Ex-ministra da Comunicação da Venezuela critica Twitter após suspensão de conta da Assembleia Nacional

Em entrevista exclusiva, a deputada Tania Diaz comenta sobre as diversas suspensões de contas oficiais venezuelanas promovidas pela plataforma, fala em "guerra multimodal" contra o país e questiona derrubada das redes sociais de Donald Trump

Foto: Reprodução/Twitter/ Jorge Rodríguez
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Horas após a Assembleia Nacional da Venezuela eleita em dezembro de 2020 criar uma conta no Twitter para difundir informações sobre sua atuação, a rede social decidiu suspender o perfil alegando que ele violou as Regras do Twitter, sem determinar quais.

Enquanto a assembleia eleita no último pleito perde seu direito de participar da plataforma, a legislatura anterior da AN - que teve o mandato encerrado em janeiro e respalda o ex-deputado oposicionista Juan Guaidó - segue com um perfil verificado na rede social.

A nova legislatura, empossada no dia 5 de janeiro, é formada majoritariamente por parlamentares do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), legenda do presidente Nicolás Maduro. O presidente da casa legislativa é o chavista Jorge Rodríguez, ex-ministro da Comunicação de Maduro.

A Fórum entrevistou a deputada Tania Díaz para comentar sobre essa questão. Díaz é jornalista e ocupou o Ministério da Informação e Comunicação por um curto período em 2010, durante o governo do ex-presidente Hugo Chávez. Antes, comandou a emissora estatal Venezolana de Televisión (VTV).

Atualmente, além de deputada, ela exerce a função de vice-presidenta de Agitação, Propaganda e Comunicação do PSUV.

Tania Diaz | Foto: Correo Del Orrinoco

A parlamentar afirmou que não pode comentar sobre os detalhes dessa suspensão, que ainda está sob investigação, mas alertou para o histórico da rede social contra representantes do chavismo e informou que a equipe de comunicação da AN já está buscando a retomada da conta.

"Estamos investigando a ação e a reação que a primeira mensagem do perfil gerou para entender a posição do Twitter, mas essa situação não é nem um pouco estranha para os porta-vozes da Revolução Bolivariana", afirmou.

Díaz cita a restrição das contas da vice-presidenta Delcy Rodríguez - tanto a pessoal quanto a da Vice-Presidência - em março de 2020. Naquela altura, Rodríguez era a presidenta da Comissão Presidencial do Combate à Covid-19. Não houve nenhuma justificativa para a restrição.

Mesmo antes da pandemia, o governo da Venezuela já vinha denunciando episódios de censura promovidos pelo Twitter. Em janeiro do último ano, contas do Banco Central, da Guarda Nacional Bolivariana, da Aviação Nacional, do Comando Estratégico Operacional da Força Armada Nacional Bolivariana (Ceofanb), do Ministério de Finanças e da Imprensa Presidencial sofreram bloqueio, conforme apontou o Correo Del Orrinoco, jornal estatal. O Ministério Público também sofreu bloqueio em abril em razão de uma postagem sobre a situação jurídica de Juan Guaidó.

Segundo Díaz, a Venezuela está sempre alerta com o comportamento do Twitter. "Como somos uma Revolução sob assédio, estão impondo ataques de diversos tipos. Ataques a nossa economia, a nossa moeda, ataques de tipo terrorista através de mercenário nas ruas de Caracas, houve uma incursão marítima, uma incursão na fronteira terrestre com a Colômbia, houve uma tentativa de sequestro do presidente Nicolás Maduro. Nós estudamos o tema midiático porque estamos conscientes que também há um ataque do ponto de vista simbólico, cultural que tem como cenário os meios de comunicação e as redes sociais", analisou.

Para a parlamentar, essas ações tem como objetivo apagar os avanços sociais da Revolução Bolivariana e as instituições democráticas da Venezuela para caracterizar o país como "um estado falido" e "cumprir a agenda intervencionista que se preparou desde o Comando Sul dos Estados Unidos".

"Não estou inventando. O manual do Comando Sul para a Venezuela, assinada pelo almirante Kurt W. Tidd, na parte sobre Informação e Comunicação, faz um chamado para que se dilua a imagem do comandante Hugo Chávez, que foi um símbolo de unidade nacional", afirmou. Esse manual veio a público em 2018 e foi chamado de "Masterstroke" - "golpe de mestre".

"Estamos em alerta e vamos avaliar com cuidado o que aconteceu a Assembleia Nacional", disse Díaz.

A ex-ministra ainda faz uma reflexão sobre o papel das redes sociais e cita a eleição de Jair Bolsonaro. "Em nenhuma parte do mundo podemos ser ingênuos e separar o tratamento, a configuração, o financiamento e a atuação dessas empresas de redes sociais do discurso político. Essas empresas são, em primeiro lugar, empresas de marketing. Como nos mostraram o escândalo da Cambridge Analytica, a eleição de Donald Trump e a eleição de Bolsonaro, ficou claro que estamos metidos em um tipo de classificador universal que a população que nos impõe certas mensagens que nos colocam em um tipo de usuário e direciona o que nos vamos consumir e comunicar", disse.

"Quer dizer, estamos em um rede que tem a função submersa de nos colocar em categorias para nos vender desde aparelhos eletrônicos até orientar na vontade eleitoral de uma nação", avaliou.

Censura a Trump

A partir desse questionamento, avança sobre a derruba das contas de Trump nas redes sociais. "Temos que ver com atenção o que aconteceu com Donald Trump e a censura submetida contra ele pelas empresas, apesar de seus comportamentos condenáveis. Temos que nos perguntar se uma empresa tem direito de censurar um presidente de uma nação que está vivendo uma crise política dos Estados Unidos", disse.

A parlamentar afirma temer que a ação contra Trump se transforma em um "rito que vai marcar esse universo de redes sociais com milhares de usuários sobre o domínio do capital".

"Estamos acostumados a conviver com uma política dos Estados Unidos de que o que acontece no seu território tem consequências para o resto do mundo. Temos que nos perguntar: será que a institucionalidade formal, os acordos da Segunda Guerra começam a incomodar o grande capital? Será que uma ação assim pode naturalizar outro tipo de poder, que se converte em um Suprapoder? Por mais terrível e perigoso que pode ser um governo, tem a legitimidade de uma eleição. Se essa legitimidade se coloca em questionamento, se questiona um instituição importante para as democracias, pelo menos do mundo ocidental. Temos que fazer essa reflexão", completou.

"Será que os Estados-nação passaram a incomodar o supra-Estado do capital?", questiona.

Bombardeio simbólico-cultural

Por fim, Diaz pontua que a Venezuela é "vítima de uma guerra multimodal" e que "os trabalhos que fazem os laboratórios da guerra suja contra o país são brutais". "Estamos sob um bombardeio de tipo simbólico e cultural que tem o objetivo de derrocar nossas instituições democráticas", declarou.

Os alvos da guerra multimodal seriam as instituições do Estado, as identidades culturais e históricas e desmoralizar as lideranças políticas contrárias ao poder capitalista.