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Por Fernando Stern
As eleições no Uruguai, um pequeno país de menos de 3 milhões e meio de pessoas no sul da América do Sul, acontecem no mesmo que dia que na Argentina, país vizinho quase treze vezes mais populoso e com um peso econômico muito maior. Mas, ao contrário do que poderia se imaginar numa situação como essa, atrai uma grande atenção internacional.
[caption id="attachment_192633" align="alignleft" width="146"] Pepe Mujica conversa com eleitores em Montevideo (Foto: Fernando Stern)[/caption]
Isso ocorre, em alguma medida, pela notoriedade que um de seu ex-presidentes angariou pelo mundo e pelo ponto (cada vez mais) fora da curva que o país vem ocupando na região. Afinal de contas, Pepe Mujica, ex-guerrilheiro Tupamaro que se tornou presidente da república, conquistou corações e mentes com sua preocupação com os mais pobres e o seu jeito simples e direto de ser e agir, apesar de ter sido presidente em apenas um dos quatro mandatos em que a Frente Ampla esteve no comando do poder no Uruguai - os outros três foram de Tabaré Vazquez, atual presidente.
Durante a campanha - e com mais força nos últimos dias -, o que vem ganhando terreno é exatamente a comparação da situação política e econômica dos uruguaios com os vizinhos. A instabilidade e a crise que vivem Brasil, Argentina e o incandescente Chile é tema de boa parte dos debates nas ruas e nas redes sociais sobre as eleições.
O sentimento de “mudança”, que é a esperança da oposição, se explica pelo desgaste dos quase 16 anos de governos seguidos da aliança de partidos de esquerda e contrapõe ao que se passa com os vizinhos, depois de recentes guinadas à direita. O Uruguai se tornou símbolo e modelo de governo de esquerda que dá certo, em um caso citado no mundo como ponto fora da curva e, como descrito em recente artigo do francês Le Monde, por ser estável, rico e de esquerda. E de fato os números do Uruguai são impressionantes.
O país tem baixa desigualdade, uma renda per capita alta, níveis baixos de pobreza e a quase total ausência de miséria, além disso tem proporcionalmente a maior classe média da região (cerca de 60% da população) da região.
O acesso aos serviços básicos no país beira à universalidade. A economia, desde 2003, cresce numa taxa média de 4,1% ao ano. No mesmo período, a pobreza caiu de 32% para cerca de 8% e a pobreza extrema praticamente desapareceu, chegando a um patamar de 0,1%. Mais de 90% da população idosa está coberta no sistema de aposentadoria.
Porém, nem tudo são flores. Nos últimos anos, os uruguaios viram o ritmo de crescimento diminuir, alguns de seus índices (como o desemprego) piorarem e a violência aumentar significativamente (embora ainda muito distante dos números do Brasil). Isso está na raiz de uma incerteza que dá esperanças aos tradicionais Blancos de retornarem ao poder.
Festa da Democracia
O clima das eleições nas ruas é de “Festa da Democracia”, como diz o clichê. Muita gente enrolada em bandeiras, distribuindo panfletos e cantando. Os Blancos estão quase sempre em grupos grandes e ocupam visualmente a cidade na distribuição de panfletos. Os Colorados, apesar de seu candidato praticamente não ter chances, também se reúnem em alguns pontos da cidade.
Já os eleitores da Frente Ampla, talvez pela grande diversidade de partidos e movimentos e pela pegada mais militante de seus membros, se espalham por todos os lados e conversam com as pessoas. Exatamente como fazia o próprio Pepe Mujica e sua esposa, a vice-presidenta Lucía Topolansky, durante toda a tarde deste sábado (26) próximo ao parque Rodó.
Afinal, o que está em jogo?
Andando por Montevideo, além de sentir o clima de campanha é possível escutar um pouco do que as pessoas falam e entender o que está em jogo nessas eleições. Os uruguaios entendem bem seu sistema eleitoral e não têm dado importância a correntes e fake news que circulam pelo Whatsapp. Eles sabem números de pesquisas de cabeça e são unânimes em apontar que teremos “ballotage”, ou seja, que as eleições vão pro segundo turno. Porém, quando se aguça os ouvidos, é possível escutar diferentes opiniões e percepções sobre o momento.
