Tudo certo, tudo bem. O presidente Joe Biden tomou posse nesta quarta-feira (20) e, mal a ressaca da festa pelo fim da era Trump termina, fica no ar a nós, brasileiros, a pergunta inevitável: o que vem agora? O que muda, enfim, na relação entre Brasil e EUA com a saída de Trump e a posse de Biden?
A Fórum entrevistou dois especialistas no assunto para saber a resposta. O diplomata e ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e Reginaldo Mattar Nasser, professor Doutor de Relações Internacionais da PUC. As avaliações, apesar de tocarem em pontos diferentes da questão diplomática, chegam a um mesmo denominador. Ao tratar o Estado brasileiro como uma extensão dos seus desvarios ideológicos, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu isolar o país do resto do mundo.
Nasser diz que “até um tempo atrás, era quase consenso avaliar que as mudanças de governo não alteravam significativamente a política externa dos países. De certa forma isso se mantém. Os países não vão prejudicar as suas relações comerciais, tecnológicas, científicas em função de mudanças de governo e por afinidades ideológicas principalmente no pós-Guerra Fria”. O professor adverte, no entanto, que “no caso agora do Brasil e EUA, as coisas atingiram patamares mais elevados. Tanto o Trump, de um lado, quanto o Bolsonaro de outro, ultrapassaram os limites daquilo que, convencionalmente, a diplomacia recomenda”.
“Já realizadas as eleições, o Bolsonaro continuou apoiando o Trump, dizendo que as eleições foram fraudadas e se manteve assim até o último minuto. Evidentemente que isso cria um mal-estar”, diz o professor.
Para Celso Amorim, “havia a impressão de que o presidente Bolsonaro tinha uma relação de fato, e até certo ponto tinha, com o presidente Trump. É verdade que disso não resultou em nada de positivo. O que vai haver agora é que o Brasil vai sofrer mais pressões, porque haverá a preocupação com o clima, que já foi expressa pelo presidente Biden, haverá a preocupação sobre Direitos Humanos”.
“Ainda há pouco”, prossegue Amorim, “o novo presidente da Comissão de Relações Exteriores dos EUA, Gregory Meeks, mencionou que é preciso dar atenção a esses temas, que é preciso mostrar que os EUA dão atenção a esses temas, questões que envolvem negros, índios, mulheres, LGBTs, pra falar de algumas. Então eu acho que vai ser um relacionamento muito difícil e, com isso, o Brasil completa algo impensável para um país das suas dimensões: o seu total isolamento”, sentencia.
Nasser também lembrou a questão ambiental e disse acreditar que ela é a que mais vai impactar a relação dos dois países. “Essa vai ser a primeira e a mais forte de forma inequívoca. As propostas de Biden e Trump são completamente opostas e isso atinge diretamente o Brasil”, adverte o professor. “Há investimentos nisso, não é apenas uma opção ideológica. Há grupos econômicos poderosos que apoiam o Biden nessa política de energias alternativas, de respeito ao meio ambiente. Isso também se conecta aos europeus, que já vinham batendo nessa tecla, mas se enfraqueciam diante da posição dos EUA”.
No final, ao reafirmar o isolamento a que Bolsonaro relegou o país, Amorim lembra: o Brasil já não tinha uma boa relação com a Europa, não tem uma boa relação com a China, não tem uma boa relação com os Brics, é frágil, e não tem boa relação com ninguém aqui na América do Sul, nem com os governos mais à direita”.
O ex-chanceler do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa que “agora então, (o Brasil) também não vai ter uma boa relação com os EUA. Repito, não é que tivesse vindo nada de positivo, mas havia uma ilusão. Agora, termina a ilusão e vai ser dureza. A grande questão é saber como a elite econômica brasileira, que sempre procurou ter uma relação boa com o governo norte-americano, vai reagir a esse fato”.