Os Estados Unidos precisam, urgentemente, de monitores internacionais para garantir eleições justas, sem trapaças. Mas podem também criar uma comissão de notáveis, com representantes dos dois partidos, para fazer esse trabalho. Uma necessidade urgente, segundo o senador Bernie Sanders e o ex-diretor de segurança nacional de Trump, Dan Coats.
Um artigo da revista The Atlantic, programado para a edição de novembro, foi publicado agora porque, segundo o editor-chefe, o conteúdo é urgente. E aponta um período pós eleitoral muito mais conturbado do que foi a disputa pela contagem dos votos na Flórida, no ano 2000, que a Suprema Corte interrompeu antes do fim dando vitória a George Bush.
A revista ouviu as preocupações de especialistas e estudiosos. E eles estão apavorados com a possibilidade, concreta, de Trump usar todas as ferramentas disponíveis na democracia americana para impedir uma decisão legítima do processo eleitoral. Eles estão de olho nos 79 dias que separam a votação e a posse do novo presidente. E têm uma certeza: aconteça o que acontecer nas urnas, Trump jamais admitirá uma derrota.
A primeira providência de Trump será exigir que a contagem de votos se encerre na noite da eleição. Ele sabe que boa parte, talvez a maioria, dos votos chegará pelo correio. Será uma contagem demorada. E quanto mais votos contados, segundo todos os analistas, maior a chance dele perder. Enquanto a contagem final não sai, ele vai incentivar protestos e a equipe de advogados da campanha vai entrar com processos em vários municípios exigindo a suspensão da contagem.
A revista também denuncia que este ano, mais do que em qualquer outra eleição, um batalhão de republicanos estará nas ruas para impedir ao máximo que negros e pobres participem do pleito aproveitando a revogação da lei chamada “consent decree”, criada justamente para impedir essas manobras. Ela foi revogada em 2018. Será a primeira eleição, em 40 anos, sem essa proteção legal. E os republicanos já têm 50 mil voluntários preparados para agir nos 15 estados onde a eleição será mais disputada.
Atento a todos esses sinais, o senador Bernie Sanders defendeu a criação da comissão bipartidária, para supervisionar as eleições, em um discurso na Universidade George Washington. Foi o primeiro pronunciamento que ele fez ao vido desde o começo da pandemia. E foi, sem dúvida, o discurso mais contundente dessa campanha eleitoral, no campo dos democratas.
Já que Joe Biden não entrou em campo, Sanders tomou a dianteira. Ele esbanja a energia que falta ao candidato a presidente. Diante de quatro bandeiras dos Estados Unidos, ele alertou que os americanos não estão diante de uma escolha entre Joe Biden e Donald Trump e sim entre Trump e a democracia. Como quem vê de longe alguém ateando fogo na arena, Sanders se dirigiu ao presidente: “muita gente já lutou e já morreu para defender a democracia americana e você não vai destruí-la”.
Na eleição passada a candidatura de Trump parecia uma piada, uma brincadeira (de mau gosto, é verdade). Quase ninguém levou a sério até o momento em que se tornou uma realidade irremediável. Agora, Sanders expressou, com veemência, o que andam sussurrando pelos corredores do poder. E se o presidente não aceitar o resultado das urnas? O que acontece no país? Não se trata apenas da transferência de poder em Washington. Em garantir que ele, educada e ordeiramente, faça o tradicional discurso admitindo a derrota e saia de cena com elegância.
O que preocupa quem olha para frente se depara com grupos armados, fanáticos, que com apenas uma palavra de Trump se sentirão roubados. Enganados pelos políticos e chamados a defender o mandato do presidente pois estarão convencidos de que foram garfados. As milícias que circulam em várias cidades, com anuência e até o agradecimento de polícias municipais, armadas até os dentes, dão o que pensar.
Essa semana Trump se recusou a fazer o que todo presidente do país faz: se comprometer com a transição pacífica de poder. Em coletiva na Casa Branca, ele respondeu a essa pergunta dizendo apenas: “vamos ver o que acontece. Vocês sabem que estou reclamando das cédulas e elas não um desastre (as enviadas pelo correio). Não haverá uma transferência, francamente, haverá uma continuação”. Se fosse só essa resposta… Mas ela completa um quadro que está sendo pintado há meses. E Bernie Sanders desvendou a composição, para quem ainda não está enxergando a obra em andamento.
Trump levanta dúvidas a respeito do voto pelo correio há semanas. Diz que vai haver fraude se eles forem contados e garante que só perde se for roubado. Sanders citou estudos e pesquisas, inclusive de organizações conservadoras, que mostram como o voto pelo correio existe há anos e nunca houve fraude. “Como está se vendo atrás em várias pesquisas, ele está tentando eliminar uma quantidade massiva de votos”, explicou o senador. Ele exigiu que o congresso forme uma comissão bipartidária para monitorar as eleições e garantir à população que ela foi organizada e levada a cabo de forma limpa e transparente.
Sanders disse que única maneira de impedir qualquer tentativa de manobra do presidente é derrotá-lo nas urnas, mas derrotá-lo com uma diferença de votos incontestável. E essa é a tarefa árdua porque a falta de entusiasmo por Joe Biden é contagiante.
Verdade seja dita, ele não ajuda. Quando Trump se recusou a selar um compromisso com a transição pacífica de poder, Biden reagiu com surpresa: “é uma declaração tão absurda que não sei nem o que dizer”, e virou as costas. Foi embora. Espera-se que ele tenha muito mais o que dizer, e com um mínimo de veemência, na terça-feira, dia 29, quando acontece o primeiro debate entre Trump e Biden em Ohio.