Em 2018, quando Rio e Brasil elegiam governador e presidente Wilson Witzel e Jair Bolsonaro, era publicada uma entrevista com Jorge Melguizo, secretário da Cultura Cidadã, de 2005 a 2009, e do Desenvolvimento Social, entre 2009 e 2010, de Medellín, Colômbia.
A cidade, conhecida graças ao maior narcotraficante da época, Pablo Escobar, e ao famoso Cartel de Medellin tinha um dos piores índices de violência do mundo.
As armas que Medellin usou para diminuir essa violência não tiveram nada a ver com o "tiro na cabecinha" defendido por Witzel nem com mais armas, mais polícia e até com a utilização das Forças Armadas, como acontecera na intervenção no estado do Rio sob comando de Braga Netto.
- Para combater a violência, o município aumentou o investimento em cultura de 0,6% para 5% do orçamento anual e, em educação, de 12% para 40%.
Educação e cultura foram as armas utilizadas por Jorge Melguizo e sua equipe. Os índices de violência caíram 95%. O número de assassinatos por 100 mil habitantes caiu de 382 para 39.
No entanto, até hoje, mesmo com a experiência exitosa de Medellin, a resposta à insegurança pública no Brasil costuma estar associada a mais polícia, mais repressão.
A seguir, a entrevista de Melguizo, inclusive comentando algumas práticas utilizadas em Medellin, que foram copiadas em parte no Rio de Janeiro da época de Sergio Cabral.
Nesses tempos de novos planos de "enfrentamento à violência no Rio", vale a reflexão.
Alguma outra cidade conseguiu êxito inspirando-se em Medellín?
Sim, mas há um problema. As cidades tomam apenas como referência o que temos feito, mas não como temos feito. Eu creio que o teleférico da Favela do Alemão [há anos desativado], no Rio, teve como referência Medellín, mas só copiaram o que fizemos. Faltou um projeto urbano integral de construção social. Ou o parque-biblioteca de Manguinhos, também no Rio, que fracassou. Por que fracassou? Porque o parque-biblioteca chegou como se fosse um meteorito caído no bairro, não como um processo social construído com paciência.
Como se dá essa construção?
Esse trabalho de engenharia social necessita de três coisas: 1. Conhecimento profundo do território e das pessoas. 2. Muitíssima paciência para entender os ritmos da comunidade e somar-se a ela. 3. Muita delicadeza. É preciso acariciar, ser delicado, ser terno com o território. São as mesmas três condições necessárias para se desativar um explosivo. O pior que pode acontecer é desativar um explosivo sem delicadeza, paciência ou conhecimento.
O termo segurança é pesado, não parece sinônimo de paz. Segurança requer carga de belicismo e força polícia. Seu projeto em Medellín trabalhou isso de que forma?
Houve investimento em segurança também, mas isso correspondeu a 10% ou 15% do resultado final. 90% não passava pela polícia. Fizemos um trabalho de articulação com universidades, empresas privadas, ONGs e lideranças de bairros. O conceito é simples: esses bairros chamados de bairros violentos não são violentos, mas violentados. Não são bairros culpados, mas vítimas. Ao assumi-los assim, eles necessitam de um abraço da sociedade e não da dupla violência que se produz com operações militares. A militarização de um território é uma dupla vitimização que gera mais problemas do que soluções. Quando fizeram a jornada de pacificação com a entrada de dois mil soldados em uma favela do Rio, escrevi: ‘Por que não entram dois mil professores? Por que não sobem o morro dois mil gestores culturais, dois mil técnicos de esportes, dois mil cidadãos em vez de dois mil soldados?’ Quando leio nos jornais brasileiros que o governador do Rio [Witzel, na época] diz que é preciso disparar para matar um jovem se ele estiver armado penso que isso é impor a pena de morte. Um jovem com arma é um perigo tremendo, mas mais perigoso é um governador que pede a morte sem julgamento para esta pessoa.
Como conseguiu convencer as autoridades, seus superiores, de que era necessário investir em cultura quando não havia nada?
Em 2004, o investimento em Cultura da cidade equivalia a 0,6%. Um ano depois, eram 5%. Em educação, passou de 12% para 40%. Mas foi uma ação coletiva. Nós vínhamos de processos sociais por 15 anos em Medellín e o que fizemos foi mostrar o que havia dado certo. Entendemos a cidade como um laboratório social, educativo e urbano e que tínhamos de construir respostas distintas para cada território. Cada bairro se comporta de uma maneira. Medellín é hoje 95% menos violento do que era há 20 anos.
A importância da Cultura
O Ministério da Cultura do Brasil será unido a outros dois, Esportes e Educação [início do governo Bolsonaro]. Não seria o momento de o setor cultural brasileiro romper com o estado e criar uma estrutura independente de financiamento e organização cultural criativa? É possível sem o Estado?
Não, não é possível. Eu sempre digo que parte do que mostra Medellín foi um avanço paralelo equilibrando o fortalecimento das instituições e o aprimoramento da cidadania. Uma sociedade só avança quando tem instituições e cidadania fortes. Se há mais instituição que cidadania ou vice versa, há um desequilíbrio tremendo. Mas cabe aqui uma suspeita: por que reduzir o valor simbólico da Cultura? O que há por trás dessa decisão? Qual o medo que podem ter da educação e da cultura? São elementos de transformação que podem significar perigo para um governante determinado.
Levar cultura às regiões carentes parece uma forma ultrapassada de pensar gestão cultural. A cultura já está lá, não?
Não levamos cultura na Colômbia. O que fizemos foi reconhecer e valorizar o que havia nas regiões. Criamos os parques-bibliotecas com uma rede relacionada com organismos nas periferias. Um centro foi criado pela comunidade em um bairro de violência. A comunidade desenhou um projeto de centro cultural e um grupo de empresários financiou os custos do centro com 2,8 milhões de dólares. São 1,5 mil de pessoas ali por dia não só do bairro, mas também da cidade. E nesse bairro fizemos muitas intervenções. Há um ano, três jovens rappers do bairro estavam indicados ao Grammy Latino em Los Angeles e eu chorava os vendo na TV. Nós não inventamos esses garotos, eles já estavam lá. O que fizemos foi reconhecê-los.
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