Era uma manhã sonhada para o presidente do Chile, Sebastián Piñera. Questionado quase toda a sociedade e com apenas um 4% de popularidade, ele tentava recuperar um pouco de imagem positiva, ao menos entre as mulheres.
Promulgaria a nova Lei do Feminicídio, que amplia as penas para crimes de gênero, com ou sem resultado de morte, e incluindo também abusos sexuais. Não era iniciativa sua nem de seu governo – foi promovida por duas deputadas comunistas –, mas não importa, era ele que saia na foto. Colocou a primeira-dama de um lado, a ministra da Mulher do outro, duas outras ministras mulheres do seu governo, tudo para parecer perfeito… Aí, ele disse isto:
“Gabriela disse uma vez, `se algo minha mãe, Carolina, me ensinou, é que ninguém pode meter o dedo em cima, nem a mão em cima de nada e de ninguém´. Eu sei que é amor próprio, e isso reflete uma atitude que é muito necessária, porque às vezes não é somente a vontade dos homens de abusar, mas também a (titubeia, ao perceber que está falando bobagem, e tenta consertar)… posição das mulheres de serem abusadas. Temos que corrigir aquele que abusa e também dizer à pessoa abusada que ela não pode permitir que isso ocorra”.
Por si no se habían enojado lo suficiente: pic.twitter.com/REVJMuchKr
— Pato (@PatoGamblin) March 2, 2020
A “Gabriela” citada pelo presidente chileno é Gabriela Alcaíno, uma estudante de 17 anos que foi assassinada junto com sua mãe, Carolina, de 53, em junho de 2018, porque um ex-namorado não aceitou o fim da relação. O assassino chegou a confessar o crime, mas não foi condenado com pena máxima (apenas 4 anos de prisão por cada morte), graças aos subterfúgios legais que permitiram à defesa não caracterizar o crime como feminicídio.
O caso batizou a nova legislação do feminicídio, que se chama Lei Gabriela, e que prevê pena de até 40 anos para esse crime – antes era de no máximo 15 anos, e poderia ser diminuído se o autor do crime alegasse “agir sobre forte emoção”.
Depois de conseguir estragar o momento, só restou a Piñera aguentar a repercussão negativa. A deputada comunista e ex-líder estudantil Camilla Vallejo, uma das autoras da nova lei (a outra é a também comunista Karol Cariola), reagiu dizendo que “até na promulgação da Lei Gabriela, o presidente Piñera continua justificando a violência machista (…) é algo inaceitável, e uma ofensa às famílias das vítimas”.
Hasta en la promulgación de #LeyGabriela el Presidente Piñera sigue justificando la violencia machista: “No sólo se trata de hombres que violentan, si no que la posición de las mujeres a ser abusadas”. Es impresentable y una ofensa para las familias de las víctimas— Camila Vallejo Dowling #APRUEBO (@camila_vallejo) March 2, 2020
Já a Frente Feminista do partido Convergência Social, que é parte da Frente Ampla, comentou que “um mulher abusada nunca é responsável pela violência contra ela! Nunca! A uma semana do 8 de março, fica claro que não contamos com Sebastián Piñera para defender nossos direitos e uma vida livre de violência”.
NUNCA una mujer abusada es responsable de la violencia hacia ella! NUNCA.
A una semana del #8Marzo, es claro que no contamos con @sebastianpinera para defender nuestros derechos y una vida libre de violencia, por eso #LaHuelgaFeministaVa #LeyGabriela— Frente Feminista Convergencia Social (@FeministasCS) March 2, 2020
Nas redes sociais, o presidente não ficou imune às críticas. Uma internauta chegou a afirmar no Twitter que “Piñera representa hoje a todos os estupradores e feminicidas, todos os machos acossadores e abusadores, que se amparam neste sistema asqueroso. A culpa não é da vítima!!”.
PIÑERA HOY REPRESENTA A TODOS LOS VIOLADORES Y FEMICIDAS, A TODOS LOS MACHOS ACOSADORES Y ABUSADORES QUE SE AMPARAN EN ESTE SISTEMA ASQUEROSO.
LA CULPA NO ES DE LA VICTIMA#RenunciaPiñera #LeyGabriela #apruebo #NiUnaMenos— fernandapurisima (@frnandapurisima) March 2, 2020