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“Um fiasco. A farsa das supostas intenções humanitárias do governo de Donald Trump e dos seus aliados venezuelanos foi totalmente desmascarada." Esta é a avaliação de Igor Fuser, jornalista, doutor em Ciência Política e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Para ele, a Revolução Bolivariana na Venezuela, liderada pelo presidente Nicolás Maduro, saiu amplamente vitoriosa, apesar da tentativa frustrada de ingerência externa.
“O controle das fronteiras do país pelo governo foi mantido, apesar do assédio feito a partir do exterior. Os carregamentos de uma suposta ajuda humanitária não solicitada, claramente pretexto para facilitar o ingresso de forças militares estrangeiras no país e desestabilizar o governo legítimo de Maduro, foram bloqueados pelo dispositivo militar venezuelano”, analisa.
Fuser acrescenta que a tentativa de golpe não poderá mais ser levada a sério por ninguém “que tenha o mínimo de compostura. E o chavismo provou que ainda está vivo, com amplas manifestações de apoio ao governo, nas principais cidades do país, e a mobilização de moradores das regiões de fronteira contra as provocações opositoras”.
Respiro
Agora, segundo o jornalista, Maduro e seus apoiadores ganham um relativo respiro diante da ofensiva política desencadeada a partir dos Estados Unidos. “Em janeiro, os EUA colocaram em movimento um mecanismo para depor Maduro, com a iniciativa de reconhecer um político até então desconhecido, Juan Guaidó, como presidente, em claro desafio às leis da Venezuela e, em seguida, encenando a palhaçada da ajuda humanitária de araque”, diz.
Porém, as ameaças de um ataque militar dos EUA não intimidaram os militares venezuelanos, que se mantiveram leais ao governo. “Já não há espaço político, no curto prazo, para alguma ação militar contra a Venezuela.”
Em relação à reunião do Grupo de Lima, realizada nesta segunda-feira (25), os governantes latino-americanos alinhados com Washington deixaram claro seu rechaço a qualquer tipo de aventura militar.
Para Fuser, eles estão conscientes do alto grau de desgaste interno que resultará do seu envolvimento em um confronto militar contra a Venezuela. “Nenhum presidente quer aparecer perante sua população como um pit bull a serviço do imperialismo estadunidense, como alguém que se presta a fazer o serviço sujo para uma criatura desprezível como Trump.”
[caption id="attachment_167737" align="alignnone" width="500"] Igor Fuser - Foto: Reprodução/YouTube[/caption]
Irresponsabilidade
O governo Bolsonaro, conforme Fuser, tem se conduzido de uma forma totalmente irresponsável perante o conflito na Venezuela. “Rompeu relações com um país amigo, sem qualquer justificativa para esse ato, e reconheceu um pseudopresidente que não exerce efetivamente o cargo, nem de fato nem de direito.”
Mais grave ainda, prossegue, é a linha de conduta adotada pelo chanceler Ernesto Araújo, que promoveu o envolvimento do Brasil numa rota de guerra implementada a partir dos Estados Unidos.
“Com isso, o atual governo brasileiro jogou no lixo a tradição de mais de um século de uma diplomacia pautada pelo respeito à soberania dos Estados, pela não ingerência nos assuntos internos dos demais, pela busca de solução pacífica das divergências e pela defesa da América do Sul como uma zona de paz. Adotou-se agora uma política externa aventureira, de extrema direita, movida pela submissão absoluta aos Estados Unidos e pela total irresponsabilidade”, enfatiza Fuser.
Para o jornalista, essa conduta aventureira só não teve consequências mais graves, até agora, porque as Forças Armadas, de certa forma representadas neste assunto pelo vice Hamilton Mourão, decidiram bloquear qualquer passo no sentido do confronto militar com a Venezuela.
“Os militares brasileiros enfrentam atualmente um dilema. De um lado são favoráveis a um alto grau de alinhamento político e estratégico com os Estados Unidos, mais do que em qualquer governo brasileiro anterior. Do outro lado, estão começando a tomar consciência dos altos custos que esse alinhamento pode trazer, e não mostram a mínima disposição de se meter numa aventura sangrenta e de desfecho imprevisível. É o que está nos salvando, por enquanto”, conta.
Apuros
De acordo com Fuser, é o presidente autoproclamado Juan Guiadó que se vê agora em apuros, pois deixou a Venezuela ilegalmente, violando uma decisão do Judiciário, e com alta probabilidade será preso se tentar regressar ao país.
“No exílio, se mostrará ainda mais débil do que já era antes. A campanha para derrubar Maduro terá de se voltar, no curto prazo, para o endurecimento do bloqueio econômico, com vistas a agravar as dificuldades cotidianas do povo venezuelano”, alerta.
Desafio
Fuser acredita que este será o grande desafio do chavismo. Maduro venceu a queda-de-braço com o imperialismo e com seus opositores venezuelanos neste sábado (23).
“No entanto, a grande dificuldade permanece: aliviar a penúria material e a hiperinflação que assolam os venezuelanos. Esses problemas tendem a se agravar com o fim das importações de petróleo para os Estados Unidos, que privará a Venezuela de uma parcela fundamental da receita exportadora.”
Ele diz que o atual governo se mostrou capaz de enfrentar com sucesso a ingerência imperialista, mas soberania, por si só, “não põe comida na mesa. Uma vitória estratégica, capaz de alterar de modo decisivo a correlação de forças, depende da capacidade de Maduro apontar ao menos uma perspectiva de alívio na situação econômica da maioria dos venezuelanos, algo que até agora ele tem se mostrado incapaz de fazer”.
Lambe-botas
O jornalista e professor aborda as razões que levaram vários países a seguirem os Estados Unidos e reconhecerem Guaidó como presidente venezuelano.
“Esse reconhecimento se deve à capacidade que os Estados Unidos ainda possuem de impor a um grande número de países suas próprias opções e preferências nos temas de política internacional.”
Ele explica: “Os governos europeus se curvam às imposições de Trump porque o custo de se opor à potência hegemônica, à qual são estreitamente vinculados, seria extremamente alto. Os países da União Europeia fazem parte da Otan, o dispositivo militar comandado pelos EUA, e para eles não vale a pena rachar essa aliança por causa da Venezuela”.
No entanto, esses mesmos governantes europeus marcam sua diferença em relação à postura belicista de Washington, defendendo o diálogo com Caracas e a busca de uma solução pacífica para o conflito.
“Já os governos latino-americanos que integram o Grupo de Lima compartilham com Trump a defesa irrestrita do neoliberalismo e posições de direita ou extrema direita em política interna. Adotam políticas entreguistas em economia, em suma, se comportam como lambe-botas do império estadunidense. Para esses governos, é prioritário esmagar qualquer alternativa política de esquerda na região. Por isso estão engajados na ofensiva contra o chavismo na Venezuela”, completa.
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