Os primeiros garçons e motoristas de Uber com quem conversei diziam acreditar em uma vitória da Frente Ampla (aqui vale um parêntese, quase ninguém fala do nome do candidato Daniel Martinez, as pessoas se referem à Frente). Eles argumentam que, se a Frente cometeu erros, não é motivo para “devolver o país ao passado”, em referência aos muitos anos em que os tradicionais Partido Colorado e Partido Nacional (Blancos) se revezaram no poder.
Acreditam que aqueles que votam nos Blancos são os “mais ricos e os conservadores do interior”. Um motorista de Uber, chamado Federico, contou animadamente que apesar de não ter direito a um plano de saúde privado, sua senhora tinha direito a um plano para eles e os dois filhos com um desconto de apenas 3000 pesos. “Quase 300 reais”, disse ele, fazendo um brasileiro entender que por esse tipo de coisa é que ele acha que o apoio à Frente Ampla é tão alto.
Um vendedor de bandeiras de nome Daniel, que estava na praia de Punta Carretas, área nobre da capital, dizia que o movimento estava bom e que ali ele vendeu mais bandeiras do Uruguai e dos Blancos, mas que no bairro dele, na periferia, a que saia mais era da Frente.
Entretanto, em uma eleição que está polarizada, apesar de ser muito mais pacífica comparando com o último pleito no Brasil, nem tudo é consenso. Um outro motorista de Uber, Jorge, com tendência mais à direita, diz que mesmo com a estabilidade que o país goza em relação aos vizinhos há “una certa incertidumbre”, que parece ser um sentimento difuso mesmo entre os uruguaios, traumatizados que são por crises como a de 2002.
[caption id="attachment_192634" align="alignright" width="146"] A garçonete Maria (Fernando Stern)[/caption]
Já uma garçonete de nome Maria parece personificar os indecisos que vão decidir essas eleições. Com pouco mais de vinte anos, estudando Enfermagem, ela ganha a vida com os caprichos de clientes endinheirados trabalhando em um café chique, em frente à sofisticada praia de Pocitos.
Maria começa dizendo que não quer mais a Frente Ampla, que até teria feito boas coisas, mas que está há muito tempo e estaria, segundo ela, mantendo gente que não trabalha recebendo por isso (se referindo a beneficiários de programas sociais). Diz que é hora de “cambio”. Mas, indagada sobre os Blancos e Lacalle Pou, afirma que não gosta deles e que “governam pros ricos”.
Confrontada com a certeza de que terá que escolher entre dar mais um mandato para a Frente Ampla ou votar por uma mudança para o antigo, Maria reflete por um instante e com os olhos parecendo perdidos diz: “chegam as eleições e não sabe em quem votar”.
Propostas
Talvez não seja por acaso que o debate público se faça quase que totalmente afastado de propostas objetivas. Lacalle, aposta na ideia difusa de mudança e distribui textos, como o de uma postagem da semana passada, que diz o seguinte: “Cuando decimos que queremos mejorar la vida de los uruguayos, decimos que queremos cambios rápidos y eficaces, que hagan la diferencia en la vida de cada uno y que pueden ser planificados con tiempo”, ou seja, prometendo que fará mudanças rápidas e eficientes, mas sem nem passar perto de tocar no assunto de que mudanças seriam essas.
Do outro lado, Martinez usa como slogan: “No perder lo Bueno, hacerlo mejor”, que admite que há coisas não sendo bem feitas, mas deixando claro que a tal mudança faria o país perder o que de bom se conquistou no último período.
A vitória, seja de Martinez e da Frente Amplia ou dos Blancos e da coalizão que parece ser formará em seu entorno - com os Colorados e o “Bolsonaro Uruguaio”, Manini, do novíssimo Cabildo Abierto - parece passar por convencer algumas milhares de “Marias” sobre quem será “menos pior” para elas.