TRÁFICO DE MULHERES

Mamãe falei não está sozinho: a exploração sexual no Leste Europeu

Lançado em 2010, filme retrata a história real de uma agente que descobre rede internacional de tráfico de mulheres que atuava com o conhecimento da ONU

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O Brasil e muitos países estrangeiros ainda estão chocados com os áudios vazados de uma conversa do deputado Arthur do Val (Podemos-SP), que também é conhecido como Mamãe Falei, onde ele retrata de maneira sexista as mulheres que vivem nas regiões fronteiriças da Ucrânia. 

"Elas olham. Vou te dizer, elas são fáceis porque elas são pobres. Aqui, cara, minha carta do Instagram, cheia de inscritos, funciona demais. Funciona demais. Depois eu conto a história. Nossa velho! Não peguei ninguém, mas colei em duas minas, que a gente não tinha tempo", diz um trecho do áudio. 

No áudio atribuído ao parlamentar ainda é feita uma comparação entre as filas de refugiadas ucranianas, que só teriam "deusas", e as filas de baladas em São Paulo. 

"Você tem que ir para as cidades normais, porque você pega as minas assim, não na balada, na praia. Você pega ela no mercado. Você pega ela na padaria. Que nem a recepcionista do hotel que deu em cima de mim aqui (...) E eu nem peguei ninguém aqui. Só a sensação de que eu poderia fazer, enfim, já sabem. Já estou comprando minha passagem pro Leste Europeu no ano que vem. Assim que eu chegar em São Paulo”, diz ainda, sugerindo turismo sexual. 

Exploração das mulheres no Leste Europeu 

A miséria humana não tem limites e, infelizmente, Mamãe Falei não está sozinho na prática da exploração sexual de mulheres que vivem nas regiões fronteiriças dos países do Leste Europeu. Pelo contrário, na década de 1990 um grande escândalo se abateu sobre a ONU, pois, agentes da organização estavam envolvidos em um escândalo de exploração sexual na região que hoje vive uma nova guerra. 

Essa história é contada no filme “A Informante”, lançado em 2010 e estrelado por Rachel Weisz, que dá vida a agente da ONU Kathryn Bolkovac, que aceita um convite para trabalhar com a Polícia Internacional das Nações Unidas na Bósnia pós-guerra em uma empresa britânica chamada DynCorp International. 

Após o sucesso de seu primeiro trabalho, Kathryn se torna a responsável pelo departamento que cuida das questões relacionadas à gênero da ONU. Ao tomar contato com uma jovem ucraniana, que havia sido transformada em escrava sexual por uma quadrilha internacional de tráfico de mulheres, a agente descobre, a partir de interrogatório com a jovem ucraniana que outras garotas viviam sob a mesma condição. E pior: a ONU sabia de tudo. 

Ao contrário do cenário de "empolgação" descrito pelo deputado Arthur do Val, o filme, que é dirigido por Larysa Kondrack, nos revela um cenário de profunda degradação humana onde jovens garotas são transformadas em escravas sexuais e que, geralmente, pagam com as suas vidas quando tentam escapar de tal situação. 

A produção do roteiro do filme contou com a consultoria da própria Kathryn Bolkovac, ou seja, as cenas deprimentes apresentadas no longa não são "para chocar", mas sim a realidade de algumas regiões do Leste Europeu. 

"A informante" não é um filme fácil e nem leve, principalmente quando sabemos que a empresa de segurança que prestava serviços para a ONU e que foi denunciada por Kathryn Bolkovac prestou serviço para os EUA no Iraque e no Afeganistaão e fechou contratos bilionários. 

Alto escalão da ONU sabia de tudo 

Em 2016, Kathryn Bolkovac deu uma entrevista ao DW e afirmou que a "ONU acobertou casos de abuso sexual por capacetes azuis" e que ela não "acredita em mudanças na conduta da organização". 

Na mesma entrevista, Kathryn Bolkovac faz um relato do que encontrou na Bósnia e que serviu de base para o roteiro do filme.

 "Houve muitos casos, mas nunca foram levados a julgamento. Moças da Romênia, Ucrânia, Moldávia e outros países do Leste Europeu eram trazidas para servir à ONU e às bases militares como escravas sexuais. Os casos envolveram oficiais de diversos países, incluindo os Estados Unidos, Paquistão, Alemanha, Romênia e Ucrânia, contratados do governo e membros do crime organizado local. Os investigadores de direitos humanos nunca tiveram permissão para investigar plenamente, os suspeitos foram logo removidos da missão ou transferidos para outras. As jovens foram simplesmente enviadas de volta aos países de origem", relata a ex-agente da ONU. 

 

Questionada se o alto escalão da ONU tinha ciência dos casos de tráfico sexual, Bolkovac é enfática. "Certamente sim, porque eu submeti os meus relatórios a eles, assim como ao órgão de supervisão administrativa. Isso foi bem documentado. Muitos altos funcionários estavam sabendo, até mesmo Jacques Klein, o coordenador da missão da ONU na Bósnia", revela. 

Bolkovac também revela que a empresa contratada pela ONU e denunciada por tráfico de mulheres não sofreu sanções e ficou ainda maior. "Não, não sofreu [desvantagem em negócios]. A ONU continua a trabalhar com ela, o governo dos Estados Unidos também. A DynCorp ficou cada vez maior, a cada ano", lamenta. 

O filme “A Informante” está disponível para alugar no Youtube ou para assinantes da Prime Video (Amazon).