Sem qualquer papel definido e com uma agenda dita “comercial”, o presidente Jair Bolsonaro (PL) desembarca nesta segunda-feira (14) na Rússia, que vive momento de alta tensão diplomática com os EUA que, por meio do presidente Joe Biden, tem dito insistentemente que a Ucrânia pode ser invadida a qualquer momento pelas tropas russas, o que o ocupante do Kremlin, o presidente Vladimir Putin, nega e afirma se tratar de "histeria" estadunidense.
O presidente brasileiro foi aconselhado a cancelar ou adiar a sua viagem à Rússia, mas optou por manter a sua ida ao país. Bolsonaro ficará em Moscou até quinta-feira (17), quando visitará o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, governante de extrema direita com quem Bolsonaro tem forte identificação ideológica.
Questionado sobre os motivos de sua viagem à Rússia, Bolsonaro declarou que ela terá como foco o comércio e que não irá tratar do conflito com a Ucrânia.
O encontro entre Bolsonaro e Putin deve acontecer nesta quarta-feira (16), no Kremlin, sede do governo russo. Para a realização da reunião, o presidente e toda a comitiva brasileira será submetida a um rígido esquema de controle sanitário e todos terão de realizar até 5 testes do tipo RT-PCR para saber se estão negativados para o coronavírus.
Bolsonaro: Política internacional nula
A viagem de Bolsonaro à Rússia levantou algumas questões, entre elas, se o Brasil pode ser visto como um aliado do governo russo e se isso poderia trazer danos diplomáticos e econômicos ao país.
Para o professor e pesquisador de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Reginaldo Nasser, a viagem do presidente brasileiro à Rússia deve passar "despercebida".
"O Bolsonaro e a sua atuação na política internacional é praticamente nula, quando não negativa e desastrosa. Portanto eu acredito que isso não vai ter repercussão nenhuma, nem positiva nem negativa, ninguém vai olhar para o Brasil, que nesse caso é carta fora do baralho. Não vai ter grandes repercussões dessa viagem do presidente Bolsonaro e ainda vai acabar passando desapercebido", diz Nasser.
O professor também afirma que, qualquer país que não seja uma grande potência, "entrar num assunto desse, em uma crise dessa, que são as chamadas 'grandes questões da política internacional', é muito difícil contar algumas coisa, isso é raro".
"Eu destacaria aqui uma raridade: durante o governo do ex-presidente Lula (2002-10), quando ele e o presidente da Turquia, Erdogan fizeram uma proposta de acordo para o Irã, para resolver o chamado 'problema nuclear do Irã'. Naquele momento poderia haver, inclusive, um ataque ao Irã por parte dos EUA. Embora o acordo não tenha sido levado adiante, é consenso no mundo a importância que teve o Brasil com a liderança do Lula e do Erdogan. Isso não existe mais no Brasil", destaca Nasser.
Rússia e EUA: guerra de informações
A tensão entre os EUA e a Rússia envolve a inclusão da Ucrânia na OTAN, que fez tal proposta, pela primeira vez, em 2008. À época, França e Alemanha se colocaram contra a proposta e afirmaram que isso seria tensionar demais com os russos.
Neste momento, o presidente da França, Emmanuel Macron tem se colocado como um intermediador entre EUA e Rússia e tem afirmado que o presidente Putin não está interessado em anexar a Ucrânia e que também não busca invadir o país, mas que o líder russo se coloca contra a inclusão da Ucrânia na OTAN.
Enquanto o conflito não se resolve, parte da imprensa ocidental alimenta a narrativa de "uma guerra iminente". O senador Bernie Sanders utilizou a tribunal na semana passada para denunciar o que chama de "guerra de narrativas" e alertou que isso pode fazer com o que o presidente russo mude de postura.
Além disso, Sanders afirmou que o argumento da Rússia, de "manter a segurança de seu país vizinho" não está equivocado e questionou: "alguém acredita que os EUA não teriam nada a dizer caso, por exemplo, o México formasse uma aliança militar com um adversário da América?".
Nasser segue uma linha de raciocínio semelhante à de Sanders no que diz respeito a uma guerra de informação em curso.
"Há um disparate muito grande entre as notícias, os discursos e as narrativas que vem dos EUA e de parte dos meios europeus e de outros, que vem lá da Rússia e da própria Ucrânia. Essa coisa de invadir a Ucrânia foi algo criado aqui, parte dos EUA e da grande mídia Ocidental", analisa Nasser.
O professor também afiram que Biden busca mostrar força em um momento em que o seu governo enfrenta baixa popularidade.
"Houve uma grande movimentação de tropas da Rússia em novembro e ficou nisso. De lá pra cá, isso cresceu muito , e o presidente Biden, em um momento muito complicado, devido a sua baixa popularidade nos EUA, também querendo mostrar que os EUA são forte, que é capaz de enfrentar outros poderes, e devido ao fracasso do Afeganistão, quis levantar a bola nessa questão", diz Nasser.
Apesar da tensão entre EUA e Rússia, o professor Reginaldo Nasser acredita que a possibilidade uma guerra entre as duas potências "é praticamente nula". "Não quer dizer que não possa haver alguns confrontos no estilo que houve em 2014 e 2015, que a gente chama de 'guerras patrocinadas': os EUA estão jogando armas lá na Ucrânia".
Há um outro fator pouco comentado e o que o professor comenta que é o fato da Ucrânia estar dividida. "E é bom lembrar que a Ucrânia está dividida, porque a região de Donbass, que fica no Leste da Ucrânia, e tem uma identidade muito forte com a Rússia, que tem grupos étnicos russos muito grande, em grande quantidade e desejam autonomia da Ucrânia e esses grupos podem, como aconteceu, receberem apoio da Rússia. Mas uma invasão e uma guerra é muito improvável", analisa.