e extremistas de direita invadiram o Capitólio de Washington durante cerimônia de diplomação de Biden e outros eleitos.
Em outra semelhança com o Brasil, foi um dos responsáveis por difundir a ideia de que o então vice-presidente Mike Pence teria poder para barrar a certificação das eleições. Nas narrativas brasileiras, a “intervenção” nas eleições seria feita pelas Forças Armadas a partir de uma interpretação estapafúrdia do artigo 142 da Constituição popularizada pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, falecido há um ano.
Mas mais do que apenas ter encorajado as pessoas a compareceram ao comício pró-Trump naquela data, em especial ao afirmar ao vivo em seu programa de rádio que aquele seria “o dia mais importante, que irá determinar o futuro da República”, ele é apontado como um dos financiadores do ato. O próprio Kirk publicou em suas redes sociais que havia financiado 80 ônibus para Washington na data dos acontecimentos – a publicação, obviamente, foi apagada logo após o fracasso, em nova semelhança com os fascistas brasileiros.
De acordo com o TheWashington Post, grupos liderados por Kirk teriam recebido 1,25 milhão de dólares para financiar a Invasão do Capitólio. Um dos pagamentos teria ido para a então noiva do filho mais velho de Trump, Kimberly Guilfoyle. Quando chamado para depor no Congresso, Kirk manteve-se em silêncio.
Assim como Kirk, Bolsonaro também é investigado no Brasil, como um dos mentores e incentivadores dos ataques a Brasília de 8 de janeiro deste ano, que em muito se assemelham à Invasão do Capitólio. O ex-presidente não tem data para voltar ao Brasil e aparentemente encontrou seus pares do outro lado do mundo. Mas as afinidades não param por aqui.
Silencioso no Congresso, falastrão nas mídias
Entre as teorias da conspiração que Kirk costuma promover em suas redes sociais, programas de rádio, podcasts ou em declarações para a imprensa está o clássico “marxismo cultural”, onde descreve as universidades como “ilhas de totalitarismos”.
Em sua cruzada contra o que a extrema direita qualifica como “ideologia de gênero”, ele afirmou em 2015 durante o Fórum da Liberdade do Vale do Silício que tentou se inscrever na Academia Militar dos EUA, em West Point (Nova Iorque), mas acabou preterido por um candidato pior que estaria cumprindo cota de gênero. Dois anos depois, ao The New Yorker, disse se tratar de uma frase irônica e, em 2019, negou que tenha feito a fala.
Já em relação a questões de raça e racismo, o supremacista costuma pegar pesado. Seu principal discurso consiste em dizer que as políticas de imigração dos democratas têm como objetivo “escurecer” os Estados Unidos. Ele costuma ofender figuras públicas negras, como o fez com a ginasta Simone Biles durante as Olímpiadas de Tóquio, em 2021. Na ocasião Biles saiu antecipadamente da disputa pelo ouro olímpico e foi chamada de "vergonha nacional" e "sociopata" por Kirk.
Em seu programa de rádio, The Charlie Kirk Show, em setembro de 2021, incentivou ouvintes a criar uma “força cidadã” para deportar imigrantes haitianos. Logo em seguida empreendeu uma turnê de palestras ao longo do país chamada “Expondo o Racismo Crítico” [Exposing Critical Racism].
Em um dos primeiros eventos da turnê, ainda em outubro de 2021, chegou a afirmar que o jovem negro George Floyd, vítima de violência policial cuja morte desencadeou em 2020 o movimento Black Lives Matter, seria um “scumbag”: pessoa desprezível, escória.
O ex-presidente do Brasil, que chamava o povo de “maricas” enquanto morriam mais de 700 mil pessoas por Covid-19 por aqui, discursará ao lado deste sujeito dias depois da polícia norte-americana assassinar outro jovem negro, Tyre Nichols, em episódio brutal que chocou os EUA.
Para completar o pacote, e como não poderia deixar de ser, Kirk é um negacionista climático. Defende a exploração de combustíveis fósseis sem que haja qualquer freio ou contrapeso, além de difundir a narrativa de que a ação humana não incide sobre as mudanças climáticas.
*Com informações de Estadão, O Globo, The Washington Post, Newsweek e Wikipedia.