A Faixa de Gaza, uma das regiões mais densamente povoadas do planeta, enfrenta impactos devastadores de conflitos armados, especialmente sobre sua população infantil. Com aproximadamente seis mil habitantes por quilômetro quadrado, em comparação com os 23 no Brasil, e uma proporção elevada de crianças, representando 40% da população, a região é extremamente vulnerável aos efeitos de uma guerra.
Nesta sexta-feira (13), a Unicef, agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para a infância, divulgou comunicado à imprensa no qual pede um cessar-fogo imediato, já que 1,1 milhão de pessoas, quase a metade delas crianças, receberam avisos para se retirar, antes do que se espera ser um grande ataque militar.
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Já nesta sexta, segundo a Unicef, centenas de milhares de crianças e suas famílias começaram a fugir do norte de Gaza antecipando-se a ataques em larga escala iminentes. Isso segue dias de bombardeios em Gaza após os brutais ataques de 7 de outubro, quando houve uma escalada do conflito que já deixou centenas de crianças supostamente foram mortas e milhares ficaram feridas.
Crianças e famílias em Gaza praticamente ficaram sem alimentos, água, eletricidade, medicamentos e acesso seguro a hospitais, após dias de hostilidades e bloqueios em todas as rotas de abastecimento.
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A diretora executiva da Unicef, Catherine Russell, alertou para a falta de segurança em Gaza durante o deslocamento massivo de pessoas.
A situação é catastrófica, com bombardeios incessantes e um aumento massivo no deslocamento de crianças e famílias. Não há lugares seguros. Um cessar-fogo imediato e o acesso humanitário são as principais prioridades para permitir a ajuda tão necessária às crianças e famílias em Gaza. Precisamos de uma pausa humanitária imediata para garantir acesso desimpedido e seguro às crianças necessitadas, não importa quem sejam ou onde estejam. Existem regras de guerra. As crianças em Gaza precisam de apoio para salvar vidas, e cada minuto é importante."
Casas e infraestrutura crítica estão em ruínas, e mais de 423 mil pessoas já fugiram de suas casas. Algumas buscaram abrigo em escolas ou hospitais, sendo que algumas escolas foram danificadas em ataques. Os dois principais hospitais de Gaza, que já estão sem combustível e lotados de civis feridos, também foram avisados para transferir pacientes e funcionários para o sul em apenas algumas horas.
Neste momento, praticamente não há saída de Gaza para a população civil.
A equipe da Unicef continuou a responder às necessidades críticas das crianças em toda a Faixa de Gaza, mas o acesso está se tornando cada vez mais difícil e perigoso. Humanitários também foram avisados para sair da cidade de Gaza, mas a equipe da agência das Nações Unidas para a infância permanecerá no sul de Gaza para continuar a prestar apoio às crianças necessitadas.
A Unicef distribuiu quase todos os seus suprimentos pré-posicionados e trabalhou para manter a única usina de dessalinização em funcionamento em toda a Faixa de Gaza em capacidade muito reduzida. A usina fornece água potável segura para 75 mil pessoas, mas, sem combustível, ela poderá parar em breve. Suprimentos médicos e medicamentos também foram fornecidos aos hospitais, mas, devido ao número de feridos, camas hospitalares e medicamentos essenciais, incluindo anestésicos, estão se esgotando rapidamente.
Russel destaca a importância de garantir a segurança da população infantil em Gaza.
Uma criança é uma criança. Crianças em todos os lugares devem ser protegidas o tempo todo e nunca devem ser alvo de ataques. Ressaltamos o apelo do Secretário-Geral das Nações Unidas para revogar a ordem de mais de um milhão de civis palestinos de deixar o norte de Gaza e tomar todas as medidas possíveis para garantir a segurança e a proteção deles. Toda criança merece nada menos que isso.
Escalada dos conflitos
Nos últimos 16 anos, de janeiro de 2008 a setembro passado (antes do início da guerra atual no Oriente Médio), os conflitos entre palestinos e israelenses resultaram na morte de mais de 5.300 pessoas na Faixa de Gaza, de acordo com dados da ONU. Desse total, mais de 1.200, ou seja, 23%, eram crianças.
Os números da atual guerra entre Tel Aviv e o Hamas, a facção armada que governa Gaza, são ainda mais alarmantes. Em menos de uma semana, aproximadamente 1.900 pessoas perderam a vida na região, das quais 614, ou 33%, eram crianças, conforme relatado pelo Ministério da Saúde palestino nesta sexta.
Ricardo Pires, porta-voz do Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, em Nova York, enfatiza que, em qualquer conflito, as crianças são as que mais sofrem. À medida que as casas são destruídas, as crianças testemunham o trauma da guerra, deixando marcas profundas que podem afetar seu desenvolvimento por décadas.
Gaza não é uma exceção nesse sentido, já que todos os conflitos armados têm impactos sérios na infância. No entanto, a região apresenta agravantes devido à sua estrutura demográfica jovem e à infraestrutura deficiente. Com apenas metade de sua demanda de eletricidade atendida e enfrentando um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo imposto por Tel Aviv, Gaza sofre com a falta de eletricidade, afetando até mesmo hospitais com unidades de tratamento intensivo.
De acordo com o Unicef, desde 2008, foram identificadas 816 mil crianças que necessitam de atendimento de saúde mental devido aos efeitos do conflito na região.
Pires enfatiza a necessidade de acabar com a matança de crianças e reunir imediatamente as crianças israelenses mantidas reféns pelo Hamas. Ele argumenta que a compaixão e o direito internacional devem prevalecer.
Crianças palestinas e israelenses são vítimas
Do lado israelense, crianças também são vítimas do conflito prolongado com os palestinos, embora o governo de Tel Aviv não tenha divulgado números específicos de crianças entre suas vítimas. No entanto, de acordo com a ONU, desde 2008, antes do início da guerra atual, 25 crianças em Israel morreram como resultado direto das hostilidades.
A Faixa de Gaza, que foi densamente povoada após a formação do Estado de Israel em 1948, tornou-se o lar de campos de refugiados palestinos desde então, com pelo menos oito desses campos em toda a região, abrigando cerca de 1,5 milhão de pessoas no total.
A região, que atualmente tem uma população de 2,2 milhões de pessoas, também tem uma alta taxa de fecundidade, com uma média de 3,3 nascidos vivos por mulher, em comparação com a média global de 2,3.
Pires observa que, cada vez mais, as crianças estão sofrendo as consequências dos conflitos, e a situação no Oriente Médio é ainda mais complexa do que em outras regiões. Ele destaca que, ao contrário da Ucrânia, onde várias nações vizinhas abriram suas fronteiras para refugiados ucranianos, Gaza não teve essa sorte, e as negociações para estabelecer um corredor humanitário para a retirada de civis estão bloqueadas.
Na Guerra da Ucrânia, que já dura mais de dois anos e meio, pelo menos 1.741 crianças morreram, segundo o Unicef, e 4,1 milhões de crianças precisam de ajuda humanitária dentro do país.
Este conflito também trouxe a questão da infância para o centro do debate em março passado, quando o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, alegando ser responsável pela deportação de crianças ucranianas de áreas ocupadas por Moscou no país vizinho.
Ricardo Pires lembra que as crianças são as mais afetadas em conflitos em toda a África, um continente predominantemente jovem, com altas taxas de fecundidade em muitos países, especialmente na região subsaariana. No Sudão, que está atualmente em guerra civil, metade da população tem menos de 18 anos.