PASSADO E PRESENTE

O que foi a Crise do Petróleo e qual a semelhança com o cenário atual da guerra na Ucrânia

Marco histórico na economia, acontecimentos dos anos 1970 impactaram o mundo. Agora, a guerra desencadeada pela Rússia na Ucrânia ameaça a todos e os preços já estão explodindo

Agência Anadolu (Reprodução).
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Diante dos desdobramentos da guerra iniciada pela Rússia ao invadir a Ucrânia, uma avalanche de sanções e consequências econômicas estremeceu o mundo. Expressões como “Guerra Fria”, “superpotências” e “arsenal nuclear” ressuscitaram da velha caixa mofada onde repousavam há mais de três décadas, desde o fim da União Soviética e da queda do Muro de Berlim. Agora, com o boicote liderado pelos norte-americanos contra os recursos naturais da Rússia, outra expressão do passado volta à baila: “Crise do Petróleo”.

Sequência de acontecimentos que remontam os anos de 1970, a expressão genérica “Crise do Petróleo” deve ser entendida como as mudanças empreendidas pelas nações produtoras de petróleo em relação aos preços e à oferta desse produto.

De forma mais detalhada, o historiador Marcelo Cardoso da Silva, formando na Universidade Estadual Paulista (UNESP) e atuando na docência há mais de 20 anos, cita a sequência de eventos que fizeram com que o preço do “ouro negro” quadruplicasse, colocando o mundo como refém de homens que passaram a supervalorizar este recurso depois da descoberta científica de que ele não era renovável, portanto, finito.

“A primeira crise do petróleo, chamada também de primeiro Choque do Petróleo, ocorreu em 1973, devido ao apoio dos Estados Unidos ao Estado de Israel na Guerra do Yom Kippur. Foi uma das primeiras vezes que os países produtores de petróleo, na sua maioria árabes, se uniram para forçar politicamente o mundo diante da mentalidade expansionista dos israelenses. Para termos uma ideia do impacto, o barril de petróleo foi de US$ 3 para US$ 12 dólares. Já o Segundo choque, ou crise de 1979, está relacionado com os problemas iranianos desencadeados pela deposição do xá Reza Pahlevi, quando ocorre a revolução de cunho islâmico liderada pelo aiatolá Khomeini. Neste caso, temos novamente a presença dos Estados Unidos na situação, apoiando o monarca deposto, mas o real motivo da crise foi a total transformação social e política do país que atingiu profundamente a estrutura produtora de petróleo depois da revolução. Novamente houve um salto monstruoso no preço do barril de petróleo, de cerca de US$ 13 para US$ 34 dólares”, explicou Cardoso.

Naturalmente, uma transformação tão profunda nos valores praticados e na disponibilidade do petróleo, num mundo totalmente dependente deste recurso, trouxe impactos violentos planeta afora. O historiador cita alguns exemplos de como a Crise do Petróleo golpeou de forma dura o Ocidente, incluindo aí o Brasil. Não faltaram iniciativas para alterar a matriz energética das nações.

“Eu costumo falar para os alunos que ocorreu uma transformação até mesmo no tamanho dos carros. Quem gosta de filmes, principalmente os estadunidenses, nota que aqueles grandes e potentes automóveis viram carros menores e compactos, demonstrando que o combustível virou um problema para os países ricos. Agora, imagine para os pobres. Podemos ainda falar da corrida dos países por energias diferentes, para não ficarem mais dependentes dos países da Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo), que historicamente são bastante volúveis e difíceis de serem controlados. No Brasil, tivemos uma iniciativa importante, que foi o Proálcool, um projeto feito pelo governo militar que visava reduzir a pressão do preço dos combustíveis na balança comercial do país. No entanto, o Proálcool, embora importante, fracassou devido aos problemas que se apresentaram em outras áreas, como o aumento da dívida pública, gerada pelos superfinanciamentos aos produtores, que por sua vez aumentou o latifúndio no país e, na mesma esteira, ainda foi responsável pelo aumento do preço de vários produtos alimentícios”, contextualizou o professor.

Agora, quase 50 depois, a decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia faz o petróleo disparar de maneira explosiva de novo. É bem verdade que o problema é um pouco diferente, sem o envolvimento dos países árabes em questões locais, mas as sanções econômicas impostas pelos EUA e a União Europeia e a estratégia do mandatário de Moscou de usar o gás e petróleo russos como barganha para amenizar as punições impostas pelo Ocidente, devem desenhar um cenário relativamente semelhante ao da Crise do Petróleo.

“Se traçarmos um paralelo com a situação atual, podemos notar que estamos muito próximos da situação que estávamos nos anos 70 e 80. A dependência externa cresceu muito, mesmo com os grandes investimentos nas duas décadas anteriores, houve um desmonte na produção petrolífera nacional, passando as jazidas para as empresas internacionais que produzem dentro do território, mas nos vendem em dólar e de acordo com a situação do mercado internacional. Com o desmonte não temos reservas ou mesmo estrutura para nos protegermos dos aumentos de preços, assim como nas décadas de 70 e 80, deixando nossa balança comercial absolutamente vulnerável e gerando pobreza e miséria interna. Importante lembrar que a Crise do Petróleo foi responsável em grande parte pelo o estremecimento da base de apoio popular à Ditadura Militar”, comparou.

Sobre uma esperança de que o Brasil consiga dirimir a violenta onda de inflação do petróleo, atenuando a perceptível onda avassaladora que se avizinha no horizonte, Cardoso pensa que será difícil. O país se colocou numa condição muito vulnerável nesse mise-en-scène.

“Não vejo muita saída. Esse projeto energético que temos no Brasil foi muito bem amarrado, criou-se uma estrutura de dependência que vai ser difícil sair. Penso que apenas com um grande esforço político para enfrentar grupos poderosos que se apropriaram das riquezas do Brasil poderíamos tentar reverter o que vem por aí”, concluiu o historiador.