Bernie Sanders, novamente, vem aí, mas seu caminho não será nada fácil

Fenômeno das eleições de 2016, o senador independente de 76 anos anunciou que tentará novamente ser candidato à presidência dos EUA pelo Partido Democrata; fragmentação do setor progressista do país, no entanto, pode dificultar a vida do “socialista democrata” e abrir caminho para uma reeleição de Trump

Bernie Sanders (Divulgação)
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“Bernie está concorrendo. Obrigado, Deus.” Assim a Jacobin Mag, principal publicação de teor socialista dos Estados Unidos, anunciou que Bernie Sanders decidiu, mais uma vez, concorrer à presidência do país. O anúncio de que o senador independente do estado de Vermont vai, novamente, disputar as primárias para concorrer contra Donald Trump nas eleições do ano que vem foi destaque nos maiores jornais dos Estados Unidos e comemorado por blogues e sites de esquerda. Fenômeno nas eleições de 2016, Sanders, que hoje está com 76 anos, recebeu o apoio massivo dos jovens e capitalizou um sentimento anti-establishment e progressista. Ao, final, no entanto, bateu na trave e o Partido Democrata escolheu Hillary Clinton como sua candidata. O final, todos já sabem: Hilary perdeu e venceu o conservadorismo de Donald Trump. A pré-candidatura de Sanders em 2016, no entanto, reacendeu a chama socialista e de bem-estar social dos Estados Unidos e forçou o Partido Democrata, até enquanto oposição à Trump, a guinar para uma atuação mais progressista. Tanto é que desde a vitória do atual presidente, Sanders se reelegeu senador e, de candidatura improvável, se tornou um dos políticos mais populares do país e uma das principais lideranças da centro-esquerda norte-americana. Dialogar com o setor progressista, no entanto, nem sempre é o suficiente para ganhar eleição. Foi o que aconteceu em 2016 e é o que pode acontecer em 2020. O alerta é de Creomar de Souza, professor de Relações Internacionais e especialista em política norte-americana. “Em algum sentido, Bernie Sanders conseguiu encarnar um discurso que estava mais ligado ao progressismo do Partido Democrata. O problema é que esse discurso progressista tira votos de uma faixa mediana do eleitorado que é fundamental para ganhar eleição. E isso complicou Sanders em termos de prévias com a Hillary Clinton e complicou a própria Hillary na corrida contra o Trump”, analisa Souza, que em 2016 foi convidado pelos Estados Unidos para acompanhar as eleições no país como observador. [caption id="attachment_79676" align="aligncenter" width="540"] Bernie Sanders em debate com Hillary Clinton durante as prévias do Partido Democrata, em 2016 (Reprodução)[/caption] Se a “sensação Bernie” foi positiva para, de um lado, dar energia para que inúmeros outros quadros progressistas ganhassem espaço no Partido Democrata, de outro se torna um entrave na medida que cria uma fragmentação do setor de esquerda e progressista no país. “Essa candidatura reflete essa percepção de que esse discurso que foi quase viável se tornaria viável agora. O fato é que dessa vez há outros nomes de peso no partido”, alerta o estudioso. Em alguma medida, de acordo com Souza, a fragmentação do setor progressista nos Estados Unidos lembra, guardada as diferenças, o cenário eleitoral do Brasil no ano passado, quando a inviabilidade da candidatura de Lula fragmentou a esquerda e abriu caminho para a vitória de Jair Bolsonaro – quase em primeiro turno. “Isso não deixa de parecer um pouco com o próprio panorama da última eleição presidencial brasileira. Com toda a situação que se desenvolveu com o Lula, com a questão de candidatura viável ou não, existiu uma fragmentação dos campos de esquerda. E aqui, guardada a diferença de que temos um sistema multipartidário, que viabiliza várias candidaturas, o resultado fundamental foi que isso gerou uma fragmentação muito grande e facilitou o caminho da concorrência”, pontua. Há, neste momento, ao menos três outros quadros, para além de Sanders, que representam bem esse sentimento progressista e anti-establishment dentro do Partido Democrata e que podem vir a disputar a vaga de candidato com o velhinho socialista. Um deles é a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, de apenas 29 anos. Ela é a mais jovem mulher a ocupar uma cadeira no Congresso norte-americano, não tem nenhum receio de se autodeclarar como socialista e tem forte inserção nas redes sociais. [caption id="attachment_167307" align="aligncenter" width="593"] A jovem congressista Alexandria Ocasio-Cortez (Foto: NewsWeek)[/caption] “É um marcador que do lado democrata também há uma ideia anti-establishment”, diz Souza sobre Cortez. E, neste sentido, Sanders já não detém mais o monopólio do conceito “anti-sistema” que o alçou como fenômeno nas últimas eleições. “Acho que esse panorama eleitoral agora é menos tranquilo para o Sanders do que foi em 2016. Porque na última eleição, de maneira muito clara, a diretiva do Partido Democrata criou uma situação pra forçar a candidatura da Hillary. Os super-delegados, os donos, viram uma situação em que o candidato deveria ser Hillary. E eles forçaram isso em algum sentido. Essa forçada de barra acabou gerando Sanders como um fenômeno porque uma parte das bases do partido rejeitavam essa candidatura que era uma espécie de candidatura do sistema. E o cenário hoje já não é mais o mesmo”, explica Souza. Além de Cortez, capitalizam o sentimento anti-establishment entre os democratas, atualmente, o ex-vice de Obama, Joe Biden, que deve confirmar a candidatura nos próximos dias, e Beto O'Rourke, que perdeu no ano passado a vaga no Senado pelo Texas para o republicano Ted Cruz, mas que é tido como uma estrela em ascensão entre os democratas. Jovem, O’Rourke dialoga principalmente com a população hispânica. Para Creomar Souza, Sanders terá um grande desafio pela frente se quiser reeditar a onda de apoio de 2016 e fazê-la ser o suficiente para leva-lo à Casa Branca. “Toda essa fragmentação, significa dizer que ele não será o candidato? Não. Mas talvez ele não consiga reeditar aquela onda de apoio, sobretudo entre os eleitores mais jovens como foi lá atrás. E só esse apoio já se mostrou insuficiente para ganhar as prévias. Há outro tipo de eleitor que ele precisa dialogar. E se ele vai conseguir, isso já é outra questão.”