Em 6 de novembro de 2019, Maria Patricia Arce Guzmán foi sequestrada por um grupo que a fez passar por atos de humilhação que foram considerados como uma violação do direito à integridade da pessoa humana, segundo a Defensoria Pública da Bolívia e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a CIDH. A prefeita de Vinto foi sequestrada, espancada, obrigada a caminhar por três quilômetros de pés descalços, teve os cabelos cortados e o corpo pintado de tinta vermelha pela milícia fascista “Resistência Cochala”.
Em 18 de outubro de 2020, a mesma Patricia Arce Guzman terminou como senadora eleita pelo departamento de Cochabamba e ajudou as mulheres a terem pela primeira vez na história uma maioria na Câmara Alta Boliviana - elas vão ocupar 20 das 36 cadeiras, segundo levantamento do Página Siete. Para comentar sobre esse triunfo, Arce Guzman participou nesta quinta-feira (22) de entrevista ao vivo no Fórum Café, no canal da Fórum.
"A força [para continuar] vem das mulheres, das convicções que você tem. Sabemos que passamos por momentos muito difíceis, mas também sabemos que a população confiou em nós. Se Patricia Arce renuncia, não é Patricia Arce. Patricia Arce representa a um conjunto de mulheres, de gente que confia em nós", disse a parlamentar eleita ao comentar sobre a continuidade na política mesmo depois do episódio brutal de 2019. Ela sequer renunciou ao posto de prefeita de Vinto - cuja atuação foi reconhecida internacionalmente com o Prêmio Maya, em 2018.
"Tudo o que passamos, toda a força que me deram, foi tudo pelas mulheres, pelo povo, pelos jovens e pelo município que confiou em mim", completou. Além de tudo o que passou, Arce Guzman já teve que lidar com muitas dificuldades em sua trajetória de vida: é a mais nova de uma família de 10 irmãos, atuou como mecânica, dirige trator desde os 10 anos e conviveu com a fome. Tornou-se advogada e passou a ser assessora da Confederação Sindical Única de Camponeses da Bolívia – de onde o agora vice-presidente David Cochehuanca foi líder – e a Confederação Nacional de Mulheres Camponesas Indígenas – Las Bartolinas. A relação com os movimento que, segundo ela, a levaram até a Prefeitura de Vinto.
Luta das mulheres
Arce Guzmán deu bastante destaque à luta das mulheres, às políticas públicas de igualdade de gênero que foram implementadas em Vinto e os desafios para o futuro: "Me deram a oportunidade de ir à Assembleia Plurinacional para trabalhar para todas as mulheres e jovens. E não só da Bolívia, como também da América Latina. Quero assumir como senadora porque sei que ali posso mudar muitas coisas em benefício das mulheres. Não penso em aceitar um ministério", afirmou Arce Guzman, descartando um possível cargo no gabinete do presidente eleito Luis Arce Catacora.
Segundo a senadora, o ocorrido durante o golpe marcou a vida dela "de uma forma brutal". "Ninguém pode fazer o que fizeram. Foi muito duro. E depois nós vivemos perseguição, abuso político, perseguição policial. Foram momentos muito duros. Assumir agora é uma responsabilidade muito grande. O povo da Bolívia está confiando no processo de mudança. É muita responsabilidade. Não vamos buscar vingança. Vamos reconstruir o país", afirmou.
Unidade
Nessa reconstrução, Arce Guzman prega a unidade de todo o país e afirma que o MAS não busca vingança. "Acreditamos na cultura da paz, do amor. Não queremos vingança, vamos trabalhar para buscar a unidade", disse.
Essa unidade, como ela define, passa por "todos os povos" em um país que, desde 2008, se reconhece como "plurinacional". "A população tomou consciência que a direita governa para setores minoritários e nós, de esquerda, pensamos em toda a população. Queremos que todos tenham os mesmos direitos e obrigações. Estamos mais comprometidos que nunca", declarou.
"O principal desafio é devolver a paz à Bolívia. Depois, devolver a estabilidade econômica ao nosso país. Muita gente sofreu muito durante a pandemia, há quem não tenha um pão para levar para casa."
Evo Morales
A senadora também dedicou parte da entrevista para falar do ex-presidente Evo Morales, quem ela define como o "líder indiscutível" do Movimento ao Socialismo (MAS). "Queremos que nosso ex-presidente Evo Morales volte e trabalhe na formação de novas lideranças, uma coisa que talvez tenhamos falhado", afirmou.
Patricia Arce Guzman ainda apontou que, por mais que Morales e Lucho Arce Catacora tenham trajetórias diferentes, o novo presidente não é distante do ex-líder sindical. "Considero o Arce Catacora um profissional muito bom, devolveu a estabilidade para o país e atuou no milagre econômico boliviano. É um economista reconhecido e muito comprometido com as organizações sociais, responde a elas. Ele é uma pessoa que vai criar consensos entre as organizações em benefício de toda a população. É uma pessoa que confiamos muito", declarou.
"Evo Morales é nosso líder indiscutível, foi chefe de campanha, é chefe do partido, o respeitamos muito, mas é momento de Lucho exercer a presidência, como manda o processo de transformação", disse ainda.
Participaram da entrevista Plínio Teodoro, Cristina Coghi, Lucas Rocha e Heloísa Villela.
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