ARGENTINA

Como a eleição de Milei impacta o Brasil, os BRICS e o Mercosul

Do turismo à paralisação do Mercosul, Milei atrapalha avanços brasileiros em nível internacional

O argentino Milei promete causar problemas para a relação entre Brasil e ArgentinaCréditos: Reprodução/Redes Sociais
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O ultradireitista Javier Milei ganhou as eleições na Argentina. Uma de suas promessas era de cortar relações com países governados por partidos de esquerda, como o Brasil de Lula.

Conversamos com Rita Coitinho, socióloga, doutora em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), integrante do Conselho Consultivo do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e autora do livro "Entre duas Américas - EUA ou América Latina?".

Na visão de Coitinho, um possível engessamento da política argentina pode trazer dificuldades para a economia brasileira. "Os argentinos deverão assistir a um novo ataque às garantias trabalhistas e de pensões, isso é certo, estava no programa de Milei e coincide com a agenda do governo Macri. O que não significa que não haverá resistência", afirma a socióloga à Fórum.

"Para o Brasil, um aprofundamento da crise econômica argentina é sempre preocupante, tanto pela complementaridade que nossas economias têm em alguns setores (especialmente os setores automotivo, agrícola e de peças e autope??as, além do turismo, que é particularmente importante para o litoral catarinense) quanto pelos impactos que isso gera nos fluxos migratórios, nas articulações dos blocos regionais", confirma.

Mercosul

Se o Mercosul já é considerado um bloco engessado, a entrada de Milei não facilita as negociações dentro da zona econômica e sua expansão ao redor da América Latina.

Milei chegou a dizer que sairia do Mercosul, mas um Brexit portenho não é plausível nem para o ultradireitista. "No início da campanha ele dizia que sairia do Mercosul, mas alguma pressão interna, de setores econômicos argentinos, certamente, fizeram com que suavizasse essa tônica no segundo turno. Não acho provável uma saída da Argentina do Mercosul, porque o Mercosul é importante na balança comercial argentina, e tem ainda os fundos (como o FOCEN) e os acordos relativos à mobilidade de pessoas nas fronteiras etc. Uma saída intempestiva do bloco criaria uma situação caótica na região", explica Coitinho.

Porém, dentro do bloco, devem acontecer mudanças que dificultam as negociações da agenda do Mercosul. "A tendência é que Milei crie obstáculos para avanços na agenda, dificulte o processo de entrada da Bolívia e de retorno da Venezuela, essas coisas que já vimos acontecer no governo Macri e no governo Bolsonaro no Brasil. Deve querer questionar também as atuais tabelas de tributos, ampliar as listas de exceção, fazer essas quedas-de-braço que tanto paralisaram e vão paralisar ainda mais o bloco", completa a analista.

BRICS e EUA

O governo brasileiro se esforçou ao longo deste ano para incluir a Argentina nos BRICS, colocando a segunda maior economia da América do Sul para dentro do bloco econômico que busca realinhar a ordem de poder global.

O problema é que Milei afirmou que não deseja entrar no bloco e deve recusar a entrada da Argentina no grupo. Mas o avanço do bloco não será freado pela ausência da Casa Rosada na composição.

"Poderia ser interessante a participação da Argentina no BRICS, mas o BRICS não depende da Argentina para existir. O BRICS é um projeto de longo alcance, tem muitas nuances, pode vir a ser uma ferramenta importante na obtenção de investimentos, especialmente em infraestrutura, mas não apenas. Mas é também uma ferramenta de luta por espaços de poder, de reforma no sistema internacional. É algo de longo prazo.", afirma.

Porém, a certeza é que os EUA se beneficiam com a vitória do ultradireitista em solo argentino, que desarticula uma possível união entre Brasília e Buenos Aires.

"Os EUA ganham o que sempre perseguiram quanto o tema é Brasil e Argentina: desunião entre os dois “gigantes” do subcontinente. Criar ou incentivar dificuldades de relação entre os dois países tem sido a tônica da política externa dos EUA para a região desde pelo menos a criação da Organização dos Estados Americanos em 1898 e isso foi se intensificando ao longo do século XX", completa.