Lee Sun-Kyun, o ator sul-coreano que interpretou o rico empresário Park Dong-ik no filme “Parasita” (2020), vencedor do Oscar e maior sucesso da história do cinema no país asiático, deu fim à sua vida na manhã desta terça-feira (27). Seu corpo foi encontrado dentro de um carro, estacionado num parque na região central de Seul, chocando a todos.
Num primeiro momento, o que veio à tona, semanas antes do trágico desfecho, foi um suposto envolvimento de Lee com o uso de drogas, um ato punido de forma severa na Coreia do Sul. Mas os indícios recolhidos até o momento e as primeiras conclusões da Agência de Polícia Metropolitana de Incheon, cidade a 30 km da capital, revelam que o artista sucumbiu às humilhações e injustiças impostas contra ele, a começar pelas pessoas que o acusaram do consumo de entorpecentes, assim como as próprias autoridades que conduziram o caso.
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Na véspera de Natal, 24 de dezembro, Lee foi à sede da polícia em Incheon para prestar depoimento e permaneceu sendo interrogado de forma maçante por mais de 19 horas, o que é rigorosamente proibido pelas leis da Coreia do Sul. Lá, aliás, ninguém pode ser interrogado entre as 21h e as 6h, para que os direitos humanos elementares de qualquer suspeito, como o descanso e o sono, sejam preservados. Não foi o que ocorreu com o ator, que virou a madrugada repetindo as mesmas respostas que já havia dado. A Agência de Polícia Metropolitana de Incheon afirma que tomou tal atitude porque o artista concordou em seguir com a sessão de questionamentos.
O caso de Lee, a propósito, tem origem numa história muito estranha e os primeiros sinais que vêm das autoridades mostram que ele possivelmente estava sendo vítima de chantagistas. O intérprete de Park Dong-ik em “Parasita” frequentava uma espécie de bar no riquíssimo e luxuoso distrito de Gangnam, numa das áreas mais nobres de Seul, e foi lá que seu drama começou. As acusações de que ele havia usado maconha e outras drogas sintéticas surgiram justamente numa versão apresentada por uma recepcionista que teria convidado Lee para ir à casa dela. Em seguida, dizia a versão do ator, ela teria passado a chantageá-lo, afirmando que havia dado drogas sem seu consentimento, de maneira escondida, para “incriminá-lo”, já que o uso desse tipo de substância é um crime grave por lá.
A investigação, de fato, mostrou que a mulher estava tentando tirar dinheiro de Lee, visto que a Agência de Polícia Metropolitana de Incheon já havia pedido sua prisão preventiva por extorsão. Uma outra pessoa também foi presa na mesma diligência, envolvendo o caso de Lee, que insistia que não havia consumido nada, pelo menos que tivesse consciência. Seria então necessária a realização de testes.
E os testes foram feitos. Numa primeira etapa, foram usados reagentes para detecção mais rápida da presença de substâncias entorpecentes no sangue, com menos acurácia, e todos deram negativo. Num segundo momento, em testes mais precisos e demorados, com sangue colhido semanas antes do interrogatório, o resultado também foi negativo. Lee não havia usado nada.
O calvário do célebre sul-coreano só aumentava, à medida que fazia aparições públicas, especialmente quando comparecia à delegacia, e era forçado a enfrentar a imprensa. Sempre dois ou três homens seguravam uma bandeja com dezenas de microfones e gravadores à frente do artista, que tinha, de forma humilhante, que ficar negando um conduta "criminosa" e repetindo sua inocência.
As semanas de pesadelo de Lee só serviram para que o ator fosse afundando cada vez mais em termos de saúde mental. O massacre moralista de boa parte da imprensa e da sociedade civil já trazia problemas para a carreira do artista. Seus advogados, tentando pôr um ponto final na história, provando que ele era alvo de uma farsa chantagista, pediram testes de polígrafo com seu cliente e com a recepcionista que o acusava. Mas não houve tempo, Lee pôs termo a tudo nesta manhã.